Adorada por muitos como a “princesa da pop”, escrutinada pelos media, caída em desgraça e a tentar renascer das cinzas, Britney Spears é um nome incontornável no panorama musical moderno, mas também é uma figura rodeada de polémicas que agora conta, pela primeira vez a sua história através da biografia “A Mulher Que Há em Mim”.
Aos 41, a cantora recorda os momentos mais marcantes da sua vida, da infância à atualidade, das paixões aos desgostos, do início da carreira à libertação da tutela do pai.
Um livro muito aguardado pelos fãs e curiosos, que querem ouvir a voz da artista que durante tanto tempo foi silenciada. Veja algumas das revelações mais surpreendentes da biografia de Britney Spears em seguida.
A Mulher Que Há em Mim (Arena), de Britney Spears, está disponível desde dia 24 de outubro.
Crescer numa família disfuncional
Nasceu e cresceu em Kentwood, no Luisiana, sul dos EUA. Filha de Jamie Spears e Lynne Spears, retrata o casamento dos pais como disfuncional. Sobre o pai, a cantora destaca a falta de afeto. “O meu pai era imprudente, frio e mau comigo […] Era violento para com a minha mãe, mas era mais de se embriagar e desaparecer dias a fio”. Ao falar da mãe, deixa entender que a relação também nunca foi a melhor. “A minha mãe sempre me fez sentir má ou culpada de qualquer coisa, apesar de eu me esforçar tanto por ser boa”.
A instabilidade familiar levou Britney a focar-se no canto e dança e a procurar formas de chamar a atenção de todos. Em criança, não perdia oportunidade para mostrar uma nova coreografia ou canção, em adolescente refugiava-se nos amigos e nas paixões que ia tendo. Contudo, o talento para o mundo artístico era evidente para todos e os pais fizeram de tudo para que tivesse sucesso. Em retribuição, Britney pagou dívidas e comprou-lhes uma casa quando alcançou o estrelato. Porém, a cantora alega que os pais não se sentiram agradecidos, mas sim mais sedentos do que poderiam conquistar através da carreira da filha. Os exemplos de casa não lhe traziam consolo, então Britney procurou estabilidade fora. “A família do Justin [Timberlake] tinha sido a única família carinhosa e acolhedora que eu tinha tido”
A relação com Justin Timberlake – do encanto ao aborto
Britney Spears conheceu Justin Timberlake no Mickey Mouse Club, programa de televisão infantil no qual ambos trabalharam entre 1993 e 1995. Ficaram amigos e, mais tarde, apaixonaram-se. Tornaram-se um casal muito mediático dada a popularidade da carreira da artista e também a do cantor, que integrava o grupo NSYNC.
“Houve algumas vezes na nossa relação em que soube que o Justin me tinha traído”, admite a cantora ao mesmo tempo que confessa que preferiu ignorar as situações por estar “obcecada” pelo então namorado. Contudo, confessa que a certa altura também ela foi infiel ao envolver-se com o coreógrafo e bailarino Wade Robson numa noite. “Fui fiel ao Justin durante anos, só tinha olhos para ele, com aquela única exceção, que lhe confessei”.
É ao falar de Justin Timberlake que Britney faz uma das revelações mais inesperadas da biografia. Conta que engravidou do cantor e que abortou. “O Justin não ficou nada feliz com a gravidez”, escreve, dizendo que o então namorado acreditava que os dois eram demasiado novos para se tornarem pais. Britney acedeu em colocar um ponto final na gestação, alegadamente para agradar ao cantor. “Não sei se foi a decisão certa. Se a decisão fosse só minha, nunca o teria feito. Mas o Justin tinha a certeza de que não queria ser pai”.
Devido ao mediatismo de ambos, o aborto foi feito em casa, com recurso a comprimidos, e Britney garante que não teve assistência de nenhum especialista em saúde. A cantora recorda que as dores que sentiu, e que demoraram horas, foram “das mais dolorosas” que sentiu em toda a sua vida. “Passados 20 anos, lembro-me bem das dores e do medo”.
A relação entre Britney Spears e Justin Timberlake durou entre 1999 e 2002, chegando ao fim através de uma SMS enviada pelo cantor. “Quase não consegui falar durante meses”, admite a cantora, que diz ter ficado “destroçada” pelo fim do namoro.
De menina ingénua amada a mulher “traidora”
Ainda a recuperar do fim do namoro com Justin Timberlake, Britney sofre um golpe que altera a imagem que o público tinha de si. Em 2002, o cantor lança o seu primeiro álbum a solo, “Justified”, com o sucesso “Cry Me a River”. A letra fala de uma traição que terá sofrido e o videoclipe apresenta uma mulher com características físicas semelhantes às de Britney. O público fez a rápida associação de que este era um ataque do cantor à ex-namorada.
Britney Spears reconhece na biografia que passou a ser descrita como “mentirosa”, “rameira traidora”, a ser vaiada em locais públicos e a receber críticas na imprensa por ter desiludido fãs adolescentes. É que Britney era apresentada pelos seus agentes e gestores de imagem como uma mulher “pura”, algo que se revelava o oposto do que Timberlake agora “desvendava”. Contudo, não ficou incomodada por se ter tornado conhecido de que era sexualmente ativa, mas sim pelas reações e pela forma como se sentiu desprotegida.
“Hollywood sempre se mostrou mais tolerante com os homens do que com as mulheres. E deu para ver como os homens eram encorajados a dizerem as piores coisas das mulheres para se tornarem famosos e poderosos. Mas fiquei desfeita”.
Se antes Britney era uma figura apetecível para a imprensa pelo seu lado mais juvenil e pelo talento, passa então a ver o seu nome associado a conteúdos menos agradáveis. “As notícias eram muitas vezes ilustradas com fotografias minhas, muito pouco lisonjeiras, tiradas quando eu menos esperava”. E estas imagens valiam muito dinheiro, por isso fotografar Britney em momentos menos bons tornou-se algo muito apelativo para os paparazzi.
Em queda livre
Em 2003 acontece o que Britney descreve como o seu “ponto de rutura”. A cantora viu-se obrigada a dar uma entrevista a Diane Sawyer na qual se sentiu “humilhada” pelas questões feitas e para as quais não estava preparada. Numa situação já frágil, acabou por quebrar. “Senti algo escuro a tomar conta do meu corpo”.
Tentou encontrar consolo na digressão desse ano, mas isso revelou-se ainda mais esgotante. O refúgio surgiu em Kevin Federline, por quem se apaixonou e casou em setembro de 2004. A cantora conta que o bailarino e aspirante a rapper era o seu porto seguro e a pessoa com quem queria constituir a família com que sonhava. O primeiro filho do casal, Sean Preston, nasceu em setembro de 2005, e o segundo Jayden James, em setembro de 2006. Em novembro desse mesmo ano o casal divorciou-se. Britney alega que Kevin estava focado em lançar-se como artista, deslumbrado com a fama e sem interesse em estar com a família. “Eu costumava confiar nas pessoas, porém, depois da minha separação do Justin e do meu divórcio, nunca mais consegui confiar em ninguém”.
Reconhece hoje que sofreu de depressão pós-parto e que essa situação se intensificou com a imprensa a criticá-la enquanto mãe e quando o ex-marido lhe retirou os filhos, um com 17 meses e outro com 5, durante semanas. Desesperada, foi a casa de Kevin Federline e implorou para estar com os meninos, mas sem sucesso, o que a deixou furiosa e a levou a rapar o próprio cabelo. “Ninguém percebia que eu estava pura e simplesmente fora de mim com o desgosto”. Voltou a ir mais vezes a casa do ex-marido para pedir para ver os filhos e era perseguida por paparazzi que a incomodavam e assediavam com perguntas incómodas.
A pedido dos pais, aceitou ir para a reabilitação, apesar de negar vício de drogas ou álcool. Britney Spears diz na biografia que apenas consumia Adderall, um estimulante do sistema nervoso, usado no tratamento do transtorno do défice de atenção e hiperatividade. “O meu problema era mais a raiva e o desgosto do que o abuso de substâncias”. Depois do internamento, conseguiu obter uma guarda temporária dos filhos, mas as visitas limitadas, assim como os avanços e recuos neste processo, não foram suficientes para encontrar estabilidade emocional. Estava revoltada e multiplicara-se as atitudes que a faziam escapar da realidade. Isto durou até ficar debaixo da tutela do pai.
O início da tutela do pai e o fim da liberdade
Sem perceber bem os motivos que levaram a isso, Britney Spears viu-se sujeita à tutela do pai em 2008. Tinha 27 anos e perdia o controlo sobre a sua vida. Jamie Spears tinha a tutela da pessoa e do património da filha. Passou a ser o decisor final de cada aspeto da vida da filha, fazia a gestão da sua fortuna avaliada em dezenas de milhões e da sua carreira. “Esse papel foi assumido pelo meu pai em conjunto com um advogado chamado Andrew Wallet, que viria a ganhar 426 mil dólares por ano para me impedir de mexer no meu dinheiro. Ao meu advogado, nomeado por tribunal, que não fui autorizada a substituir, tive de pagar mais de 500 mil dólares por ano”.
Britney diz que o pai só assumiu interesse pela sua vida no momento de se tornar tutor e acredita que a mãe foi cúmplice desta ação. Aliás, culpa Lynne Spears de se ter aproveitado das desgraças da filha no livro que escreveu e nas entrevistas que dava.
Dominada pelo pai, tinha cada passo vigiado por uma equipa de seguranças, era obrigada a cumprir a agenda de trabalho que era apresentada, por várias vezes viu-se sujeita a internamentos em clínicas alegadamente sem justificação e submetida a tratamentos com lítio. Diz que acabou por se tornar submissa destas vontades com esperança de que tal a ajudasse a recuperar a liberdade. O seu trabalho rendia centenas de milhares de dólares todos os meses, mas apenas tinha direito a uma semanada de 2 mil dólares. E mesmo assim só podia gastar o dinheiro que tinha na conta pessoal após autorização. Estava esgotada, encurralada e não sentia qualquer criatividade.
A tutela durou 13 anos. “Se me perguntarem porque é que me sujeitei a isto, há uma razão de peso. Fi-lo pelos meus filhos”. É que o cumprimento das regras do pai faziam com que lhe fosse permitido passar mais tempo com os meninos. Em 2014 fez o primeiro pedido em tribunal para sair da tutela, mas sem sucesso. Isso apenas foi conquistado em 2021.
Caminho para a liberdade
Criar uma conta no Instagram foi crucial para a luta de Britney Spears pela libertação da tutela do pai. Começou por partilhar vídeo em que posava em diferentes visuais e reconhece que muitas pessoas estranharam os conteúdos. Uma estratégia para mostrar aos fãs “que existia” e para preparar um espaço onde pudesse usar a sua voz publicamente.
A 22 de junho de 2021 apresentou uma queixa de abusos sob tutela contra o pai. No dia seguinte foi a uma sessão de tribunal em Los Angeles e contou o que viveu durante os últimos anos. Conseguiu contratar um advogado da sua escolha e a 29 de setembro desse ano recuperou a liberdade tão desejada. “Senti-me invadida por um enorme alívio. O homem que me tinha amedrontado quando eu era criança e dominado a minha vida em adulta, que tinha feito mais do que qualquer pessoa para minar a minha autoconfiança, já não controlava a minha vida”.
Britney admite que, nesta fase, prefere manter-se afastada da família. Está a redescobrir-se e a reconstruir a sua vida. Voltou a criar músicas, apesar de admitir que não está focada na carreira. Britney Spears terminar esta biografia a garantir que está a saborear a liberdade de que se viu privada.