Era do cimo das escadas de casa da minha avó, em Darque, que eu sonhava com os caracóis do Marco Paulo. Quando um dia destes acordei com a notícia do seu desaparecimento fiquei um pouco anestesiada, e sorri a lembrar que fora a minha primeira paixão. Fiquei horas a lembrar-me de tanta coisa bela que me deu. Dançar pela casa a trocar a colher de pau de mão em mão, como um microfone, e a cantar “Joanaaaaa pensar que estivemos tão perto…”. Foi, também, isso que fiz no dia em que partiu e fiquei a pensar como fui arrebatada por ele.
Aquela voz vinha de um lugar tão honesto que era impossível não tocar as pessoas. Recordo o sorriso de criança, os caracóis impecavelmente penteados, o casaco de pele bem alinhado e a dedicação à música, ao espetáculo.
Uma vez conheci-o e, a partir daí, de vez em quando, falávamos ao telefone. Não lhe ligava muitas vezes porque não consegui nunca perder o deslumbramento – “Vou lá agora chatear o Marco Paulo…”. Mas ele adorava que eu lhe repetisse que foi o meu primeiro crush. E conversámos sobre aquelas letras e músicas que eu sabia de cor. Não tenho a mínima dúvida de que eram de facto a sua missão de vida, e percebo que isso me ensinou qualquer coisa na minha relação com a música.
Um dia fui com a minha amiga Tânia ao Coliseu ver o espetáculo dele e, minha amigas, que loucura! Que voz, que entrega! Dançámos a noite toda, cantámos e fizemos amigas que quase nos levaram a Fátima numa excursão do grupo de fãs do Marco Paulo.
Para mim, é daqueles artistas maiores, que parece que está sempre presente, como uma mobília de casa. Acho que tive a sorte de ouvir ao vivo o último cantor romântico e de ser inspirada por ele. Ouvi-lo cantar salva-nos, e a minha pergunta desde o dia da sua partida é só uma: “E agora, Marco? Quem vai salvar o mundo?”.
*Gisela João
Música. Em 2024, fez um espetáculo especial a propósito dos 50 anos do 25 de Abril: Gisela Canta Abril. As versões que aí cantou deverão sair em disco no início de 2025