Os principais suspeitos da maior rede de tráfico de seres humanos – desmantelada pela Polícia Judiciária, em novembro de 2022 – deverão ser libertados esta terça-feira, 26 de março, apurou a VISÃO. Hoje, segunda-feira, uma juíza de instrução do Juízo de Competência Genérica de Cuba já ordenou a libertação de 10 dos 26 arguidos que estão presos preventivamente. A demora no andamento do processo está na origem da decisão que deverá ser tomada pela magistrada judicial.
A 26 de novembro de 2022, após a operação da Polícia Judiciária, o então juiz de instrução criminal Carlos Alexandre decidiu colocar em prisão preventiva 31 elementos da alegada rede de tráfico de seres humanos. Entretanto, o Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a alteração da medida de coação de cinco dos elementos, que passaram a estar em prisão domiciliária.
Um ano depois, a procuradora Felismina Carvalho Franco do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP) acusou 51 arguidos, 41 pessoas e 10 empresas, por associação criminosa, tráfico de seres humanos e branqueamento de capitais, no âmbito desta investigação relacionada com a exploração de trabalhadores agrícolas
“Resulta da acusação que o grupo, liderado por dois dos arguidos, atuava de forma concertada tendo como objetivo aliciar, transportar e alojar pessoas de várias nacionalidades para território nacional para fins de exploração do trabalho, em explorações agrícolas, dependendo das culturas sazonais, em diversas localidades deste país, atividade que realizaram desde 2020 até serem detidos e presentes a primeiro interrogatório judicial, em novembro de 2022”, adiantou o Ministério Público, em comunicado.
Remetidos os autos para instrução, a acusação de 234 páginas teve de ser traduzida em quatro línguas: moldavo, ucraniano, romeno e indiano. Como o processo estava já classificado como de “especial complexidade”, os arguidos dispuseram, não dos 20, mas sim de 50 dias para requerer a abertura da instrução.
Aberta esta fase, o processo acabaria por ser enviado para o Juízo de Competência Genérica de Cuba, só chegando a este tribunal a 18 de março, como referiu a juíza Helena Bellas. Sendo certo que o prazo máximo de prisão preventiva não parou de contar. Segundo a lei, a prisão preventiva extingue-se ao fim de oito meses, caso tenha sido aberta a instrução e não haja decisão instrutória. Este prazo é alargado para um ano e quatro meses nos processos declarados de “especial complexidade”.
O que acontece neste processo: com a prisão preventiva decretada a 26 de novembro de 2022, o prazo máximo termina, esta terça feira, 26 de março.
Tudo indeferido, defesas protestam
No mesmo despacho em que declarou aberta a instrução, tendo em conta os prazos apertados, a juíza indeferiu praticamente todas as diligências pedidas por algumas defesas para esta fase processual, desde a inquirição de testemunhas a pedidos de informação feitos a operadoras de telecomunicações.
E, de uma assentada, agendou a audição dos vários arguidos que pretenderam prestar declarações entre os dias 22 e 25 de março, anunciando que, logo em seguida, seria realizado o debate instrutório. Ao mesmo tempo, ordenou a tradução do seu despacho num prazo de 24 horas para que todos os arguidos “estrangeiros que não dominem o português” possam estar a par da decisão.
Certo é que ainda esta segunda-feira, decorria o debate instrutório, que deve prosseguir terça-feira, sem que até ao final do dia a juíza tenha proferido uma decisão instrutória. Isto porque vários advogados avançaram com requerimentos, suscitando diversas nulidades por a magistrada judicial estar a “cercear os direitos da defesa”, como explicou à VISÃO o advogado Pedro Pestana, que esta segunda-feira viu a juíza libertar quatro dos seus clientes.
“O Tribunal está a impedir os arguidos de fazer prova da sua inocência. De forma totalmente desleal, a Juíza só está a ponderar as provas produzidas pela Acusação. Muito sinceramente, a Defesa dos arguidos está a ser impedida de trabalhar”, referiu o advogado, acrescentando: “No caso dos meus clientes, eu tenho a convicção de que são inocentes, mas vejo o meu trabalho como advogado ser limitado, pela pressa que a Juíza tem em dar a decisão”.
Foi na sequência deste processo que, em novembro de 2023, a Polícia Judiciária avançou para a “Operação Espelho”, detendo 28 pessoas por suspeitas, igualmente, de crimes ligados ao tráfico de seres humanos no Alentejo, branqueamento de capitais, ofensas à integridade física, fraude fiscal, entre outros.