Em 2020, nasceram 13,4 milhões de bebés prematuros, ou seja, antes das 37 semanas de gestação, em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aquilo que esta organização considera uma “emergência silenciosa”.
Apesar da diminuição da natalidade, a taxa de prematuridade tem-se mantido mais ou menos constante ao longo dos anos e é considerada um grave problema de saúde pública, diz à VISÃO Rosalina Barroso, Diretora do Serviço de Neonatologia do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, na Amadora, Lisboa.
“A maior parte dos nascimentos prematuros são de causa desconhecida e espontânea, ou podem dever-se a infeções e complicações da gravidez, que culminam no nascimento do bebé antes das 37 semanas”, diz a especialista.
Contudo, existem vários fatores de risco associados à prematuridade, esclarece Rosalina Barroso, tais como a obesidade, o consumo de tabaco ou de outras substâncias tóxicas, a hipertensão, haver uma gravidez gemelar, a procriação medicamente assistida, haver um trabalho materno que exija grandes esforços físicos, ou a idade da mãe (inferior a 18 anos ou superior a 40), por exemplo.
A nível mundial, a taxa de prematuridade varia entre os 4 e os 16% e Portugal está a meio dessa tabela, sendo que a taxa antes da pandemia de Covid 19 era de 8% (7000 bebés por ano), durante a pandemia ficou em 6,5% e houve um ligeiro aumento pós-pandémico. No entanto, a taxa de prematuridade abaixo das 32 semanas de idade gestacional tem-se mantido constante em cerca de 1%, sendo estes os bebés de maior risco de morbimortalidade.
Um processo “doloroso e violento” para os pais
“Quando nasce um bebé prematuro, nascem também uma mãe e um pai prematuramente”, afirma Rosalina Barroso. “Não encontro melhor expressão do que aquela que um dia ouvi no hospital onde trabalho, sobre a experiência pessoal de uns pais de um prematuro: “ter um bebé prematuro é como sair da carruagem de um comboio em andamento”, acrescenta.
A médica diz ainda que este é “um processo muito doloroso e violento” para os pais. “Com um parto prematuro, nada vai correr como o previsto e idealizado. Vive-se necessariamente um luto pela “perda” do “bebé sonhado”. Há a separação do bebé da mãe e do pai, a impotência no cuidado daquele bebé muito frágil, ligado a máquinas e sondas, e com um aspeto muito diferente do recém-nascido das revistas. E isto cria inevitavelmente nos pais sentimentos de tristeza e culpabilização”, explica Rosalina Barroso.
Dependendo da idade gestacional com que estes bebés nascem, podem caber na palma de uma mão e ter um peso inferior a um quilo. E isto, que para os profissionais é uma situação comum, para os pais é “um choque com aquela que será a sua realidade durante os próximos longos meses”.
A especialista defende, por isso, que os cuidados prestados em Neonatologia devem ser sempre centrados na família. “Os pais têm de fazer parte integrante da equipa multidisciplinar de cuidados prestados ao prematuro. Todos juntos enfrentamos os primeiros dias determinantes da prematuridade, sabendo que é uma batalha longa”, refere.
Além disso, é essencial possibilitar “o contacto pele a pele entre prematuros e pais” e realizar “a nutrição precoce com leite materno”, ao mesmo tempo que há uma preocupação com a não separação do recém-nascido com os pais. Neste caso, o “método canguru”, que consiste no contacto precoce, pele a pele, prolongado e o mais contínuo possível, entre a mãe, o pai e o recém-nascido, é muito relevante, já que permite um maior envolvimento no cuidado do bebé.
“A possibilidade de permanência dos pais durante 24 horas, e a participação destes nos cuidados dos prematuros na Unidade de Neonatologia, incluindo na Unidade de Cuidados Intensivos, é extremamente benéfica para a criança e para a família e é, por isso, sempre incentivada”, refere Rosalina Barroso.
O apoio psicológico também deve ser sempre oferecido aos pais de prematuros em Portugal, diz a médica, promovendo o contacto com grupos de pais que passaram pela mesma experiência e o envolvimento da família e dos amigos como meio de ajuda aos pais.
Portugal como exemplo
O País apresenta bons indicadores em relação às taxas de mortalidade materna e infantil, “sendo um exemplo citado a nível mundial”. Em relação à mortalidade infantil, o número de óbitos por 1000 nascimentos era, em 1990, de 10,9; já em 2018, o número era muito mais baixo, de 3,3.
E, apesar de a prematuridade a nível mundial ser a principal causa de mortalidade infantil, a sobrevivência de recém-nascidos prematuros em Portugal é de 98,5 por cento. Já relativamente aos recém-nascidos prematuros com peso inferior a 1500 gramas no momento do nascimento, a taxa de sobrevivência é ligeiramente superior a 90 por cento.
Os nascimentos prematuros estão, em Portugal, essencialmente associados à idade, a doenças maternas, a gravidezes múltiplas e a doenças infecciosas, mas as causas são, maioritariamente, desconhecidas, explica a médica, acrescentando que “o conhecimento dos fatores de risco é extremamente importante já que alguns casos podem ser prevenidos”, o que permite vir a diminuir o número de partos prematuros.
O avanço da tecnologia, a regionalização dos cuidados obstétricos e neonatais e as transferências in utero no pré-parto, de modo a que os grandes prematuros nasçam em Unidades diferenciadas e preparadas com as técnicas mais avançadas, permitiram criar ganhos significativos em saúde, nomeadamente no que diz respeito à mortalidade materna e neonatal em Portugal, diz Rosalina Barroso.
A tecnologia em cuidados intensivos neonatais é, segundo a médica, de extrema importância. “Atualmente, a monitorização contínua, cada vez menos invasiva, permite prever e antecipar algumas sequelas”, afirma Rosalina Barroso, que fala ainda da importância de dispositivos como os ventiladores (invasivos e não invasivos), que dispõem de maior monitorização e registo de parâmetros, a oximetria de pulso e oximetria regional cerebral e a ecografia cerebral, cardíaca e pulmonar.
Ao lado da tecnologia, “em Portugal, as equipas de neonatologia são altamente diferenciadas, compostas por médicos pediatras com subespecialidade em neonatologia, enfermeiros especialistas, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, oftalmologistas, cardiologistas e otorrinolaringologistas”, diz a especialista, o que “tem permitido resultados significativos na área neonatal”.
O que ainda falta fazer e o possível futuro
Atualmente, os cuidados em neonatologia são centrados na família, sendo a maior parte das unidades de Neonatologia em Portugal em open space, o que não comtempla de modo algum a não separação da família, esclarece a médica.
“Teremos de fazer o caminho, à semelhança da Europa, de modificar a estrutura das unidades, de modo a contemplar quartos familiares. Este processo é extremamente duro e traumático e deve ser nossa prioridade amenizá-lo”, afirma a especialista.
“Neste momento, a nível mundial, já se salvam bebés com idade gestacional inferior a 22 semanas – algo que há muito pouco tempo seria impossível e considerado um aborto. Qual é o limite?”, reflete ainda Rosalina Barroso. “Caminhamos provavelmente para a exterogestação, através de úteros artificiais, com a monitorização, através de tecnologia ultra-avançada e com recurso à inteligência artificial”, remata.