Está na reta final dos afazeres laborais que antecedem as “queridas férias”? Então, é bastante provável que dê por si com a cabeça noutro lado. Do ponto de vista científico, sonhar acordado é natural e desejável. Imaginar cenários entusiasmantes e entregar-se a fantasias agradáveis é suficiente para acionar mecanismos cerebrais (circuito da recompensa) em resposta a esses estímulos (como se fossem reais) e resultar em sensações de prazer e bem-estar. Assim se explica a água que cresce na boca ao imaginar um bom petisco ao fim da tarde, em boa companhia. Ou a aceleração dos batimentos cardíacos e a sensação de arrepio bom quando se pensa no encontro promissor a ter lugar dentro de algumas horas.
No modo “pré-férias”, a dopamina e outros neurotransmissores fazem-se à estrada e atuam como preliminares de uma experiência intensamente desejada: antever um cenário de lazer revigora o corpo e a disposição.
Lá fora e cá dentro
Ao que tudo indica, o apelo da descontinuidade de ritmo tem um caráter universal, não sendo por acaso que o tempo de descanso está contemplado nos textos bíblicos e no Código do Trabalho. Contudo, cabe a cada um gerir essa conquista social e saber alternar o on e o off laboral.
Embora os dados do Barómetro Anual de Férias de Verão da Europ Assistance mostrem que o orçamento dos portugueses para o efeito aumentou 20% face ao ano passado, mais de metade (51%) prefere ficar no território nacional (as viagens internacionais passaram de 54% em 2023 para 39% em 2024).
Para uma parte expressiva da população, ter férias ainda é um luxo, dada a fragilidade (por vezes ausência) dos vínculos laborais, as dificuldades financeiras e outras. Porém, fazer uma pausa das rotinas familiares, domésticas ou mentais pode dispensar viagens e cultos avultados, porque o que importa, na essência, é mudar o registo mental (mindset) e carregar baterias, como defendiam os sábios e filósofos em tempos imemoriais.
Sem estas intermitências intencionais, que funcionam como amortecedores do agito diário que nos impomos, ou nos é imposto (como as taxas, das quais se diz serem tão certas como a morte!), fica-se mais permeável a neurónios sobreaquecidos e maleitas várias, que nem ao pior inimigo se desejam.
Programar tempos de lazer com qualidade e sem pressa – nem sair da localidade onde se vive – é uma nova tendência que dá pelo nome de “staycations” (stay + vacations). O fenómeno ganhou visibilidade durante a pandemia e continua a conquistar adeptos, também entre aqueles que, podendo viajar além fronteiras, optam por fazê-lo fora da época alta, reservando dias livres na cidade onde vivem para desfrutar das ofertas culturais, desportivas, gastronómicas e de bem-estar com outro “élan”.
Até agora, está por apurar se é melhor repartir ou gozar todos os dias de férias de uma assentada. Experimentar e perceber qual o modelo que se adequa às necessidades, condicionamentos e preferências de cada um pode ser a melhor fórmula. E por falar em preferências, prestemos atenção naquelas que têm a ver com as características pessoais e no que dizem os especialistas acerca disso.
Destinos à medida
Aqui podemos usar a analogia dos dedos da mão, já que as características pessoais são avaliadas pela lupa da Teoria dos Cinco Fatores (Big Five), que contempla cinco dimensões básicas da personalidade. Desafiada a estabelecer uma ligação entre estes fatores – ou traços de personalidade – e os destinos ou programas de férias que melhor se alinham com eles, a psicóloga clínica e psicoterapeuta Marta Calado destaca quais os aspetos que devem ser levados em conta na hora de fazer escolhas.
Abertura à experiência:
“Curiosas e avessas à monotonia, as pessoas com este traço podem gostar de destinos exóticos e culturalmente ricos, que lhes permitam aprender e crescer, a nível pessoal. Podem precisar de alguma adrenalina para que as férias sejam lembradas como gratificantes.”
Conscienciosidade:
“Aqui, falamos de pessoas mais organizadas, que valorizam a ordem e o planeamento. Geralmente, não gostam de surpresas ou de imprevistos e procuram informação que as deixe seguras, sobre o itinerário das visitas, o buffet ou os horários das atividades oferecidas.”
Extroversão:
“Desta categoria fazem parte aqueles que gostam de interagir, de socializar e de participar em atividades de grupo. Tendem a gostar de festivais de música e outros eventos em que o barulho faz parte do espírito da festa (ou das férias). Programas com animação e tudo incluído também costumam fazer sentido para eles.”
Amabilidade:
“Empáticos, cooperantes e apreciadores da harmonia, têm tendência a sentir-se mais motivados por retiros com atividades tranquilas – yoga, mindfulness, etc – ou a preferir estadias em hotéis familiares. Há ainda os programas de voluntariado, em que podem conhecer a comunidade local e estar em comunhão com ela.”
Neuroticismo:
“Aqui encontramos as pessoas mais instáveis, preocupadas, impulsivas e vulneráveis à crítica. Diante de certos gatilhos, tendem a ficar em estado de alerta e precisam de segurança e conforto. Pacotes de férias que proporcionem relaxamento e bem-estar, como casa na praia ou SPAs serão boas opções.”
É complicado, mas chega-se lá
Nem sempre é fácil conciliar diferenças e encontrar um meio termo que satisfaça todos. A psicoterapeuta Marta Calado desdramatiza: “Basta que uma ou mais pessoas com mais apetência para recolher e apresentar informação ao grupo – pode ser, até, o adolescente! – a fim de ser analisada por todos e chegarem a um consenso.” Explorar alternativas também ajuda: “Este ano, um elemento do casal escolhe o tipo ou o local de férias e no seguinte alterna-se (o mesmo direito se aplica a pais e filhos, etc).”
A fim de minimizar o risco de chatices, além daquelas com que é preciso contar – as férias também envolvem mudanças e adaptação, como “dormir na autocaravana, lidar com questões alimentares e outras” – importa haver “compromisso e aceitação”, remata.
Ana Sabino, docente e investigadora no ISPA – Instituto Universitário e doutorada em comportamento organizacional, tem uma posição idêntica. Tomando por referência o modelo DISC (Fatores: Dominância, Influência, Estabilidade e Conformidade), exemplifica: “Se tiver um perfil estável, de ritmo lento e orientado para as emoções, vai querer estar com familiares e pessoas próximas.”
No caso de ter um perfil dominante, guiado por objetivos e mais inclinado para a ação, “o ideal da casa alugada, praia de manhã, grelhados, sesta e leituras pode aumentar os níveis de ansiedade”. Aqui, “as caminhadas, a exploração de trilhos e praias ou um interrail” afiguram-se opções mais atrativas de lazer.
E um plano que sirva a todos, mesmo que tenham diferentes maneiras de carregar baterias? “O segredo está na disponibilidade para chegar a esse equilíbrio; dizer, antes das férias, o que se quer e o que não quer ajuda”, revela Ana Sabino. Depois, “é preciso perceber que não temos de fazer tudo, nem andar todos juntos.” Planeamento, disponibilidade e treino, portanto.
Opostos e complementares
O regresso à base é outra história. Para alguns, pode ser uma benção voltar a casa. Veja-se uma pessoa habituada a tomar decisões por si e zelosa do seu sossego e rotinas e leva isso na bagagem: o risco de as férias familiares se converterem num filme é grande (sim, o tema tem inspirado filmes e séries; The White Lotus, por exemplo).
Para outros, tanto faz pois, estejam onde estiverem, têm sempre motivos de preocupação e nem se imaginam sem eles. Para uma boa parte, e no meio de tantas diferenças, aturarem-se uns aos outros – no casal, em família, com amigos, conhecidos ou entre estranhos – nem parece mau quando comparado com o que vai ter pela frente (e em várias frentes).
A evidência científica sugere que após um período longo (três semanas) de descanso, os níveis de stresse são significativamente mais baixos e os de disponibilidade (engagement) mais elevados. Afinal, também é para isso que as férias servem.
O problema é que esses ganhos nem sempre se sustentam no tempo, como atesta o famoso desabafo: “Ainda agora vim e já estou a precisar de mais” (férias das férias ou de rotinas infernais que foram suspensas temporariamente). Mesmo que certos traços de personalidade e circunstâncias de vida potenciem o desgaste, o meio organizacional desempenha um papel relevante.
“Quando se retoma o nível de exigências pré-férias estes benefícios desaparecem ao fim de um mês”, esclarece Ana Sabino. A solução é adotar estratégias simples para manter o fôlego e não sucumbir a fatores de risco: “Maximizem todas as pausas que possam ter; dos micro breaks durante o tempo de trabalho às pontes e fins-de-semana com o out-of-office ativo, usando parte desse tempo para atividades que dêem prazer.”
Sejam quais forem as suas preferências de personalidade, as férias – nas versões com passaporte, on the road ou ócio criativo – são uma oportunidade única para uma pessoa se aferir, calibrar e aprender mais sobre si e os outros nesse precioso tempo livre.
Diz-me qual a tua sigla, dir-te-ei que turista és
O Inventário Myers-Briggs (MBTI) é o mais popular e a sua versão gratuita, disponível na Internet, permite apurar 16 perfis a partir de quatro dimensões. Cada perfil tem uma sigla, que é frequentemente usada como cartão de visita nas redes sociais e aplicações de encontros, sobretudo entre utilizadores mais jovens. Para saber qual é o seu, FAÇA O TESTE AQUI
Conheça ainda os males de férias (ou stressores) e “remédios” para destressar por perfil MBTI (Infografia em língua inglesa) ou consulte a “cábula” que se segue, com os pontos fortes e ajustes sugeridos
Siglas:
I Introversão; E Extroversão; S Sentidos; N Intuição; T Pensamento F Sentimentos J Julgamento; P Perceção
Males de férias (em função dos 16 perfis MBTI)
Racional ISTJ
Para quem é prático e se guia pelos factos, as manias dos familiares, as pressões para se despachar, as mudanças de planos e as instruções pouco claras são de perder a cabeça
Protetor ISFJ
Sempre pronto a proteger os seus, ressente-se quando não lhe dão o tempo de que precisa para os preparativos e os seus esforços não são acolhidos da forma que espera
O remédio é:
Ter um pouco de “me time” pode bastar para recuperar a serenidade. Por outro lado, talvez venha a dar-se conta de que tudo se resolve, mesmo não sendo à sua maneira
Aventureiro ESTP
Flexível, prático, centrado no presente e algum fascínio pelo risco, fica sem graça sempre que não lhe dão crédito e vê que não consegue levar o barco a bom porto
Entertainer ESFP
Descontraído e sociável, aprecia a vida e a espontaneidade e gosta de ser a alma da festa, entra em stresse quando se depara com pessoas dadas a detalhes e avessas a mudanças
O remédio é:
Por melhor que seja a ter a iniciativa, por vezes faz a diferença envolver os outros e pedir-lhes ajuda, já que o resultado final pode devolver-lhe a confiança que julgava perdida
Porta-voz INFJ
Tranquilo e inspirador, gosta de agir em nome do bem comum, mas lida mal se os outros o criticam, não dando crédito às suas sugestões bem intencionadas de lazer
Arquiteto INTJ
Estratega e capaz de resolver problemas difíceis com tempo, é-lhe difícil, porém, falar de sentimentos, bem como compreender a irracionalidade de algumas tradições de férias
O remédio é:
Pode não ser má ideia reservar uma parte do dia para se permitir estar sem fazer nada para evitar chegar ao fim das férias mais cansado do que estava
Orador ENTP
Independente e avesso a rotinas, custa-lhe lidar com as tarefas mundanas de férias, não gosta de sentir-se isolado e cansa-se quando tem de lidar com planos desnecessários
Ativista ENFP
Alegre, flexível e bom a improvisar, aborrece-se com as pequenas questões entre amigos ou familiares e pela falta de entusiasmo e espontaneidade deles na hora de fazer coisas
O remédio é:
O exercício físico faz maravilhas na hora de aliviar tensões acumuladas. Por outro lado, o mundo não acaba se for preciso dar um não no momento certo
Virtuoso ISTP
Preza a eficiência e mantém a cabeça fria em situações difíceis, mas lá por estar em férias não é caso para ter de aturar estados de descontrolo emocional e conversas da treta
Inovador INTP
Analítico e barra a conceber planos originais e colocá-los em prática, não gosta de repetir-se se foi ouvido à primeira e tende a torcer o nariz a festas e barulheira
O remédio é:
Se estar num ambiente com muitos estímulos e dispersão não é a sua praia, o melhor a fazer é distanciar-se em doses q.b. para se aclimatar ao ambiente
Executivo ESTJ
Tem os pés assentes na terra e mobiliza os outros para chegar onde quer, mas impacienta-se com mudanças constantes e gente desorganizada ou indecisa
Comandante ENTJ
Tem clareza mental e a capacidade de tomar decisões e cumpri-las; o problema é ficar a falar sozinho com quem não sabe o que quer ou faz tábua rasa das tradições de férias
O remédio é:
Desabafar com alguém próximo que lhe inspira confiança e libertar tensão acumulada com atividade física
Criativo ISFP
Amigável e discreto, gosta de desfrutar do tempo livre sem pressa e furta-se ao conflito. Férias em modo correria, sem sensibilidade nem regras é que não
Mediador INFP
Pauta-se por valores, aprecia a congruência e cultiva o equilíbrio entre opostos. A negatividade e as expetativas pouco claras dos outros é que podem ser frustrantes
O remédio é:
Passar algum tempo na sua própria companhia, respirar fundo e concentrar-se naquilo que corre bem, apesar de tudo, para chegar ao fim das férias em forma
Prestável ESFJ
Consciencioso, empático e empenhado em converter sonhos em realidade, incomoda-se se ficar de lado, houver desarmonia ou se as coisas têm mais importância que as pessoas
Protagonista ENFJ
Inspirador, caloroso e capaz de apoiar os outros para fazerem o seu melhor, desmotiva-se com quem abusar da crítica, não coopera ou é mal agradecido
O remédio é:
Ver com outros olhos, através de alguém que tenha uma posição imparcial. Também não será má ideia ter um pouco de time-out para se recentrar
A neurociência do ócio
Dedicar-se a “não fazer nada” permite que o cérebro desligue das tarefas e preocupações que exigem foco e consumo de energia, embora permaneça ativo no modo da rede padrão (default network). Esse estado descontraído abre portas à criatividade e à regulação de emoções, atestam os resultados de inúmeros estudos envolvendo ressonâncias magnéticas, como o publicado na revista científica Neuropsychologia. A capacidade de gerar ideias criativas explica-se pelo aumento da conectividade funcional entre o córtex pré-frontal inferior e a rede padrão, que permite uma maior cooperação entre as regiões cerebrais ligadas ao controlo cognitivo e à flexibilidade mental. Em síntese, além de carregar baterias, esta espécie de “preguiça” tem a função de minimizar e, até, prevenir, tensões que tendem a acumular-se, traduzindo-se em sintomas de mal-estar e doenças associadas ao stresse crónico.