Na quarta-feira ao final do dia, os dados dos concursos de contratação de docentes por escola (para assegurar lugares vagos depois de acabado o concurso nacional) mostravam uma realidade inquietante. Ficaram sem professor atribuído 1128 horários completos e anuais. Aqueles que são os horários mais apelativos não conseguiram, em algumas zonas do País, nenhum candidato que os quisesse.
A Missão Escola Pública, em conjunto com o professor Davide Martins, do Blog DeAr Lindo, passou a pente fino os números. Numa das tabelas que divulgaram, vê-se que em todo o País há 135 horários de Português por preencher, 93 de Matemática, 187 de Informática, 87 de Geografia, 76 de Inglês, 73 de Biologia/Geologia e 71 de Físico-química.
Lisboa e Setúbal são as áreas mais carenciadas
Outra tabela mostra a distribuição geográfica desta escassez de professores. Em Lisboa, faltam atribuir 697 horários completos, em Setúbal são 254, em Faro são 60 e em Beja são 22.
“Nestes distritos podemos assegurar que não existem professores disponíveis no concurso nacional na grande maioria das disciplinas, destacando-se algumas estruturantes, nomeadamente, Português, Matemática, Geografia, Biologia/Geologia, Física/Química e Inglês”, afirma a Missão Escola Pública, notando que “Informática é a disciplina com maior falta de professores a nível nacional”.
Só em Lisboa estão em falta 88 professores de Português, 57 de Matemática e 100 de Informática. Em Setúbal, faltam 31 docentes de Português, 28 de Matemática e 39 de Informática.
Professores preocupados com descida de exigência
“Lembramos que ao concurso em contratação de escola concorrem candidatos não profissionalizados, pelo que a esmagadora maioria destes horários, quando atribuídos, serão entregues a recursos humanos não profissionalizados em ensino”, frisa a Missão Escola Pública, que teme os efeitos de uma política que combate a escassez de profissionais com a redução de exigência na sua seleção.
“Ainda que alguns já lecionem há vários anos e que se encontrem nesta situação por impossibilidade de profissionalização em serviço, a grande maioria não tem formação nem experiência em ensino, tendo diminuído no ano letivo anterior o nível de exigência para a habilitação própria, decreto que o atual governo manteve”, sublinha o coletivo de professores.
Mais de 100 mil sem professor
Segundo dados divulgados pela Fenprof no início da semana, se as aulas tivessem arrancado no dia 2 de setembro haveria 122 mil alunos sem professor a pelo menos uma disciplina.
“O Governo aprovou algumas medidas que constam do recém-publicado Decreto-lei 51/2024, que contém o Plano +Aulas +Sucesso, a que pretende juntar mais duas (um apoio à deslocação e um concurso de vinculação extraordinário), mas estamos perante medidas que, independentemente da intenção, revelam pouca ambição e, principalmente, poderão resultar numa ainda maior sobrecarga horária e de trabalho de profissionais já sobrecarregados e, por isso, exaustos, quer física, quer emocionalmente”, lê-se num comunicado da Fenprof, que fez esta semana uma conferência de imprensa na Escola Secundária José Gomes Ferreira, sede do Agrupamento de Escolas de Benfica, onde faltam ainda 24 docentes.
A Fenprof cita mesmo a ONU para alertar para um problema que é cada vez mais comum um pouco por todo o mundo. “Sobre a falta de docentes, a ONU considera que a reversão do problema passa por haver vontade política para resolver problemas como salários baixos, cargas de trabalho incomportáveis, condições de trabalho inadequadas e práticas laborais precárias, instando os Estados a assegurarem um financiamento adequado e previsível do ensino público”.
De acordo com as recomendações da ONU, lembra a Fenprof, o investimento em Educação deveria corresponder a 6% do PIB, sendo que em Portugal o valor vai pouco além de metade disso. Um dado que faz o sindicato aguardar “com expetativa” a proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Montenegro diz que problema não se resolve “de um mês para o outro”
“Infelizmente, senhor ministro da Educação, apesar de todos os esforços que estamos a fazer e que vamos continuar a fazer, não estamos em condições de poder dizer que, de repente, de um mês para o outro, já vai haver professores em todas as escolas e a todas as disciplinas e não vai haver alunos a serem prejudicados por não terem professores pelo menos a uma disciplina”, disse Luís Montenegro, esta quarta-feira, numa cerimónia de assinatura de acordos entre Governo, ordens profissionais e ensino superior.
“Fazer tudo isto é preparar o País para as próximas décadas, é olhar para ações que, muitas delas, não têm efeito imediato”, disse o primeiro-ministro, citado pela Lusa.