Ademar Silva, 71 anos, liderava uma organização criminosa internacional que, entre 2019 e 2021, se dedicou ao tráfico de cocaína da Colômbia para Portugal, por via marítima. Natural do Porto, o português chegou a frequentar o ensino superior no curso de Medicina, que abandonaria no 2.º ano. De personalidade irrequieta, o português levou os anos seguintes a palmilhar mundo – chegando a viver emigrado em França, Países Baixos, Brasil, Venezuela, Perú e na Suécia, país onde residiu durante 15 anos –, antes de regressar, em definitivo, a Portugal, onde ainda trabalhou na empresa de transportes e de distribuição da qual o pai era proprietário. Detido em fevereiro de 2021, foi agora condenado 17 anos de prisão (a pena mais pesada do grupo) por tráfico de estupefacientes agravado, associação criminosa, branqueamento de capitais e posse de arma proibida.
O Tribunal de Viseu deu como provado que, pelo menos, desde finais de 2019, Ademar Silva e Eduardo Guilherme, 67 anos – que, curiosamente, frequentara igualmente o curso de Medicina (embora também não o tivesse concluído) e chegou a lecionar, na área da biologia e saúde, na Universidade de Coimbra –, resolveram “dedicar-se, de forma concertada e organizada, ao tráfico de estupefacientes, especialmente cocaína, visando a obtenção de elevados proventos monetários”, lê-se no despacho da sentença, a que a VISÃO teve acesso.
Os portugueses João Timóteo (com idade por apurar), Eugénio Peixoto, 62 anos, Franclim Silva, 41 anos, e Helena Lemos, 42 anos, e os colombianos William Martinez, 62 anos, Jhon Pulgarin, 55 anos, e Carlos Pulgarin, 56 anos, juntaram-se à organização criminosa, a partir de 2021. Em comunhão de esforços e repartindo tarefas entre si, os envolvidos “procediam à importação de sacas de carvão e fertilizantes, bem assim de outros produtos fazendo uso de contentores para transportar a cocaína aí dissimulada, desde a Colômbia até Portugal”, concluíram as autoridades.
Os agora condenados recorriam a um esquema criminoso que consistia “em utilizar sociedades de importação de mercadoria validamente constituídas, procedendo a importações de mercadoria lícita, através de contentores marítimos da Colômbia para Portugal”; para “fintar” as autoridades, o grupo chegou a utilizar o porto de Roterdão, nos Países Baixos, como “ponte” para o porto de Leixões, onde a carga era descarregada. O destino final da droga seria Espanha.
De Cartagena a Castro Daire – como a PJ travou o grupo
A organização criminosa foi desmantelada em fevereiro de 2021, no âmbito da intitulada “Operação Diamante”, liderada pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes da Polícia Judiciária (UNCTE/PJ).
Para tal, a investigação acompanhou, a par e passo, o transporte de uma carga de 100 quilos de cocaína entre Colômbia e Portugal. A VISÃO conta como tudo se passou: o contentor – uma encomenda da sociedade Oscilantideia, empresa sediada em Vila Real (e controlada pelo grupo) –, que deveria (apenas) transportar antracite mineral em pó, saiu do porto de Cartagena, na Colômbia, a 14 de Janeiro de 2021, em direção ao porto de Roterdão, nos Países Baixos, onde chegou a 26 de janeiro daquele ano. O contentor fez o transbordo em Roterdão no dia 2 de fevereiro seguine. Apenas quatro dias depois, a carga chegava ao porto de Leixões.
Ademar Silva e Eduardo Guilherme chegaram a frequentar curso de Medicina, antes de se dedicarem a importar cocaína para a Europa
Cumpridas as formalidades – como o pagamento de taxas adicionais, feito por Ademar Silva –, o contentor foi “libertado” pelas autoridades alfandegárias no dia 19 de fevereiro, e encaminhado para um armazém em Perafita, Matosinhos, perto da última morada conhecida do líder do cartel. A carga ficou aí depositada até dia 22 de fevereiro. Nesse dia, seria movida para um outro armazém, localizado na zona Industrial da Ouvida, em Castro Daire, distrito de Viseu – nesse momento, a PJ entrou em campo.
Nesse mesmo dia, foram detidos Ademar Silva, Eduardo Guilherme, João Timóteo, Eugénio Peixoto, William Martinez, Jhon Pulgarin e Carlos Pulgarin, apanhados em flagrante. A carga, que se encontrava dissimulada, de 100 quilos de cocaína, estava avaliada em dois milhões e quatrocentos mil euros – o valor de mercado da droga, na altura, rondava os € 25 a € 30 mil/quilo em Portugal, mas em Espanha o preço subia para os €40 mil/quilo, segundo a investigação.
A “complexa operação” – como descreveria a PJ, num comunicado datado de 24 de fevereiro de 2021 – da UNCTE/PJ resultou de uma investigação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), com o apoio de duas diretorias da PJ e do Departamento de Investigação Criminal (DIC) de Vila Real. A operação contou ainda com a colaboração da Autoridade Tributária e da GNR.
O coletivo de juízes do Tribunal de Viseu condenou, a penas de prisão, por tráfico de estupefacientes, associação criminosa e branqueamento de capitais os arguidos Ademar Silva (a 17 anos de prisão) – que ainda foi condenado por posse de arma proibida –, Eduardo Guilherme (10 anos), João Timóteo (oito anos e seis meses), Eugénio Peixoto (11 anos e seis meses), William Martinez (13 anos), Jhon Pulgarin (sete anos e seis meses) e Carlos Pulgarin (oito anos e seis meses). Franclim Silva e Helena Lemos foram condenados a quatro anos de pena suspensa.