Ao contrário daquilo que se passa na maioria dos restantes países europeus, são muito poucos os portugueses a identificar a imigração como a principal questão que o País enfrenta, sublinha-se no Observatório das Migrações. Embora a percentagem tenha vindo a aumentar a partir de 2022, apenas 5% tem a perceção de que a imigração é uma questão nacional (dados da primavera deste ano).
Segundo os inquiridos, muito mais prementes são: o aumento dos preços, a inflação e o custo de vida (48%); as questões de saúde (39%); a situação económica (22%); e a habitação (16%).
Sabe-se que a definição e a identificação das perceções podem envolver alguma subjetividade. Num inquérito, quem nunca respondeu aquilo que sentiu que deveria responder e não aquilo que pensa efetivamente?
Também se sabe que as perceções não são estáveis ao longo do tempo e que a falta de informação contribui para alimentar mitos e estereótipos errados, influenciando-as negativamente.
É, por isso, crucial confrontar as perceções perante a imigração com a realidade efetiva dos números, lembra-se no relatório estatístico anual que o Observatório das Migrações disponibilizou agora, a tempo do Dia Internacional dos Migrantes. Sobretudo, acrescentamos nós, num momento em que Portugal regista o valor inédito de estrangeiros residentes no País – 800 mil, o dobro de há dez anos.
“Os títulos que mais cresceram desde o início da presente década foram as autorizações de residência para atividade profissional subordinada (de 7 501 em 2011 passou-se para 72 506 em 2022, +16,6% no último ano)”, sublinha a diretora do Observatório, Catarina Reis Oliveira, responsável pela análise de mais de trezentos indicadores de integração de imigrantes.
Seguem-se as autorizações de residência para atividade independente (eram 174 em 2011, passaram a ser 12 732 em 2022), as autorizações para atividade altamente qualificada (de 334 em 2011 para 4 237 em 2022, +141% face ao ano anterior), as autorizações de residência para investimento (de 0 em 2011 para 3 956 em 2022, -13,5% face ao ano anterior) e as autorizações de residência por reagrupamento familiar (de 11 811 em 2017 passaram a 42 241 em 2022, +16,4% face ao ano anterior).
Para muitos portugueses, a vertente da inserção laboral é uma das mais importantes deste relatório. Afinal, quase metade (48%, recorde-se) identifica o aumento dos preços, a inflação e o custo de vida como a principal questão que o País enfrenta.
Independentemente da perceção que possam ter e do meio em que se movem, com este relatório estatístico ficam a saber que os imigrantes assumem um papel “fundamental” na eficiência dos mercados de trabalho, sendo claro, escreve Catarina Reis Oliveira, que “sem os imigrantes alguns setores económicos e atividades entrariam em colapso”.
Em Portugal, os estrangeiros têm taxas de atividade muito superiores aos nacionais – 76,9% em 2022. Relembre-se que a taxa de atividade é a percentagem da população ativa (população empregada e desempregada com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos) por cada 100 indivíduos da população total.
Ainda segundo o relatório, a maioria dos trabalhadores estrangeiros encontra-se associada a atividades económicas de alojamento, restauração e similares (15,8% dos trabalhadores estrangeiros em 2021, representando nesse ano +9 pontos percentuais do que o observado nos trabalhadores portugueses) e atividades económicas administrativas e dos serviços de apoio (22,2% em 2021, representando +14pp do que o observado nos portugueses).
“A inserção dos estrangeiros no mercado de trabalho português continua a não refletir necessariamente as suas qualificações”, sublinha ainda a diretora do Observatório das Migrações, “verificando-se que os trabalhadores estrangeiros, por comparação aos trabalhadores portugueses, têm uma percentagem maior de trabalhadores que não usam as suas habilitações nas funções que exercem no mercado de trabalho português: em 2021, menos de metade dos trabalhadores estrangeiros (40,8%, representando -16pp do que os nacionais).”
Independentemente das suas qualificações, os números demonstram que os estrangeiros residentes em Portugal têm um papel importante para contrabalançar as contas do sistema de segurança social, “contribuindo para um relativo alívio do sistema e para a sua sustentabilidade”, analisa Catarina Reis Oliveira.
Os estrangeiros têm 87 contribuintes por cada 100 residentes, enquanto os portugueses têm apenas 48. Por outro lado, os estrangeiros têm 38 beneficiários de prestações sociais por cada 100 contribuintes, enquanto para o total de residentes a relação é de 79 beneficiários por cada 100 contribuintes.
Resultado: em 2022, os estrangeiros foram responsáveis por um saldo positivo de 1604,2 milhões de euros da segurança social.
“Atendendo à grande pressão com que se confronta o sistema de segurança social português face aos efeitos do envelhecimento demográfico que induzem a um saldo financeiro para o total da população com valores negativos e com tendência a agravar-se, os contributos da imigração e dos estrangeiros residentes para as contas da segurança social são particularmente importantes”, realça a mesma responsável.
“A continuação dos valores positivos dos saldos financeiros do sistema de segurança social português com estrangeiros reforça também a conclusão de que a imigração em Portugal é essencialmente laboral e ativa, contrariando o argumento defendido em alguns países europeus de que a imigração tem eminentemente objetivos de maximizar apoios públicos e, assim, desgastar as contas públicas das sociedades de acolhimento”, sublinha.
“Nota-se, assim, que os imigrantes economicamente produtivos e, inerentemente, contributivos, serão cada vez mais necessários para conduzir à sustentabilidade do sistema de segurança social português.”