Washington, Estados Unidos da América, outubro de 1945. J. Robert Oppenheimer entrou na Sala Oval num passo incerto, e expressão melancólica. As olheiras profundas denunciavam noites maldormidas; as maçãs do rosto salientes, uma doença da alma. Sentado à secretária, o Presidente Harry S. Truman soergueu o olhar afiado, por trás de umas hastes de metal arredondadas, hesitando à vista da aparente fragilidade do convidado. Num gesto mecânico, o governante saltou da cadeira e dirigiu-se rapidamente ao cientista, estendendo-lhe a mão e um sorriso forçado. J. Robert Oppenheimer manteve-se taciturno, desabafando assim que pôde: “Sr. Presidente, sinto que tenho sangue nas minhas mãos.”
O episódio, relatado no livro biográfico American Prometheus: The Triumph and Tragedy of J. Robert Oppenheimer, de Kai Bird e Martin J. Sherwin (Prémio Pulitzer em 2006), é revelador da personalidade complexa e paradoxal do homem que, para a História, ficou eternizado como “o pai da bomba atómica”. Dois meses após os bombardeamentos das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáqui – os únicos ataques com armas nucleares contra alvos civis até hoje realizados –, J. Robert Oppenheimer parecia prestes a capitular a favor dos demónios interiores com que tivera de lidar durante toda a sua vida. Resistiu, mas nada voltaria a ser igual.
