Um azul-esverdeado mais saturado do que qualquer cor que se possa ter visto no mundo real. “Ficámos de queixo caído.” Eis a simples descrição dos investigadores que realizaram um estudo, em que o uso de feixes de laser apontados para a pupila de um olho lhes permitiu superar os limites naturais da visão. Três dos cinco participantes eram coautores do estudo e a estes juntaram-se mais dois colegas da Universidade de Washington, que desconheciam o propósito da pesquisa.
Mas, atenção, os humanos não irão começar a percecionar novas matizes. Não vem aí um novo mundo de cores. “Este não é propriamente um aparelho destinado ao consumidor. Trata-se de ciência visual básica e um projeto de neurociência”, alerta Ren Ng, professor de Engenharia Elétrica e Ciência Informática da Universidade da Califórnia, Berkeley. E acrescenta: “Previmos desde o início que se pareceria com um sinal de cor sem precedentes, mas não sabíamos o que o cérebro faria com ele.”
As únicas cinco pessoas no mundo que conseguiram ver a nova cor entraram num laboratório escuro e permaneceram sentadas. Havia lasers, espelhos, espelhos deformadores, moduladores e detetores de luz. Cada participante teve de trincar uma barra para garantir que a cabeça e os olhos estavam imóveis enquanto o laser era disparado para a retina e viam um pequeno quadrado de luz, do tamanho de uma unha do polegar localizado a um braço de distância.
Nesse quadrado da cor azul-esverdeada (a Cidade das Esmeraldas de O Feiticeiro de Oz, de L. Frank Baum, onde tudo parece o verde mais deslumbrante que já se viu), que foi batizada de Olo, o mais próximo que existe e que se consegue ver é o verde-azulado, representado pelo código hexadecimal #00ffcc.
Esta investigação, publicada em abril na Science Advances, revelou-se útil para lidar com questões científicas básicas sobre como o cérebro cria perceções visuais do mundo. No entanto, poderá também a vir a ter outras aplicações. Através da estimulação personalizada de células na retina, os especialistas podem aprender mais sobre daltonismo (incapacidade ou dificuldade em distinguir as diferenças de cor) ou sobre doenças que afetam a visão, como a retinite pigmentosa, patologia degenerativa da retina que causa perda de visão progressiva, podendo conduzir à cegueira.
O poder dos verdes
“Não há forma de transmitir essa cor num artigo ou num monitor. Essa não é a cor que vemos, simplesmente não é. A cor que vemos é uma versão dela, mas que empalidece completamente em comparação com a experiência do Olo”, descreve Austin Roorda, professor e investigador de Ciências Visuais da equipa.
Os cinco de Berkeley conseguiram superar uma limitação, usando lasers para aplicar com precisão pequenas doses de luz para selecionar células cone no olho humano. Existem três tipos de cones que são sensíveis a comprimentos de onda de luz longos (L), médios (M) e curtos (S), para os tons vermelhos, verdes e azuis, respetivamente.
Estima-se que o olho humano consiga ver dez milhões de variações de cores, mas há todo um mundo de tonalidades que não vemos?
Assim, começaram por mapear uma pequena parte da retina de uma pessoa para identificar as posições das células cone M, sensíveis a diferentes comprimentos de onda verdes. Após o ajuste para o movimento do olho, o laser dispara um pequeno feixe de luz para estimular a célula, antes de passar para o próximo cone. Surge uma mancha de cor no campo de visão com cerca de duas vezes o tamanho de uma lua cheia. Uma cor que está para lá da faixa natural a olho nu porque os cones M são estimulados quase exclusivamente. O nome Olo vem do binário 010, indicando que, dos cones L, M e S, apenas os cones M são ativados.
Os três tipos de cone lidam com faixas de luz sobrepostas: a luz que ativa os cones M também ativará os cones S ou L. “Não há luz no mundo que possa ativar somente as células do cone M porque, se estão a ser ativadas, com certeza um ou ambos os outros tipos também são ativados”, explica Ren Ng.
Para John Barbur, professor de Ótica e Ciências Visuais e diretor da City St. George’s, Universidade de Londres, este estudo tem um “valor limitado”, pois “não é uma cor nova”. “É um verde mais saturado que só pode ser produzido numa pessoa com mecanismo cromático vermelho-verde normal quando a única informação vem dos cones M.”
Em contraponto, para Manuel Spitschan, que estuda os efeitos da luz no comportamento humano no Instituto Max Planck de Cibernética Biológica da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, e não fez parte da nova investigação-experiência, “é um estudo fascinante, um avanço verdadeiramente inovador na capacidade de compreender os mecanismos fotorrecetores subjacentes à visão de cores. As pesquisas técnicas necessárias para alcançar isso são enormes. Uma questão em aberto é como esse avanço pode ser usado.”
Comoo cérebro interpreta a luz
A visão consegue confundir a informação que recebe
O olho humano comum, de acordo com as estimativas científicas, é capaz de percecionar um número um pouco abaixo de dez milhões de variações de cores. É quando a luz incide sobre as células sensíveis à cor na retina, os três cones sensíveis a comprimentos de onda de luz longos (L), médios (M) e curtos (S), vermelhos, verdes e azuis, respetivamente, que se abre uma infinita paleta de cores. A retina (camada de tecido sensível à luz localizada na parte posterior do olho) recebe e processa as informações visuais, convertendo a luz em sinais elétricos, transmitidos ao cérebro pelo nervo ótico, permitindo-nos ver.
Lembra-se do desafio que se tornou viral nas redes sociais, em 2015, a tentativa de descobrir se um vestido era dourado e branco ou azul e preto? Na altura, a marca garantiu que era azul e preto. O que confundia os internautas era a luz que surgia na imagem, levando os cérebros a ler a parte azul como branca e a preta como dourada.
É a quantidade de luz que atinge a nossa retina que leva o cérebro a percecionar de determinada forma a matiz. Quem via o vestido azul e preto tem os cones da retina a funcionar melhor; ver o branco e o dourado é sinónimo de não reagir bem à luz fraca.
Se fosse na ilha Pingelap, no Pacífico, seria a preto-e-branco ou em tons de cinzento, devido à acromatopsia, doença genética que afeta um em cada 12 habitantes daquele território.