Mais de 380 milhões de mulheres e raparigas vivem em situação de pobreza extrema. Mais de 1,2 mil milhões de mulheres e raparigas moram em locais onde o acesso seguro ao aborto é restrito. E doze milhões de raparigas com menos de 18 anos casam-se todos os anos.
Uma mulher ou rapariga é morta por alguém da sua própria família a cada 11 minutos. Há mais mulheres e raparigas deslocadas à força do que nunca. E cerca de 130 milhões de raparigas não frequentam a escola, em todo o mundo.
As mulheres são responsáveis por 512 mil milhões de horas de cuidados infantis não remunerados em todo o mundo. E, em 2021, quase 1 em cada 3 mulheres sofria de insegurança alimentar.
A diferença salarial entre homens e mulheres é de cerca de 20 por cento. Apenas 1 em cada 3 gestores ou supervisores é mulher. E, em julho de 2022, as mulheres ocupavam apenas 26,4% dos assentos parlamentares.
A lista, avançada no último relatório da ONU Mulheres (a agência das Nações Unidas dedicada à igualdade de género), impressiona – mesmo quando a dividimos em quatro parágrafos, para facilitar a leitura. Não admira que o relatório, tornado público em setembro do ano passado, inclua o alerta: “O mundo está a falhar às mulheres e às raparigas.”
Em mais um 8 de março é, por isso, urgente lembrar que o caminho para a igualdade de género tem um progresso demasiado lento. “E está a tornar-se um objetivo cada vez mais distante”, disse, à agência de notícias AFP Sarah Hendriks, diretora-executiva adjunta da ONU Mulheres.
As leis que consagram a igualdade de género (como o pagamento de salário igual a homens e mulheres por trabalho igual), proíbem a discriminação contra as mulheres e garantem a igualdade de direitos são cruciais.
Porém, ao ritmo atual, poderão ser necessários mais 286 anos para eliminar as leis que discriminam as mulheres e as raparigas, alertam as Nações Unidas. O que é assustador, quando se olha para estes números:
POBREZA EXTREMA
Segundo o relatório das Nações Unidas, 1 em cada 10 mulheres e raparigas vive atualmente em situação de pobreza extrema no mundo.
Se as tendências se mantiverem, em 2030 ainda serão mais de 342 milhões a viver com menos de 2,15 dólares por dia (o equivalente hoje a 1,97 cêntimos). E a maioria (220,9 milhões) morará na África Subsariana.
Ou seja, a maior parte dos pobres do mundo é mulher. E isto acontece porque as mulheres não têm tantas oportunidades como os homens de estudar, trabalhar ou possuir bens.
ACESSO AO ABORTO
Mais de 1,2 mil milhões de mulheres e raparigas em idade reprodutiva (15-49 anos) moram em locais onde o acesso seguro ao aborto é restrito. E 102 milhões em locais onde ele é totalmente proibido.
O acesso ao aborto é uma parte central da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, “essencial para a missão de alcançar a igualdade de género e acabar com a pobreza extrema”, lembra-se no relatório.
Estima-se que ocorram 25 milhões de abortos inseguros por ano, resultando na hospitalização de cerca de 7 milhões de mulheres por ano, nos países em desenvolvimento, e em 13,2% das mortes maternas em todo o mundo.
Refira-se ainda que impacto da gravidez indesejada pode impedir as mulheres e as raparigas de continuarem os seus estudos e carreiras, afetando, assim, os seus rendimentos.
CASAMENTO INFANTIL
O casamento infantil é o casamento (formal ou informal) de uma criança com menos de 18 anos. E, na maioria das vezes, é o casamento de uma rapariga com um rapaz ou um homem mais velho,
O relatório lembra que o casamento infantil é exacerbado durante as crises humanitárias (conflitos, pandemias, alterações climáticas) sendo as raparigas das famílias rurais mais pobres aquelas que mais sofrem.
Doze milhões de raparigas com menos de 18 anos casam-se todos os anos. E, em 2021 quase 1 em cada 5 mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 24 anos casou antes dos 18.
Para acabar com o casamento infantil até 2030, o relatório apela a um progresso 17 vezes mais rápido do que na década anterior.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Segundo o relatório, uma mulher ou uma rapariga é morta por alguém da sua própria família a cada 11 minutos.
A nível mundial, mais de 1 em cada 10 mulheres e raparigas com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos foram vítimas de violência sexual e/ou física por parte de um parceiro íntimo em 2021.
Em Portugal, das 22 pessoas assassinadas em 2023, em contexto de violência doméstica, 17 eram mulheres, 2 eram meninas e apenas duas eram homens. De acordo com o relatório divulgado pela Procuradoria-Geral da República, a 28 de novembro, os agressores foram maioritariamente homens (73%) de nacionalidade portuguesa (91%).
DESLOCADAS À FORÇA
O relatório estima que cerca de 44 milhões de mulheres e raparigas foram deslocadas à força até ao final de 2021, devido às alterações climáticas, à guerra, a conflitos ou a violações dos direitos humanos
Nunca houve tantas mulheres e raparigas deslocadas à força, sublinha-se.
Com essa deslocação, as mulheres perdem frequentemente os seus bens, assim como os meios de subsistência e o acesso a cuidados de saúde. Além disso, ficam expostas a riscos acrescidos de violência, tráfico e abuso sexual.
ACESSO À ESCOLA
Um terço das raparigas mais pobres do mundo, entre os 10 e os 18 anos, nunca andou na escola (130 milhões). E, nas zonas rurais, 61% não frequentam o ensino secundário.
Manter as raparigas na escola apoia o crescimento económico, promove a paz e ajuda a combater as alterações climáticas, lembra-se no relatório. “As mulheres que concluem o ensino secundário passam a ter rendimentos mais elevados, uma vez que cada ano adicional de escolaridade aumenta o rendimento de uma rapariga na idade adulta até 20 por cento.”
CUIDADOS NÃO REMUNERADOS
São sobretudo as mulheres e as raparigas que fazem as tarefas domésticas e tomam conta das crianças, o que muitas vezes as afasta do trabalho e da escola.
Em 2020, o encerramento de escolas, pré-escolas e centros de acolhimento de crianças levou a um aumento estimado de 512 mil milhões de horas de cuidados infantis não remunerados para as mulheres em todo o mundo.
“Isto representa mais de 57 000 décadas de trabalho não remunerado”, contabiliza-se no relatório.
Se fosse atribuído um valor monetário ao trabalho não remunerado das mulheres, este representaria mais de 40% do PIB em alguns países, “de acordo com estimativas conservadoras”, frisa-se no relatório.
E, se as tendências atuais se mantiverem, prevê-se que, em 2050, as mulheres continuarão a gastar quase mais 2,5 horas por dia em trabalho de cuidados não remunerado do que os homens, a nível mundial.
INSEGURANÇA ALIMENTAR
As mulheres têm mais insegurança alimentar do que os homens. E essa disparidade de género aumentou de 1,7% em 2019 para mais de 4% em 2021, com 31,9% das mulheres em situação de insegurança alimentar moderada ou grave (ou seja, quase 1 em cada 3 mulheres), em comparação com 27,6% dos homens.
“Este fenómeno é ainda mais acentuado no caso das mulheres idosas e indígenas, das mulheres afro-descendentes, das pessoas com diversidade de género, das pessoas com deficiência e das que vivem em zonas rurais e remotas”, refere o relatório.
DIFERENÇA SALARIAL
As mulheres recebem menos do que os homens. A diferença salarial entre homens e mulheres é de cerca de 20 por cento. Isto significa que as mulheres ganham 80% do que os homens ganham, embora este valor subestime a verdadeira dimensão da desigualdade salarial, especialmente nos países em desenvolvimento onde predomina o trabalho independente informal. As mulheres também sofrem uma penalização salarial pelo facto de serem mães, que aumenta com o número de filhos que a mulher tem.
LUGARES DE CHEFIA
Segundo a ONU, apenas 1 em cada 3 diretores ou supervisores é mulher. E, ao ritmo atual, serão precisos 140 anos até as mulheres atingirem a paridade.
ASSENTOS PARLAMENTARES
Em julho de 2022, as mulheres ocupavam pouco mais de um quarto dos assentos parlamentares, em todo o mundo (26,4%). Em 23 países, elas ocupavam menos de 10 % dos lugares.
O relatório avisa que a situação, tão díspar, não vai mudar em breve – neste campo, só está previsto alcançar a paridade em 2062.
“As mulheres deste país, atualmente, precisam de alguns ícones”, disse Naomi Parker Fraley, a operária que inspirou o cartaz de “Rosie, a rebitadeira”, numa entrevista à revista People, em 2018. “Se elas acham que eu sou um, fico feliz.”
A verdadeira “Rosie”, que morreria pouco depois, aos 96 anos, ainda hoje faz falta – e não apenas às mulheres norte-americanas.