Apesar de expedições anteriores terem sido bem-sucedidas, nem todas estiveram livres de percalços. Em fevereiro, um casal na Florida processou Stockton Rush, o administrador executivo da OceanGate Expeditions, e um dos cinco ocupantes do submersível desaparecido – impulsionador do turismo de águas profundas em alto mar. Em causa estava o reembolso de 210 mil dólares que o casal reivindicava, valor pago para visitar o Titanic no Titan, em 2018.
De acordo com o escrito no processo, a viagem foi adiada várias vezes, em parte porque a empresa justificava precisar fazer mais testes no submersível e queria que os dois participassem numa viagem aos destroços do navio naufragado em 1912, só daí a três anos, em julho de 2021. Uma viagem mencionada, num outro processo em tribunal no ano passado, como tendo alguns problemas técnicos. O processo do casal da Florida continua pendente, pois Stockton Rush nunca respondeu, nem existe um advogado que o represente.
Também em 2018, ano em que a expedição não aconteceu, um grupo de 38 pessoas da indústria de embarcações submersíveis escrevia uma carta expressando uma “preocupação unânime” sobre as viagens ao fundo do mar, e o potencial de problemas “catastróficos” com a missão Titanic.
Estes signatários, especialistas de dentro e de fora da empresa, instavam-na a passar por um processo de certificação. Soavam assim os primeiros alarmes.
Para Stockton Rush, tal como disse, em 2022, ao jornal The New York Times, as imagens de alta resolução recolhidas nesses passeios do Titan poderiam beneficiar o trabalho dos investigadores. “Nenhuma entidade pública vai financiar o regresso ao Titanic. Existem outros lugares que são mais recentes e provavelmente de maior valor científico.”
O preço cobrado, cerca de 229 mil euros (250 mil dólares) por pessoa, foi assim justificado pelo empresário fundador da OceanGate em 2009: “Para aqueles que pensam que é caro, é uma fração do custo de ir ao espaço, e é muito caro para nós conseguir esses submersíveis e ir até lá.”
Stockton Rush descende de dois signatários da Declaração de Independência, Benjamin Rush e Richard Stockton. Formado na Universidade de Princeton, nos EUA, em Engenharia Aeroespacial em 1984, de acordo com a biografia divulgada pela sua empresa, em 1989, o próprio construiu uma aeronave experimental que hoje continua a pilotar. Na verdade, Rush cresceu com o sonho de vir a ser astronauta e, já depois de se formar, piloto de caça, revelou na televisão, no programa CBS Sunday Morning.
A ambição não era chegar ao espaço, mas sim explorar e encontrar novas formas de vida. “Queria ser uma espécie de Capitão Kirk [da saga Star Trek]. Não queria ser o passageiro na parte de trás. E percebi que o oceano é o universo.”
Sem certificação
David Lochridge, diretor de operações marítimas da OceanGate, começou a trabalhar num relatório, em 2018, no qual dizia que a embarcação precisava de mais testes e sublinhava “os potenciais perigos para os passageiros do Titan”.
A carta assinada por diversos especialistas – membros do comité de Veículos Subaquáticos Tripulados da Sociedade de Tecnologia Marítima, um grupo industrial com 60 anos que estuda e promove a tecnologia oceânica entre a população – questionava a abordagem “experimental” da empresa e a decisão de Stockton Rush de abrir mão de uma avaliação tradicional, o que poderia levar a problemas potencialmente “catastróficos” com a missão do Titanic.
Desta vez era Rush que não estava disposto a pagar por essa inspeção e, como os documentos vieram a público, moveu um processo contra David Lochridge, acusando-o de partilhar informações confidenciais fora da empresa.
Nesses documentos, Lochridge relatava que a vigia que permite aos passageiros ver de dentro para fora do submarino só foi certificada para funcionar em profundidades de até 1 300 metros de profundidade.
Muito menos do que seria necessário para viagens aos destroços do Titanic, que estão a quase quatro mil metros abaixo da superfície do oceano.
Será que os passageiros também seriam informados deste pequeno grande detalhe no momento do embarque, quando eram impelidos a assinar um termo de responsabilidade que mencionava a palavra morte três vezes na primeira página?
No ano passado, numa reportagem da cadeia televisiva CBS, David Pogue, antigo colunista de tecnologia do jornal The New York Times, que se tinha juntado a uma das expedições da OceanGate ao Titanic, reportou que a papelada assinada antes de embarcar alertava que o Titan era uma “nave experimental” que não tinha sido “aprovada” ou certificada por qualquer órgão regulador e podia resultar em lesão física, trauma emocional ou morte.”
A carta dizia que o marketing do Titan feito pela OceanGate foi “no mínimo, enganoso”, porque alegou que o submersível atenderia ou excederia os padrões de segurança de uma empresa de avaliação de risco conhecida como DNV, embora a empresa não tivesse planos de ter a embarcação certificados formalmente pela agência.
No mínimo, a empresa deveria testar os seus protótipos com a supervisão da DNV ou de outra empresa de certificação, mas para Rush os padrões da indústria estavam a sufocar a inovação.
Colocando o submarino em águas internacionais, a OceanGate contornava a obrigatoriedade de ter de cumprir as regras da Guarda Costeira, explicava na carta Bart Kemper, engenheiro forense que trabalha com projetos de submarinos. Como o Titan é carregado num navio canadiano e depois lançado no Atlântico Norte perto do Titanic não precisa de se registar num país, hastear uma bandeira ou seguir as regras que se aplicam a muitos outros navios. Funciona como um barco num atrelado de um carro, em que as autoridades garantem que o atrelado segue os requisitos para circular na estrada, mas não inspeciona o barco.