“O próximo campeão de mullet podes ser tu! Tomámos a decisão de não continuar a exigir que os utilizadores se registem para votarem”. É isto que se lê quando se abre o site oficial da competição norte-americana que define, anualmente, os melhores mullet do país, fundada por Kevin Begola durante a pandemia, em 2020, quando a febre deste tipo de corte de cabelo regressou.
Com o renascimento do penteado, que é, para muitos, um estilo de vida e até uma forma de afirmação política, Begola decidiu criar um concurso que decide, agora, os melhores cortes estilo mullet do ano, incluindo, entre outras, a categoria infantil na competição, que “une” crianças que competem até diretamente do Havai. Em meados de agosto, foi Rory Ehrlich, de 6 anos, cujo corte arrecadou mais votos, recebendo o título de “usa Kid Mullet Champ” (veja aqui o top 25).
“O concurso infantil é, de longe, a maior coisa que fazemos durante todo o ano”, diz Begola, citado pela People. O prémio para Ehrlich foi de 5 mil dólares (cerca de 4600 euros) – com os quais o menino pretende comprar uma alpaca à sua irmã mais nova – mas ao mesmo tempo foram arrecadados 125 mil dólares em donativos destinados às Jared Allen’s Homes for Wounded Warriors, um projeto que tem como objetivo a construção de casas dedicadas aos militares veteranos gravemente feridos, que regressam aos EUA do Iraque e Afeganistão, tal como acontece todos os anos desde que o concurso foi criado.
O mullet, odiado por muitos e adorado por outros tantos, mudou mesmo a vida de milhares de norte-americanos. No Facebook, existe mesmo o grupo “The Mullet That Changed My Life” (O mullet que mudou a minha vida, em português), uma grande comunidade de amantes deste corte de cabelo que prometem, entre eles, amizades “para toda a vida”. Outros utilizadores referem ter-se sentido mais confiantes ao serem elogiados na rua e há também quem escreva que conseguiu ultrapassar situações de bullying por ter ganhado coragem de enfrentar os agressores devido ao seu mullet.
Alan Henderson, especialista neste corte de cabelo e autor de Mullet Madness!, explica que o mullet “é um modo de vida, um estado de espírito, uma atitude (…) notável pela sua capacidade de ofender, intrigar, entreter (…) assustar e até mesmo excitar. Alguns acham o mullet nobre, bonito e até gracioso. Outros acham-no grosseiro, de baixo nível ou rebelde”.
Muito mais do que um corte de cabelo
Ao longo dos anos, o significado do corte de cabelo “negócios à frente e festa atrás” (“business in the front, party in the back”), como também é conhecido, foi mudando drasticamente nos EUA e na Europa, ultrapassando a influência que teve durante os anos 70 com estrelas como David Bowie, apesar de os australianos reivindicarem o penteado como seu.
A sua história é muito mais política e muito mais profunda do que, à partida, parece: por exemplo, no final do século XVIII, Benjamin Franklin, um dos pais fundadores dos EUA e primeiro embaixador dos Estados Unidos em França, terá utilizado, aparentemente, um skullet, um tipo de mullet careca, com o objetivo de deslumbrar os franceses a investirem na nova nação.
Além disso, anos mais tarde, o chefe da tribo da América do Norte Nez Perce, Joseph, terá utilizado um mullet entrançado como forma de protesto contra as estratégias dos missionários que terão roubado as terras do seu povo.
Na arte do século XVI na Europa, artistas como o alemão renascentista Albrecht Dürer retratavam este tipo de corte exuberante nos seus quadros. Já no século XVII, a moda dos cabelos compridos e provocatórios, como eram vistos, tornou-se popular entre os homens europeus e durante o século XVIII a obsessão por este tipo de penteado, com cabelo curto à frente e cabelo comprido atrás, continuou.
Na década de 70, nos EUA, o mullet voltou em força, ao mesmo tempo que a cultura fervilhava, com a estrela do rock David Bowie a aparecer com o seu icónico mullet, no mesmo ano em que assumiu a sua homossexualidade. Nessa altura, o mullet ficou associado, precisamente, ao rock e ao punk às revoluções culturais.
Também a atriz Jane Fonda, que entrou para a lista negra de Hollywood por ser uma das vozes mais ativas na denúncia contra a guerra no Vietname , exibiu, também, um mullet, imagens que ficaram célebres.
Já nos anos 80, celebridades do mundo da música como Cher, Prince e Tina Turner também ajudaram a popularizar novamente o mullet.
Mas foi a música Mullet Head, dos Beastie Boys, lançada em 1994, que assinalou a palavra mullet. Desde então, este penteado foi proibido no Irão, numa tentativa de o país se “livrar” dos estilos ocidentais “decadentes”.
Nos anos mais recentes, quando o gosto pelo mullet regressou nos EUA, este corte era visto com mais regularidade em camionistas e em profissionais das indústrias petrolíferas.
Ao mesmo tempo, começou a crescer na comunidade LGBT e, ainda mais recentemente, tem representado uma nova onda de inconformismo da direita no país.