Um novo estudo científico, publicado recentemente na revista Nature Human Behaviour, revelou que os humanos da era pré-histórica podem ter utilizado “atividades de resistência” – como corridas de longa distância – enquanto estratégia de caça. A nova investigação revelou que as corridas longas e de resistência, geralmente em busca de presas, eram mais frequentes nas sociedades de caçadores-recolectores do que anteriormente se acreditava. Segundo os investigadores, os caçadores pré-históricos utilizavam esta estratégia de caça como forma de levar as presas à exaustão e sobreaquecimento do organismo, forçando-as a parar.
Até este estudo, vários cientistas não acreditavam na “hipótese de perseguição de resistência”, ou seja, a teoria de que o corpo humano terá evoluído de forma a ser capaz de perseguir uma presa, a pé, até à exaustão do animal. Esta teoria tem sido alvo de debate pela comunidade científica, com dois principais argumentos que a refutam. Primeiramente, a estratégia de caça referida seria demasiado exaustiva para o homem pré-histórico. Segundo, não foi possível observar indícios desta estratégia em culturas de caça posteriores.
Contudo, os antropólogos envolvidos no mais recente estudo acreditam ter encontrado evidências, que remontam ao início de 1500, e que sugerem que a corrida de longa distância era vista como uma forma eficiente de capturar animais – como veados e antílopes – para alimentação. “Conseguimos demonstrar que a corrida, ou uma mistura de corrida e caminhada, pode ser eficiente e que era uma prática global das populações forrageiras antes da era moderna. As atividades de resistência teriam proporcionado aos hominídeos (humanos, bem como antepassados extintos e parentes próximos dos humanos) uma vantagem evolutiva enquanto competiam com os carnívoros pela caça”, explicou Eugene Morin, um dos autores do estudo e antropólogo na Universidade de Trent, no Canadá.
A equipa de cientistas das Universidade de Trent examinou ao detalhe as críticas feitas à teoria e determinou que existem bases sólidas de apoio à sua existência. Para este estudo, foi utilizada uma amostra de mais oito mil registos etnográficos, de 272 locais de todo o mundo, tendo sido encontradas cerca de 391 descrições de caça persistente desde o ano 1500. Com descrições diferentes, foram encontrados registos desta estratégia de caça entre, por exemplo, os povos os Evenki – na Sibéria – os Innu – no Canadá – e os Apache – nos EUA. “Ficámos impressionados com o número de casos que encontrámos e com a grande variedade de contextos ecológicos, com exemplos que incluem a tundra canadiana e as montanhas do Havai. Os poucos casos que conhecíamos antes deste trabalho ocorreram em planícies abertas, quentes e tipicamente áridas. Ficámos impressionados com as provas que encontrámos para esses ambientes, mas também com os muitos casos em que estas actividades ocorreram em florestas e habitats cobertos de neve fora dos trópicos” referiu Morin.
A investigação envolveu ainda o recurso a modelos informáticos para demonstrar que, em termos de gasto de energia, correr pode ser mais eficiente do que andar para perseguir os animais. Os resultados mostraram que as perseguições mais rápidas e de resistência podem ter sido, muitas vezes, mais benéficas do que as caçadas lentas.
O estudo refere também que, embora os humanos não tivessem a velocidade de algumas das suas presas, possuíam vantagens físicas na resistência, o que lhes permitia caçar com sucesso. Primeiramente, os humanos possuem mais fibras musculares de contração lenta que outros mamíferos, o que permite que sejam mais eficientes em termos energéticos ao correr longas distâncias. Já outras características, como os tendões de Aquiles, formato dos pés e grandes articulações, facilitam o exercício prolongado. No mesmo sentido, o organismo humano é ainda capaz de evitar o sobreaquecimento, uma vez que o elevado número de glândulas exócrinas presentes na pele, e que permitem a transpiração em grandes quantidades, regulam a temperatura do corpo. Todas estas características possibilitaram que o ser humano se adaptasse a esta estratégia de caça como forma de procurar alimento.
Por fim, as conclusões retiradas sugerem que as condições meteorológicas adversas – como a chuva, a neve e invernos mais rigorosos – não afastaram estas sociedades das atividades de resistência, tão eficazes como outros métodos de captura de animais.
