Nos próximos anos viveremos cada vez mais numa realidade virtual, onde nos podemos movimentar em espaços que nos vão permitir conhecer, trabalhar e nos divertir com pessoas de outros lugares. Graças aos dispositivos portáteis, conseguiremos mergulhar em novas dimensões e viajar sem limites no tempo e no espaço. Essa transformação mudará completamente o mundo que conhecemos: a Internet está prestes a dar lugar ao metaverso, a sua derivação tridimensional e imersiva. Mas o que isso realmente significa? No livro “Futuros Possíveis”, que saiu agora em Portugal, Lorenzo Cappanari, um dos maiores experts em realidade aumentada e transformação virtual, mergulha nos tempos adiante e no que nos espera. Aqui fica uma pré-publicação do capítulo “Santo Graal”.
Hoje a esperança média de vida em Itália é de 83,6 anos, o que por si só é um milagre se considerarmos que o nosso corpo foi projetado para viver até aos 30. Nesta idade, de facto, pressupõe-se que já transmitimos os nossos genes e ajudámos os nossos filhos a chegarem à idade fértil. É por isso que, passados trinta anos, o nosso corpo começa um declínio lento e gradual, acumulando danos cerebrais e físicos cada vez mais significativos. «O nosso corpo desenvolve uma infinidade de doenças a que chamamos envelhecimento», escreve Peter Diamandis.
«Até à data vimos talvez 10% de todas as possíveis tecnologias de extensão da longevidade que terão um impacto em nós na próxima década», continua Diamandis, citando uma série de biotecnologias que evoluirão rapidamente graças à aceleração da inteligência artificial e dos computadores quânticos super-rápidos.
Mas então, se o envelhecimento é uma doença, não poderá ser curada como qualquer outra doença? Domenico Caprioli responde: «Se graças às células estaminais pudermos ter um reservatório de órgãos no espaço, nada nos impede de gerar um corpo humano inteiro pronto a ser reutilizado.» Até o nosso cérebro pode ser replicado, mas nesse caso o desafio reside na transferência de conhecimento e de consciência, para a qual podemos confiar em interfaces neurais. «No momento em que tivermos encontrado uma maneira de fazer o cérebro dialogar com dispositivos externos», continua Caprioli, podemos ler e escrever todo o seu conteúdo numa linguagem compreensível pelas máquinas. Estaremos então em condições de guardar num chip todas as nossas memórias, todo o nosso conhecimento, toda a nossa identidade.
A partir daqui, começar a codificar a nossa consciência não é uma coisa assim tão remota». Se eu construir um ser vivo e lhe passar todo o conteúdo do meu cérebro, o que obtenho? Uma cópia perfeita de mim mesmo? «Assim que tiver a oportunidade de inscrever num chip as minhas recordações e a minha consciência», insiste Caprioli, «e a possibilidade de reconstruir o meu corpo num cubo a orbitar a Terra, o que me impede, chegado aos 500 anos, de tirar o chip e inseri-lo no corpo de um novo eu de 25 anos? Se vamos aprender a reparar, a regenerar e a reconstruir os nossos tecidos… quem nos matará?»
Luciano Floridi sugere: «Não há desenvolvimento do self sem o corpo, mas a partir do momento em que isto deu origem a uma vida consciente, a vida do self pode ser totalmente interior e independente desse corpo, e das faculdades que possibilitou». Isto possibilita uma permanência do self mesmo quando a plataforma de base (o corpo) muda. Poderá então a tecnologia, pelo menos teoricamente, fazer-nos atingir aquilo que os seres humanos procuram há milénios: o Santo Graal, a imortalidade, a vida eterna?
As implicações da “human augmentation” são marcas de uma época. Estamos perante uma tecnologia que evolui muito rapidamente e nos oferece grandes oportunidades, permitindo que os cegos vejam, os surdos ouçam, transferindo a linguagem dos gestos para palavras, que os que tiveram um AVC voltem a andar. Mas permite também aos homens tornarem-se especialistas em qualquer coisa, viverem mais tempo, adquirirem poderes sobre-humanos. O que acontecerá depois? Se nos tornarmos omnipotentes, aumentados pela biotecnologia, omniscientes, integrados com a cloud e a inteligência artificial, e imortais… Ainda podemos definir-nos como seres humanos? Não nos teremos tornado mais semelhantes a uma divindade?
O que acontecerá quando pudermos ser especialistas em qualquer coisa, e já não precisarmos de milhares de especialistas para fazer operações complexas? Como iremos usar todas as energias que libertámos? «A história da humanidade é isto: liberto energia intelectual e muscular, utilizo-a para fazer outra coisa e sigo em frente. Um sistema saudável é um sistema que liberta recursos e pensa em como utilizá-los», afirma Caprioli.
Temos ideias claras acerca de como vamos utilizar todos estes recursos? Vamos usá-los para progredir e melhorar ou para guerrear com armas cada vez mais poderosas, pondo a nossa própria espécie em risco? O que acontecerá quando as aplicações da “human augmentation” forem ainda mais longe? Quando pudermos para todos os efeitos criar uma raça superior?
Podemos fingir que estas tecnologias não existem e depois condená-las e impedi-las. Desta forma abrandaremos a sua propagação em massa, permitindo no entanto que se desenvolvam na sombra, sem a devida regulamentação e apenas para benefício dos super-ricos. Mas quereremos mesmo viver um futuro onde um punhado de multimilionários pode comprar o conhecimento global, deixando o resto da humanidade num estado de obscurantismo e inferioridade? Mas podemos criar uma consciência das mudanças que não podem ser interrompidas, divulgá-las com clareza e acompanhas de factos científicos, procurando criar um ecossistema capaz de as administrar de forma inteligente. Devemos aplicar a plasticidade adaptativa que caracteriza o nosso cérebro à sociedade em que vivemos: só assim poderemos fazer surgir uma nova sociedade — profundamente transformada, é verdade, mas também seriamente melhor.
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