Humana ou animal, a consciência é ainda um mundo misterioso. Uma coisa é sabermos que somos dotados de inteligência, outra é identificar que mecanismos cerebrais levam à experiência consciente. Mas conseguir desconstruir a forma como tal acontece, e como é que temos consciência que somos conscientes, já é outra questão.
Em junho deste ano, durante a 26ª sessão da conferência anual da Associação de Estudos Científicos da Consciência (ASSC, na sigla inglesa), foram discutidas as duas principais hipóteses que dividem os cientistas, relativamente ao modo como a consciência é gerada no cérebro.
Uma delas é o Modelo da Informação Integrada (IIT) e a outra, o Modelo do Espaço Global Neuronal de Trabalho (GWNT). Se a primeira defende que a atividade consciente é gerada na parte de trás do cérebro, nas áreas sensoriais, particularmente no córtex visual, a segunda acredita que a consciência surge na zona frontal, onde se encontra o córtex pré-frontal, considerado o centro executivo do cérebro.
Apesar de nem o IIT nem o GWNT terem ainda conseguido determinar qual o número mínimo de mecanismos neuronais necessário para que exista uma perceção de consciência, alguns especialistas presentes no evento defenderam como certos animais podem ter cérebros suficientemente desenvolvidos para que neles se verifique um dos dois modelos.
Oryan Zacks, da Universidade de Tel Aviv, estuda filogenia e neuroanatomia de vertebrados. Juntamente com a sua equipa, concluiu que o antepassado de todos os vertebrados com mandíbula, que viveu há mais de 400 milhões de anos, tinha um cérebro que poderia suportar a arquitetura neuronal exigida pelo modelo GWNT.
A verificar-se que a consciência se forma de acordo com este modelo, tal conclusão traria cerca de 60 mil espécies modernas, incluindo mamíferos, lagartos, anfíbios e a maioria dos peixes, para o campo da consciência.
Já a investigação de Peter Godfrey-Smith, da Universidade de Sydney, sobre cefalópodes (como os polvos e as lulas), sugere que a consciência evoluiu não apenas na linha evolutiva dos vertebrados – a nossa – mas, de forma análoga, numa outra linha evolutiva que se separou da dos mamíferos há milhões de anos.
Por seu lado, Daria Zakharova, da London School of Economics, defendeu a consciência num tipo de aranhas caçadoras designado Portia. A investigação da especialista sugere que tais animais, dotados de boa visão, têm a capacidade de planear com antecedência o ataque às presas e são capazes de prever se o mesmo será impossível, resolvendo a questão a tempo.
Os animais têm consciência do seu sofrimento?
Mas será que, por exemplo, os animais têm consciência de seu próprio sofrimento? A pergunta é tão profunda que acaba por situar-se entre os domínios da ciência e da filosofia, estando relacionada com aquilo que os fislósofos designam por qualia, como, por exemplo, a dor consciente que a crueldade causa em nós.
Os circuitos neuronais que se ativam quando uma pessoa sente uma emoção são essenciais para que um rato experimente a mesma emoção
Como já vimos, definir consciência é algo complicado, até no caso dos seres humanos. Para os animais, o documento de referência continua a ser a Declaração de Cambridge sobre a Consciência, um documento assinado em 2012, no qual 13 neurocientistas afirmam que a maior parte das espécies animais tem substratos neurológicos que geram consciência e que, portanto, os seres humanos não são os únicos dotados de tal capacidade.
Além de terem sido identificados, tanto em humanos como noutros animais, circuitos homólogos cuja atividade coincide com a experiência consciente, percebeu-se que, por exemplo, os circuitos neuronais que se ativam quando uma pessoa sente uma emoção são essenciais para que um rato experimente a mesma emoção.
“As evidências mostram que os seres humanos não são os únicos a apresentarem estados mentais, sentimentos, ações intencionais e inteligência”, afirmou, na altura, Philip Low, professor da Universidade Stanford e um dos signatários da declaração.
Segundo o também investigador do Massachussets Institute of Technology (MIT), “as áreas do cérebro que nos distinguem dos outros animais não são as que produzem a consciência” e “todos os mamíferos, todas as aves e muitas outras criaturas, como o polvo, têm estruturas neuronais que produzem consciência. Isto significa que estes animais sofrem.”
Todos os mamíferos, todas as aves e muitas outras criaturas, como o polvo, têm estruturas neuronais que produzem consciência. Isto significa que estes animais sofrem
Philip Low – investigador do mit
Em 2019, Low lamentava ao El País a situação das touradas em Espanha e sublinhava a necessidade de progresso na indústria farmacêutica, pois, “todos os anos, cerca de 100 milhões de vertebrados são sacrificados, mais de 40 mil milhões de dólares são investidos, e 94% das moléculas testadas nesses animais falham”.