O desastre nuclear na central de Chernobyl, em abril de 1986, afetou intensamente a fauna e flora da Europa Central e, nos anos seguintes à explosão, devido à contaminação radioativa, desaconselhou-se o consumo de cogumelos e carne de animais selvagens, com particular destaque no sul da Alemanha.
Com a passagem do tempo, os níveis de radiação distribuídos pelos animais foram diminuindo, excepto nos javalis. Até agora, os investigadores não tinham conseguido explicar o fenómeno, que ficou conhecido como o “paradoxo do javali”, mas um grupo de cientistas parece ter resolvido, agora, o mistério.
Para tentar encontrar respostas, a equipa analisou 48 javalis que tinham sido abatidos entre 2019 e 2021, no estado alemão da Baviera, a cerca de 1300 quilómetros de distância da antiga central de Chernobyl.
Os resultados dessa análise, divulgados na última quarta-feira na Environmental Science & Technology, mostraram uma exposição desproporcional ao isótopo radioativo césio-137, entre 370 e 15 mil becqueréis por quilograma, o que equivale a 25 vezes mais do que o limite legal de 600 becqueréis permitido pela União Europeia (UE).
“Mesmo que Chernobyl não tivesse acontecido, algumas amostras excederiam o limite”
A equipa percebeu que o desastre de Chernobyl não foi o único “culpado” destes níveis elevados de radiação nos javalis, contrariando as conclusões de investigações anteriores, que tinham referido que 10% do césio radioativo presente nos javalis da Baviera tinha origem em testes de armas nucleares realizados entre 1950 e 1960 – foram realizados mais de 900 testes nucleares nesta década pelos EUA e a União Soviética, 400 na superfície – sendo que a restante maioria se devia ao desastre de Chernobyl.
Pelo contrário, neste estudo, os investigadores revelaram que até 68% do césio-137 presente nos javalis teve origem em antigos testes de armas nucleares antes do acidente. Georg Steinhauser, radioecologista na Universidade Técnica de Viena e um dos autores do estudo, explica que “mesmo que Chernobyl não tivesse acontecido, algumas amostras excederiam o limite” e acredita que a trufa de veado, um tipo de cogumelo da família Elaphomyces, pode ser o responsável pela permanência da elevada radioatividade nos javalis.
Como? Os javalis consomem, preferencialmente, cogumelos e trufas. Sendo que o césio é absorvido lentamente pelo solo, passa bastante tempo até que chegue aos fungos, consumidos, depois, por estes animais, o que explica, de acordo com Steinhauser, porque é que o césio ‘velho’ é encontrado desproporcionalmente em javalis”.
“As trufas de veado, que podem ser encontradas a profundidades de 20 a 40 centímetros, só estão a absorver o césio de Chernobyl agora. O césio dos antigos testes de armas nucleares, por outro lado, já chegou lá há algum tempo”, acrescenta o investigador.