Quando, em 1953, Marilyn Monroe, com um vestido de cetim rosa-vivo, cantou a música Diamonds are a Girl’s Best Friend, no filme Os Homens Preferem as Loiras, de Howard Hawks, a indústria das pedras preciosas vivia uma lua de mel com o mercado dos artigos de luxo. E assim continuou até que, em 2006, outro filme, Diamante de Sangue, de Edward Zwick, começou a virar tudo do avesso.
A película exibia os danos ambientais da mineração e sustentava que os diamantes são com frequência provenientes de regiões africanas em conflito, com violações grosseiras dos direitos humanos. Foi um alerta para a consciencialização dos consumidores, a ponto de o protagonista do filme, o ator Leonardo DiCaprio, ter depois investido muito dinheiro na Diamond Foundry, uma empresa californiana que produz em laboratório diamantes sintéticos.
Os métodos de fabrico já vinham de longe e são dois, implicando ambos uma “semente” de diamante sintético: um usa alta pressão e temperatura elevada para que os átomos de carbono se dissolvam na “semente”; o outro utiliza máquinas de vácuo, com baixa pressão e alta temperatura, para que a “semente” receba aqueles átomos e o diamante se forme. Mas, na última década, associada a uma mensagem radical de marketing ambientalista e de defesa das populações dos países africanos onde se situam as minas, segundo a qual, em resumo, “a extração de diamantes provou ser especialmente brutal”, a indústria dos diamantes sintéticos aprimorou a tecnologia da qualidade e da quantidade da sua produção, e cresceu muito. Demasiado, aparentemente.
“Produz-se cada vez mais e há muita procura, sobretudo nos mercados americano e oriental”, diz o gemólogo Rui Galopim. “A médio prazo, há de existir uma abundância tal de diamantes sintéticos que os levará a perder o valor que neste momento ainda têm”, acrescenta. E alerta: “O diamante sintético terá um valor, a termo, muitíssimo baixo. Pode ser um produto interessante para um consumidor que não quer gastar muito dinheiro para ter uma joia com uma coisa que brilha, mas que não pode ser levado à ilusão de que está a comprar algo de valor, porque não o é.” Já os há a serem vendidos 90% a 95% abaixo do custo de diamantes naturais. Isto apesar de um diamante sintético ter as mesmas características de um diamante natural – nem com uma lupa se consegue distingui-los. Essa triagem só se faz com aparelhos sofisticados.
Alvo: “millennials”
Na homepage da Diamond Foundry destaca-se uma frase assinada pelo seu acionista Leonardo DiCaprio: “É com orgulho que invisto em diamantes com crescimento sustentável, sem o impacto humano e ambiental da mineração.” A empresa também realça três itens dos seus produtos – “sem esgotamento de recursos, sem emissões de carbono, sem preços de cartel”. Estima-se que é preciso remover 200 toneladas de terra para se obter um quilate natural (0,2 grama) e que só essa operação implica 57 kg de emissões de CO2.
O certo é que o aguerrido marketing da sustentabilidade, sobretudo dirigido aos millennials, em que a indústria dos diamantes sintéticos investiu continua a dar resultados, resistindo ao esmagamento das margens de lucro. A Índia, por exemplo, mais do que duplicou, para 1,3 mil milhões de dólares (cerca de 1,1 mil milhões de euros), as suas exportações de diamantes artificiais polidos, de abril de 2021 a março de 2022, em comparação com os 636 milhões de dólares (cerca de 581 milhões de euros) obtidos no período homólogo. Outro exemplo, que interfere com um dos principais mercados dos diamantes naturais: em 2022, a joalharia com diamantes feitos em laboratório atingiu, nos EUA, cerca de 10% das vendas de anéis de noivado, quando no ano anterior essa percentagem tinha sido de 6 por cento.
Segundo os últimos dados disponíveis, a indústria dos diamantes sintéticos arrecadou, em 2021, 14 mil milhões de dólares (cerca de 12,8 mil milhões de euros). Muito longe, pois, das largas dezenas de milhares de milhões de dólares que a mineração dos diamantes naturais lucra por ano, com a recolha de centenas de milhões de quilates. A indústria tradicional, porém, assustou-se com o crescimento dos diamantes de laboratório. O melhor exemplo está na gigante da extração diamantífera De Beers, empresa sul-africana subsidiária de um grupo anglo-americano, que decidiu também fabricar diamantes sintéticos, vendendo-os a 800 dólares (cerca de 730 euros) por quilate nas lojas que tem em várias partes do mundo. Falhou na aparente estratégia de impedir a disseminação dos diamantes de laboratório, mas ajudou a degradar-lhes o preço. Mera curiosidade: se um diamante sintético de boa cor e pureza, com dois quilates, custa 1 600 dólares (cerca de 1 400 euros) numa loja da De Beers, uma pedra natural, exatamente com as mesmas características, ascende a 87 mil dólares (cerca de 80 mil euros).
Carbono ou comida?
O marketing da sustentabilidade é cada vez mais contestado por especialistas independentes, até porque os diamantes provenientes de zonas de conflito foram eliminados do circuito da alta joalharia. “A sustentabilidade – que não se resume ao vetor carbónico – de que se fala em relação ao diamante sintético é algo de muito controverso, e que não tem respaldo na literatura científica”, diz Rui Galopim. O gemólogo verifica o contrário: “Várias atividades mineiras conseguem ter resultados de sustentabilidade ambiental e económica para as comunidades locais, como acontece, por exemplo, no Botswana, na Serra Leoa e na Costa do Marfim.” Trocando por miúdos, proporcionam o sustento a dezenas de milhões de pessoas, com benefícios diretos para as populações daqueles países em desenvolvimento.
“Não se pode comparar um produto manufaturado com algo que tem uma pirâmide de raridade e de escassez imensa”, diz o gemólogo Rui Galopim
Agora, o icónico tema musical, de exaltação dos diamantes naturais, que Marilyn Monroe cantou há 70 anos numa comédia romântica, volta a fazer sentido. “O segmento do luxo, que não é o do diamante sintético, tem previsões de crescimento muito significativas na próxima década, em especial no Oriente e, sobretudo, na Índia, um dos maiores países consumidores de ouro e, por analogia, de joalharia”, diz Rui Galopim.
O cerne da questão, explica o gemólogo, está em “não comparar um produto manufaturado com algo que tem uma pirâmide de raridade e de escassez imensa”. Os diamantes naturais, continua, “vêm da Natureza, através de um processo geológico, e, com frequência, podem ter idades quase tão antigas como a origem da vida no planeta. Quase todos eles formam-se a profundidades abaixo dos 150 km, e alguns a perto de 700 km. São testemunhos do interior do planeta, que foram impelidos para a superfície por um tipo de vulcão que já não existe. Do ponto de vista dos materiais, são coisas muito especiais”.
Estas evidências científicas já foram aproveitadas, há alguns anos, pela indústria diamantífera para lançar uma grande campanha de marketing, destinada aos consumidores mais jovens e com posses, sob o slogan Real Is Rare. Real Is a Diamond (o verdadeiro é raro, o verdadeiro é o diamante). Mas quer tudo isto dizer que a indústria dos diamantes sintéticos caminha para o abismo? Rui Galopim acredita que não. Afinal, estamos perante “um processo de fabrico que, em décadas, a tecnologia conseguiu tornar mais eficiente, mais barato e mais economicamente viável”. O seu mercado, prevê o gemólogo, é que irá mudar: “Com a baixa dos preços, muita joalharia de prata e de ouro de 9 a 14 quilates vai abraçar o diamante sintético, como já acontece, por exemplo, com os rubis e outras pedras artificiais.”
Ainda assim, Rui Galopim sublinha: “O consumidor é sempre soberano nas escolhas que faz.”