Mário Machado regressa amanhã ao banco dos réus para responder pelos crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, na sequência de insultos publicados, nas redes sociais, em que apelava à violência sexual contra mulheres de esquerda. O processo surge depois de uma queixa apresentada por Renata Cambra, professora e política ligada ao Movimento Alternativa Socialista (MAS).
O caso de Machado remonta ao dia 17 de fevereiro de 2022, quando Mário Machado terá defendido na então rede social Twitter (hoje X) “a prostituição forçada das gajas do Bloco [de esquerda]”. Em resposta, o utilizador Ricardo Pais propôs que se fizesse o mesmo às mulheres “do PCP, MRPP, MAS e PS”. Machado terá prosseguido: “Tudo tipo arrastão”. Por fim, Pais concluiu dizendo que “a Renata Cambra terá tratamento vip“. “Servirão para motivar as tropas, na reconquista”, acrescentou.

Renata Cambra denunciou, na altura, o diálogo, partilhando-o nas suas redes sociais, e anunciou que iria “apresentar uma queixa-crime contra estes dois homens. A vítima chegou a admitir, à VISÃO, que sentiu, a partir do momento em que as mensagens foram publicadas, que “se tornara um alvo”. “Tive de alterar as minhas rotinas, sentia-me ameaçada no meu dia-a-dia”, afirmou.
A acusação do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa concluiu que os arguidos utilizaram as redes sociais para “apodar de prostitutas todas as mulheres dos partidos em causa, em especial Renata Cambra, ofendendo-as não só na qualidade de militantes mas também por pertencerem ao sexo feminino”.
A acusação do Ministério Público (MP) refere que os arguidos sabiam “que, com conotação que faziam das referidas mulheres à prostituição ofendiam, como ofenderam, a honra e consideração de todas as militantes dos referidos partidos e em especial Renata Cambra, por estas serem membros de partidos que perfilham ideologias políticas de esquerda, mas sobretudo, por serem mulheres”.
MP diz que acusados “ofenderam a honra e consideração” das mulheres de esquerda. Ana Gomes e Isabel Moreira testemunham contra Mário Machado
Renata Cambra – que tem como advogado Garcia Pereira, antigo líder do PCTP/MRPP – exige, no âmbito deste processo, uma indemnização “não inferior a 10 mil euros”, montante que já se comprometeu a entregar a três organizações, que, segundo a própria, “cumprem um papel fundamental” na luta contra o crescimento da extrema-direita em Portugal: o “seu” MAS, partido político que alega ser a legítima porta-voz, a Rede 8 de Março e uma outra associação de apoio a pessoas trans imigrantes.
A primeira sessão deste julgamento está agora agendada para amanhã, dia 6. A diplomata Ana Gomes, a deputada Isabel Moreira e a ativista Guadalupe Amaro são testemunhas de Renata Cambra neste processo.
Em comunicado, hoje enviado às redações, Renata Cambra refere que “após os acontecimentos de sábado, dia 3 de fevereiro, com a marcha islamofóbica de Mário Machado, que as forças de segurança protegeram, apesar de esta ter sido proibida em diferentes instâncias por apelar ao ódio e à discriminação e ser, por isso, considerada anti-constitucional, torna-se claro que este líder da extrema-direita procura ativamente promover a perseguição e o medo”. A professora e política “apela à solidariedade da comunidade e da sociedade” para “denunciar publicamente a disseminação do ódio e da violência perpetrada pela extrema-direita contra as mulheres de esquerda, assim como contra pessoas racializadas, migrantes e pessoas LGBTQIA+”.
Machado diz que “não escreveu” no Twitter
A defesa de Mário Machado contesta esta acusação, negando ter sido este o autor das “respostas” naquele diálogo (publicadas através da conta @mariomachado777). “Independentemente de considerar que se trata de uma interpretação ultra-extensiva de duas desgarradas frases (…) o certo é que não foi o arguido que as escreveu”, lê-se na contestação da defesa, a que a VISÃO teve acesso, entregue no tribunal de Lisboa.
Numa primeira reação às notícias que o ligavam à publicação, Machado publicou um direito de resposta na revista Sábado, em que se defendia, afirmando que “a ironia e o humor ainda não são crime em Portugal”, acrescentando que “qualquer português médio (…) que seja intelectualmente honesto consegue perceber o teor sarcástico da publicação”.
À VISÃO, o advogado do arguido, José Manuel Castro, considera agora que “em parte alguma do processo essa autoria [das mensagens] está minimamente demonstrada”. O causídico considera, por isso, que a acusação “nada vale”. “A acusação é baseada num amontoado de processos que foram trazidos para estes autos, mas sem qualquer relevância para a prova da prática do crime pelo qual o arguido vem acusado. E não pode provar, porque o arguido não é o autor das frases que lhe são imputadas”, diz.