“Golpe de Sorte”, apresentado como o 50.º filme de Woody Allen, estreia-se nos cinemas portugueses a 05 de outubro, semanas depois de ter sido apresentado, fora de competição, no festival de cinema de Veneza, em Itália.
Numa passagem este mês por Portugal, no âmbito de uma digressão da New Orleans Jazz Band, na qual é clarinetista, Woody Allen contou, em entrevista à agência Lusa, que é preciso ultrapassar vários obstáculos para fazer um filme e que, por isso, “Golpe de Sorte” tem sido anunciado como o último da carreira.
“É sempre difícil angariar dinheiro para filmes e é aborrecido. Se alguém me ligar e disser que financia o meu filme, tudo bem. Mas não me apetece ligar, ir a almoços, a reuniões e arranjar dinheiro. Se alguém se chegar à frente, eu talvez considere fazer o filme. Mas isso não acontece com frequência. […] Quero fazer outro filme? Não sei, talvez sim, talvez não. Quero escrever algo para teatro? Escrever um livro, talvez um romance? Não sei”, disse.
Woody Allen pouco tem trabalhado nos Estados Unidos ainda por causa das alegações de abusos sexuais levantadas pela filha adotiva Dylan Farrow — alegações que nunca resultaram na acusação do cineasta -, e por isso tem filmado na Europa.
O realizador, que fez “Golpe de Sorte” em Paris, com elenco e produção franceses, já tinha filmado na Europa, nomeadamente em Espanha, Reino Unido e Itália, pelo que até consideraria escrever e filmar uma história em Portugal, com algumas condições.
“Não teria de ter apenas um produtor português, mas um banqueiro português. Tenho de ter uma ideia para Portugal, não querem uma ideia que podia ser feita em Nova Iorque e feita em Portugal só por ser Portugal. É preciso uma ideia que seja perfeita para Lisboa ou para o Porto […] Se pensar o suficiente sobre isso, sou capaz de ter uma ideia. [Lisboa] é uma cidade muito interessante, muito bonita e complicada e sofisticada. Não seria difícil encontrar uma ideia para Portugal”, disse.
Para o cineasta, que transformou ansiedades e neuroses em escrita humorística e em cinema, há ainda outro senão na hora de decidir fazer mais um filme: “Não gosto da ideia de fazer um filme, ficar em sala durante duas semanas e depois aparecer na televisão. Eu estou habituado a que um filme chegue ao cinema e fique lá por meses! As pessoas agora veem na cama, na sala. Não é a mesma coisa”, lamentou, a propósito da expansão do ‘streaming’.
Aliás, a propósito do desenvolvimento das plataformas de ‘streaming’, Woody Allen diz-se do lado das reivindicações dos argumentistas e dos atores de Hollywood.
“Todos os hábitos de ir ao cinema são diferentes. Agora ficas em casa, pressionas o botão e vês um filme. Os realizadores não gostam disso. Eu não gosto”, opinou.
Sobre o que os outros podem pensar dos seus filmes, como “Annie Hall” (1977), “Anna e as suas irmãs” (1985), “Maridos e Mulheres” (1992), “Match Point” (2005) ou este “Golpe de Sorte”, Woody Allen diz que lhe é indiferente: “Acham-me um génio ou um idiota, não me interessa”.
“Sou muito focado. Quando um filme está concluído para mim já era, acabou, nunca mais o volto a ver na vida e depois faço o próximo. Não leio sobre ele, se as pessoas gostaram, se fez ou não dinheiro, se acham que é espetacular ou o odiaram. Faço o filme seguinte. É o que tenho feito nos últimos 50 anos, focado no meu trabalho e não focado nas coisas sem importância”, afirmou.
Por isso, quando questionado sobre o que ainda o entusiasma aos 87 anos, respondeu com uma espécie de bula: “Eu gosto de trabalhar. Levanto-me de manhã, faço os meus exercícios e depois escrevo. Depois faço um filme, e gosto porque trabalho com pessoas criativas, atores, há música. É uma maneira muito boa de viver”.
Aliás, tal como já tinha contado na autobiografia “A propósito de nada” (2020), Woody Allen não perde tempo a pensar em legado.
“Quando estás morto, quando morreste, não interessa, podem pegar nos meus filmes e atirá-los ao mar. Não significa nada, já não existo, não oiço nada. O legado é completamente sem importância para mim, não quero saber o que acontece depois”, admitiu.
“Golpe de Sorte”, o primeiro filme de Woody Allen falado em francês, com Lou de Laâge, Melvil Poupaud e Niels Schneider, é um ‘thriller’ com algumas notas de comédia, que assenta na premissa do acaso, das coincidências, numa história sobre ciúmes, poder, romance e infidelidade conjugal.
Olhando em retrospetiva, sobre se teve sorte na vida, Woody Allen disse que foi “abençoado” com uma carreira “que correu muito bem” e contornou toda a polémica da tumultuosa relação com a atriz Mia Farrow e das alegações de abusos sexuais da filha adotiva.
“Eu não tive momentos maus na vida. Para mim tudo… fui abençoado. Todo correu sempre muito bem para mim. Sempre trabalhei, sempre tive saúde, sempre tive amigos, sempre tive uma boa vida, pude educar as minhas filhas, foram para a faculdade. Nunca me queixei, nunca parei de trabalhar, de filme para filme”, enumerou.
*** Sílvia Borges da Silva (texto), Miguel A. Lopes (fotos) e Hugo Fragata (vídeo), da agência Lusa ***
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