“Pelo menos desde 2008 houve um constante financiamento da área não financeira do GES pelos clientes. Foram suportados pelas constantes emissões de dívida e consequente colocação junto de clientes das instituições financeiras da Espírito Santo Financial Group (ESFG). Tais propósitos foram conseguidos desde 2008 com condutas (…) a fim de iludir clientes e investidores”, referiu a magistrada do Ministério Público, citada pela Lusa.
O MP assume como objetivo provar “que o governo do GES foi exercido de forma autocrática por Ricardo Salgado” e que o ex-banqueiro, “com o objetivo de suportar a área não financeira, poder distribuir liquidez como entendesse e constituir posições acionistas, logrou apropriar-se de património de terceiros”.
Nas exposições introdutórias realizadas na primeira sessão do julgamento do processo BES/GES, no Juízo Central Criminal de Lisboa, a procuradora recordou apenas alguns factos que constavam da acusação de mais de 4.000 páginas proferida em 2020, face à limitação de 15 minutos para fazer a sua exposição, assumindo que o julgamento se irá prolongar “por tempo significativo”.
A procuradora salientou que Ricardo Salgado deu ordens a “um grupo restrito de pessoas, hoje aqui arguidas”, para que o GES se apresentasse imune em termos financeiros, apesar de a holding internacional do grupo (ESI) estar em situação de insolvência desde 2009. “Todo o programa de reestruturação do GES apresentado aos mercados assentava em pés de barro. Só em julho de 2014, segundo o levantamento feito após a saída de Ricardo Salgado, é que a administração tomou conhecimento das perdas históricas. A resolução do BES acompanhou o processo que já estava em marcha e a queda em dominó”, resumiu, acabando pouco depois as suas alegações para dar palavra aos primeiros assistentes processuais.
Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
Mais de 100 lesados do BES/GES já morreram
O advogado de milhares de lesados do BES, Nuno Silva Vieira, lamentou esta terça-feira a morosidade do processo desde o colapso do Grupo Espírito Santo, sublinhando que mais de 100 lesados morreram sem recuperar o dinheiro. “Os bens arrestados, ainda que à ordem do processo, só existem porque milhares de pessoas sofreram as consequências atrozes de vários crimes. Mais de 100 dos meus clientes já faleceram ao longo deste processo. São vítimas que partiram sem ver justiça feita, sem que os seus direitos fossem devidamente reconhecidos”, afirmou o mandatário nas exposições introdutórias realizadas na primeira sessão do julgamento no Juízo Central Criminal de Lisboa.
Nuno Silva Vieira salientou que “o foco principal deve ser a reparação das vítimas”, assinalando que o problema da recuperação do dinheiro perdido pelas vítimas no colapso do GES já passou para as gerações seguintes.
“Estamos já a falar de casos em que a terceira geração das famílias está agora envolvida no processo, tendo herdado, não apenas o fardo da perda financeira, mas também o peso emocional e jurídico de um processo que parece interminável. (…) Já passaram 10 anos desde a queda do Banco Espírito Santo. Até hoje, as vítimas não receberam qualquer forma de compensação ou de justiça através do sistema judicial”, referiu.