Se há quem use a Inteligência Artificial (IA) para procurar informações ou maximizar alguma tarefa, há também quem a encare de forma mais emotiva e a use para manter a aparência de uma conexão. Pelo menos, é esse o objetivo da plataforma Project December, uma ferramenta de IA que simula conversar com “qualquer pessoa, até as que já não estão entre nós”.
Quem quiser aceder a esta plataforma, deve preencher um formulário com as informações sobre a pessoa com quem pretende comunicar, tais como a idade, o relacionamento que tinham, se se tratavam por alguma alcunha carinhosa, entre outros traços de personalidade do ente querido. Estes dados, inseridos num chatbot desenvolvido pelo GPT2 da OpenAI, uma versão inicial do modelo que deu origem ao ChatGPT, dão origem a um perfil que simula, então, a pessoa.
A ferramenta está treinada para gerar respostas de texto às interpelações que lhe são feitas de uma maneira semelhante à humana e adaptada às características introduzidas no formulário inicial. Cada hora de conversa com o chatbot tem um custo de 10 doláres, o que equivale a 9.14 euros.
Atualmente, o Project December tem mais de 3 mil utilizadores, muitos dos quais usaram esta ferramenta para simular conversas com pessoas que já morreram. Jason Rohrer, o fundador, conta à Sky News que muitas das pessoas que recorrem a este serviço procuram uma forma de lidar com perdas repentinas. “Querem ter a conversa final com o ente querido que morreu, ainda que seja simulada, para depois seguirem em frente”, revela, apesar de reconhecer que há quem permaneça como cliente: “Alguns continuam a voltar”. Contudo, refuta a ideia de que estas conversas possam tornar-se um vício.
A experiência de Sirine Malas: “Queria uma última oportunidade de falar com ela”
Sirine Malas, que vive em Berlim, na Alemanha, desde 2015, conversou com a Sky News sobre a sua experiência com esta ferramenta de IA. Esta mulher, que fugiu da Síria para a Europa, conta que tinha na mãe, que permaneceu no Médio Oriente, a sua “força orientadora”.
As duas comunicavam frequentemente e Sirine sonhava trazer a mãe, Najah, para a Europa para lhe apresentar o neto, que nasceu após a sua fuga da Síria. Contudo, esse reencontro nunca aconteceu, já que Najah morreu em 2018, aos 82 anos, devido a uma insuficiência renal.
Num luto profundo, Sirine encontrou no Project December uma forma de mitigar a dor. “Queria uma última oportunidade de falar com ela”, admite a mulher, que ficou impressionada com os resultados “assustadores” que obteve através da conversa com o chatbot. “Houve momentos em que achei que tudo era real. Mas também houve momentos em que senti que qualquer pessoa poderia responder daquela forma”.
Nas conversas, o chatbot usava termos comuns no discurso da mãe de Sirine e mostrava preocupação pelo bem-estar e saúde da filha. Esta mulher diz que encontrou nesta ferramenta uma forma de fazer o seu luto, mas admite que precisou de ter cuidado para não se envolver em demasia. “Não recomendo que as pessoas se apeguem muito a uma coisas destas, já que isso pode ser perigoso”, alerta, reconhecendo que estas conversas exploram vulnerabilidades e que podem prejudicar o próprio processo de luto.