Heather Dowdy é filha ouvinte de pais surdos, família do sul de Chicago, exemplo dos mais de 90% de adultos surdos que têm filhos com capacidade auditiva normal.
Na mesa-redonda realizada online, esta semana, com presença nacional exclusiva da VISÃO, a diretora de acessibilidade de produtos da Netflix começa a conversa pela sua descrição visual: “Sou uma mulher negra, de pele castanha, com cabelos compridos pelo ombro, e estou a usar um blazer azul e um vestido por baixo.”
Depois de ter aprendido língua gestual americana aos seis meses de idade, toda a sua vida tem sido a ponte entre o mundo silencioso e o mundo com sons. Ser uma observadora na comunidade surda motivou-a para o trabalho que faz na plataforma de streaming, desde 2016.
Especialista em desenvolvimento de tecnologias acessíveis para smartphones, internet e inteligência artificial, em 2022, Heather Dowdy integrou a US Access Board, agência federal para a igualdade de pessoas portadoras de deficiência, por indicação do Presidente Joe Biden.
Em casa, cresceu rodeada de gadgets que ajudavam os pais a estarem ligados com o quotidiano sonoro. “É essa a lente que uso. Aproveitar a tecnologia para ligar as pessoas às histórias e aos jogos que adoram”, explica.
Para cumprir a premissa de que “histórias incríveis devem ser apreciadas por todos”, Heather Dowdy conta com equipas de engenharia e design capazes de incorporar as funções de acessibilidade na experiência de entretenimento inclusivo.
Com 269 milhões de membros, atualmente em 190 países, depois de um aumento de assinantes em 9,3 milhões no primeiro trimestre deste ano, a Netflix está a apostar na acessibilidade e inclusão e ao melhorar as funções para pessoas surdas e cegas, melhora para todos os espectadores.
Muitas das funcionalidades foram incorporadas no serviço desde 2012, ano em que começou a ser assinalado, a 21 de maio, o Dia Mundial da Consciencialização para a Acessibilidade. Mas tem havido melhoramentos.
As audiodescrições (AD) para cegos e as legendas para surdos e pessoas com diversos graus de perda auditiva (SDH, sigla em inglês para subtitles for the d/Deaf and hard of hearing) estão mais apuradas, com possibilidade de personalização e a lista de línguas disponíveis está a crescer. “Em vez de olharmos para as pessoas, olhamos para a tecnologia e como está a ser usada e isso dá-nos os dados sobre o que é preciso melhorar”, analisa Heather Dowdy.
VER COMO UM AUDIOLIVRO
As funções de acessibilidade mais usadas são a compatibilidade dos leitores de ecrã (software que lê o texto em alta voz através de um sintetizador de voz), o controlo de brilho, o tamanho da fonte da letra, o contraste das cores.
Com audiodescrições e dobragens disponíveis em 17 idiomas, incluindo nos trailers de apresentação das produções, fica mais apelativo para os cegos seguirem os programas que mais gostam. A narrativa das audiodescrições está mais concisa e inclui os principais elementos visuais, como ações físicas, expressões faciais, linguagem corporal, roupas usadas, texturas, movimentos, mudanças de cena. Pormenores inseridos durante as pausas do diálogo.
Ao longo da conversa, por diversas vezes, Heather Dowdy destaca que mais de 40% das horas de visualização na Netflix em todo o mundo decorrem com legendas, incluindo SDH. E o número um do ranking para as produções com AD e SDH é o mesmo programa mais visto por quem não usa essas funcionalidades. “Os dados apontam para a inclusão. Os nossos membros com esse tipo de deficiência estão incluídos na audiência dos títulos mais populares e falados em todo o mundo”, sublinha a diretora de acessibilidade de produtos da Netflix.
Se antes, a possibilidade de personalizar as legendas só era possível na Internet, desde março passou a estar também disponível nos televisores; os leitores de ecrã também já são compatíveis nas televisões e não apenas dos telemóveis.
Controlar o brilho da imagem, mudar a velocidade de reprodução, pesquisar os títulos por voz, personalizar as legendas (tamanho da letra, cor, fundo) são outras das acessibilidades disponíveis.
Em 2012, as AD e SDH eram apenas feitas nas produções originais da Netflix e na língua original de produção. Agora, é possível assistir à série britânica Bridgerton, por exemplo, com falas em espanhol, português, francês, coreano, japonês ou turco. Lupin (série francesa), Squid Game (sul coreana) ou Elite (espanhola) podem ser vistas e ouvidas em 17 línguas, muitas com as AD e SDH.
Nem só os cegos e os surdos utilizam estas funcionalidades. Tal como quando se está a ouvir um podcast e a fazer outra atividade, pode-se ouvir as produções da Netflix como se de uma audiolivro se tratasse, com a AD, sem ser preciso estar sentado em frente ao ecrã. Ouvir na língua nativa de cada um também permite desviar o olhar.
Com 1,3 mil milhões de pessoas com deficiência ou incapacidade no mundo (16% da população), segundo a Organização Mundial de Saúde, a categoria “Celebração da deficiência com inclusão” agrupa um conjunto de 42 produções, desde filmes, séries, documentários ou espetáculos em que um personagem ou uma história vive e fala sobre deficiência. Nomeado para o Oscar de Melhor Documentário, Crip Camp: Revolução pela Inclusão (2020, 1h48), produzido pelo casal Obama, mostra como um acampamento de verão se tornou revolucionário para adolescentes com deficiência. Em Rising Phoenix: A História dos Paralímpicos (2020, 1h46) a voz é dada a atletas de elite que analisam e refletem sobre como a sociedade vê a deficiência no desporto de alto rendimento.