“Só custa começar, depois, é sempre a andar.” A afirmação costuma andar na boca de quem pratica atividade física, quer tenha começado cedo ou tardiamente. Porém, se a meta é prevenir maleitas e andar por cá mais uns tempos em boa forma, mais vale tarde que nunca. E a ‘receita’ que garante essa meta, onde está? Uma meta-análise divulgada no Jornal do Colégio Americano de Cardiologia, em outubro, sugere que o número ideal de passos diários capaz de reduzir significativamente o risco de morte prematura se situa nos oito mil e, no caso do risco de morte por doença cardiovascular, será de sete mil, o equivalente a percorrer uma distância de seis quilómetros, ou um pouco menos – e fazê-lo sobre rodas não conta!
Dos 12 estudos analisados, que envolveram mais de 111 mil pessoas, verificou-se que os ganhos na redução de riscos começam a partir dos 2600 passos diários para o risco de mortalidade por todas as causas ou dos 2800 se considerarmos a redução do risco de morte por incidentes cardiovasculares. Cada acréscimo de mil passos – dez minutos de caminhada, em média – representa uma mais-valia para a saúde. Porém, qual a dose certa?
A equipa de investigadores concluiu que os valores ótimos para a redução progressiva de ambos os riscos se situava nos 8.800 e nos 7.200 passos diários, respetivamente. Esta revisão de trabalhos, liderada pela Universidade de Granada, em Espanha, revelou que a cadência também conta: quanto mais depressa, melhor.
Quem tem razão? Nem 8 nem 80
Esta é a primeira vez que um estudo internacional avança um número ideal de passos, com base em evidências científicas. Em termos de métricas, este número de passos equivale a caminhar pouco mais de 6,4 quilómetros por dia. Ou um pouco menos, se a meta for proteger o sistema cardiovascular de incidentes fatais: sete mil passos diários são suficientes, e não 10 mil, como se supunha, e que tendem a desmotivar os mais resistentes.
Um estudo divulgado em agosto, no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva, tinha sugerido que andar, em média, quatro mil passos diários era a dose certa para baixar o risco de falecer precocemente por qualquer causa, ou 2300, considerando a redução desses riscos no plano cardiovascular. Importa acrescentar que os ganhos eram reais, mas quando comparados com os indicadores de pessoas sedentárias. Diante da disparidade de dados, qual a bitola a adotar?
“Todos os estudos têm razão, pois reforçam a necessidade de cumprir uma meta padronizada e exequível para qualquer pessoa”, esclarece Filipe Rodrigues, doutorado em Ciências do Desporto e professor na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria.
Ora, isto quer dizer que é indiferente colocar a fasquia nos sete mil ou nos nove mil passos diários, por exemplo? A resposta está menos nos valores exatos e mais na flexibilidade: “Um acréscimo de mil passos pode reduzir em 15% todas as causas de morte prematura; um aumento de 500 pode reduzir em 7% o risco de doença cardiovascular e, portanto, de morte prematura, de acordo com as evidências científicas mais recentes.”
O que é exequível, afinal, para o cidadão comum? O especialista sublinha que o recurso aos valores médios é preferível, na medida em que pode diminuir a pressão interna associada ao cumprimento de metas. Assim, uma caminhada 60 minutos num sábado a uma velocidade entre cinco e seis quilómetros por hora pode equivaler a oito mil passos, mas quantificando os que se der ao longo de um dia da semana pode totalizar sete mil. “O foco deve ser, sempre, fazer o máximo de passos diariamente, de forma ativa”, seja optar pelas escadas em vez do elevador, ir a pé à mercearia e esquecer o carro ou caminhar enquanto está ao telefone.
Portugal sentado, ou nem por isso?
Mais fácil dizer do que fazer, como atestam os resultados do Eurobarómetro publicado pela Comissão Europeia, dedicado ao desporto e atividade física, em 2022. Nunca estar ativo é uma realidade para 45% da amostra europeia, e mais de metade dos inquiridos (em oito países) disseram nunca fazer exercício nem ter nenhum desporto, com Portugal a liderar o pelotão (73%), seguido da Grécia (68%) e da Polónia (65%). Na amostra portuguesa, com 1006 inquiridos, apurou-se que, num dia normal, quase metade da população (47%) passa entre duas a cinco horas sentada (mais 4% do que a média europeia).
O inquérito mostrou ainda que a falta de motivação ou de interesse são os inimigos da atividade física. Quem investe na prática fá-lo para melhorar a saúde, aumentar os níveis de aptidão física e relaxar. Cerca de 60% investe uma hora, ou menos, de atividade física moderada, e 17% dedica-lhe entre 61 a 120 minutos. Porém, um estudo da Faculdade de Motricidade Humana (FMH), divulgado este ano, concluiu que 72% dos adultos portugueses praticam atividade física moderada e dedicam-lhe, pelo menos, 150 minutos semanais, como recomenda a OMS (desde 2020).
Dar 8 mil passos por dia equivale a percorrer cinco a seis quilómetros durante uma hora
Também aqui há divergências que deixam confuso qualquer um. A diferença está no método e na compreensão do que se pede. “O estudo da FMH foi feito com recurso a acelerómetros, enquanto o relatório do Eurobarómetro foi realizado através de questionários via telefone”, nota Filipe Rodrigues, lembrando que é preciso considerar a forma como os inquiridos interpretam as perguntas (atividade física e desporto não são sinónimos, por exemplo) e o viés do auto-relato (nos questionários). As métricas devem ser levadas em conta, sim, mas não de forma cega e absoluta.
Dar mais uso às pernas
Numa perspetiva comportamental, é sabido que nós, humanos, valorizamos o que achamos divertido ou dá prazer. No plano fisiológico, a atividade física promove a libertação de neurotransmissores cerebrais e funciona como um antidepressivo natural e, segundo o psiquiatra francês David Servan-Schreiber, há mais de uma década, vinte minutos diários de atividade física eram suficientes para por fim a tensões acumuladas, tonificar os músculos e melhorar o nível de oxigenação do organismo. Contudo, reduzir o risco de morte prematura implica um pouco mais do que isso.
Para o investigador, a questão resolve-se facilmente: basta pensar nas coisas que nos satisfazem e transferir a sensação de desfrute para a atividade física. “Quando se trata de pessoas que nunca fizeram exercício, não sabem por onde começar ou do que gostam de fazer, as entidades promotoras de saúde devem apresentar opções e deixar que cada um as experimente até encontrar aquela que prefere”, adianta. Para uns, pode ser andar de bicicleta, para outros, fazer uma aula de Pilates, mas também poderá ser “a prática de um desporto num clube regional, ou simplesmente, fazer uma caminhada”.
Quanto à fórmula para ter um coração em forma e uma vida mais longa, há diferenças a considerar, como a variabilidade na amplitude de passos: “Nos mais velhos, seis a dez mil passos podem contribuir para reduzir o risco em 42,3%, mas nos jovens e adultos, entre sete e 13 mil passos terá impacto na redução de risco em 48,7%, à luz dos resultados da investigação publicada no Jornal Europeu de Cardiologia Preventiva.”
Já o passo acelerado, ou o aumento do grau de dificuldade, que é motivador para quem tem a intenção de evoluir no desempenho – e note-se que há cada vez mais gadgets e apps que quantificam parâmetros de atividade física e desportiva – pode ser uma opção interessante, mas, do ponto de vista da promoção da saúde, a quantidade prevalece face à intensidade: “Se não houver contra-indicações clínicas, quanto mais caminhar, melhor.”
3 DICAS PARA SE FAZER AO CAMINHO E PROMOVER A SAÚDE
Todos os passos contam e… nunca são demais
Usar as escadas, em vez do elevador. Deslocar-se de um lado para o outro enquanto mantém uma conversa telefónica. Estacionar o carro um pouco mais longe do destino e caminhar até lá. Ir às compras a pé. Expandir o percurso pedestre quando leva o cão à rua.
Descubra aquilo que lhe dá prazer
Trocar o sofá, o assento do carro ou a cadeira da esplanada por movimento é mais fácil se trouxer satisfação. Antes de inscrever-se numa plataforma online, clube ou ginásio, use as promoções (aulas grátis ou avulsas) e faça experiências (passeios, gratuitos ou pagos).
Opte pelo registo que for melhor para si
Se gosta de controlar o processo, o pedómetro (ou o contador de passos do telemóvel) é uma boa opção. Se prefere ter companhia, as aulas (fitness, dança, artes marciais, etc) ou atividades (caminhadas, bike, bricolage, etc) em grupo são a escolha acertada.