Antes de avançar para o estudo Riscos Climáticos e a Saúde dos Portugueses: futuro(s) por imaginar, do Projeto Saúdes da Médis, que teve a duração de nove meses, a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Luísa Schmidt, tentou perceber quais eram os principais impactos das alterações climáticas na saúde dos seres humanos, junto de especialistas. Só depois partiu para o inquérito online à população, para apreender qual a perceção dos portugueses em relação aos problemas ambientais.
Dessa auscultação aos entendidos, saíram cinco grandes áreas de risco diretamente relacionadas com doenças e mal estar da população mundial. As mesmas que já foram identificadas pelo conselho português para a saúde e ambiente, criado no final do ano passado, pelo médico Luís Campos. Cada um destes riscos foi descrito, caracterizado e quantificado por especialistas, quanto ao seu impacto, atual e futuro, na saúde dos portugueses, numa publicação produzido a propósito do estudo.
- Dos inquiridos, 96% considera que já tem ou virá a ter problemas de saúde decorrentes dos riscos ambientais;
- Quase 60% dos participantes no estudo acredita que as alterações climáticas já estão a ter um impacto negativo na qualidade de vida dos portugueses;
- 64% crê que a sua saúde está a sofrer com o impacto dos riscos ambientais e mais de 30% acredita que este impacto será claro no futuro;
- Mais de 50% dos portugueses já sentiu o impacto das alterações climáticas na sua saúde ou na saúde de pessoas próximas;
- No ano passado, as ondas de calor mataram 2 200 Pessoas em Portugal, e mais 61 mil por toda a Europa;
- 2 600 portugueses morreram prematuramente devido à poluição atmosférica, que vitimou mais de 238 mil pessoas no espaço comunitário;
- Julho de 2023 foi o quinto mês mais seco dos últimos 20 anos.
1 – As temperaturas extremas ou ondas de calor são cada vez mais comuns em intensidade e periodicidade. Isto afeta-nos ainda mais por sermos o quinto pior país da União Europeia em termos de eficiência energética, o que quer dizer que temos uma enorme “incapacidade de aquecer as nossas casas”, explica a coordenadora do estudo Luísa Schmidt. O impacto em termos de doenças respiratórios e cardiovasculares é direto. Ana Horta, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa explica, na publicação que “as ondas de calor estão associadas a aumentos no número de mortes e no número de pessoas com problemas de saúde. Na Europa, estão na origem do maior número de mortes relacionadas com extremos climatológicos”.
2 – A poluição do ar, um mal que afeta todos os países industrializados, potencia os casos de asma e doenças respiratórias em geral, mas Susana Viegas, professora do departamento de Saúde Ocupacional e Ambiental e investigadora em Saúde Pública, caracteriza e quantifica este risco, quanto ao seu impacto, atual e futuro, na saúde dos portugueses e dos europeus. “Segundo a Agência Europeia do Ambiente, a qualidade do ar na Europa tem vindo a melhorar. No entanto, à data, a poluição atmosférica continua a ser o maior risco ambiental para a saúde na Europa, e a exposição a concentrações de poluentes atmosféricos mantém-se muito acima das orientações da OMS. Ao risco do aumento das temperaturas (que potenciam a formação do ozono troposférico e ao aumento dos sintomas respiratórios), soma-se o dos incêndios, que contribuem para o aumento de partículas e outros poluentes no ar, e o das tempestades de areia, que também pioram a qualidade do ar e têm efeitos negativos na saúde da população.”
3 – A poluição e escassez da água, que passará a ser cada vez mais frequente, provoca distúrbios gastro-intestinais e problemas de pele. Não se pense que o nosso País está a salvo desta realidade. Como escreve Carla Viegas, do Instituto Politécnico de Lisboa, “em Portugal, não existe neste século a mesma água disponível que existia em meados do século passado, tendo havido uma redução de cerca de 20%. O índice de escassez agravou-se em todas as bacias, fruto da diminuição das disponibilidades, mas também do aumento do consumo.”
4 – Por outro lado, as doenças infecciosas transmitidas por insetos têm vindo a aumentar em países em que normalmente não sofriam desse mal. Em Portugal, já há até uma rede de monitorização para detetar os que estão a chegar ao País. Sofia Núncio, coordenadora da Unidade de Resposta a Emergências e Biopreparação do Instituto Ricardo Jorge, alerta: “As DTVs [doenças transmitidas por vetores] podem apresentar-se como doenças agudas – que podem variar desde apresentações assintomáticas ou ligeiras a doenças graves, com risco de vida -, ou doenças crónicas, com possibilidade de incapacidade permanente. Estas doenças afetam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, sendo responsáveis por morbilidade, incapacidade a longo prazo e estigma, com os problemas de saúde mental associados, bem como mortalidade considerável.”
5 – Por falar em saúde mental, este é o quinto risco identificado pelos especialistas. E a ecoansiedade é apenas a face mais visível desta ligação. Osvaldo Santos, do Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, dá outro exemplo: “O calor a mais também aumenta a exposição a poluentes do ar (tendem a concentrar-se mais baixo, na atmosfera, sendo mais facilmente inalados pelas pessoas); por outro lado, o calor altera o fluxo sanguíneo, afetando a capacidade cognitiva e, muito em particular, a capacidade de tomada de decisão refletida, como planeamento a médio ou longo prazo.”
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as alterações climáticas são “a maior ameaça à saúde que a humanidade enfrenta”. E o ano de 2023 foi mais uma vez exemplo vivo das transformações climáticas a nível nacional e internacional.
“A população portuguesa tem consciência dos riscos climáticos. Apenas 1% considera que as alterações climáticas não têm, nem vão ter impacto na qualidade de vida. Na sua maioria, os cidadão conseguem estabelecer a relação entre riscos de saúde e alguns mais informados ou próximos de riscos ambientais conseguem concretizar muitos dos problemas de saúde que se antecipam”, lê-se na publicação. No entanto, esse reconhecimento não é sinónimo de compreensão ou da perceção da extensão do problema.
Tal como afirma Maria do Carmo Silveira, responsável de orquestração estratégica do ecossistema de saúde do grupo Ageas Portugal, que patrocinou a investigação, “este estudo não é um ponto de chegada mas um ponto de partida para uma maior ação de todos: governo, instituições públicas, entidades privadas, áreas da saúde, do ambiente e da ciência. Todos somos precisos para que o cidadão comum passe da perceção ao conhecimento, capaz de gerar ação e transformação”.