O fenómeno começou a ganhar visibilidade há dois anos, quando a jornalista e escritora polaca Olga Mecken, que reside na Holanda, lançou o livro Niksen – Embracing The Dutch Art Of Doing Nothing, apelando à necessidade de fazer escolhas conscientes e convidando os leitores a criarem pausas contemplativas em casa, no trabalho e em público, enquanto aguardam que o transporte chegue ou numa fila, por exemplo.
A autora recolheu testemunhos de especialistas em felicidade e produtividade com a intenção de mostrar que a arte de não fazer nada, em períodos regulares, pode ser a solução para quem anda sobrecarregado, com sintomas de stresse ou está a recuperar de estados de esgotamento. Mais importante ainda, esse novo ritual não deve ser confundido com preguiça, já que se trata de uma prática meditativa com efeitos benéficos a vários níveis.
Num artigo recente da BBC, Mecken fez saber que na Holanda, tradicionalmente conhecida por conseguir o tão ambicionado equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, as gerações mais jovens nunca se viram tão afetadas pelos efeitos do stresse, tal a necessidade de corresponder ao que julgam ser a melhor versão de si mesmos no emprego, na relação com os familiares, amigos e nas redes sociais. Esta pressão contínua impede o cérebro de baixar a guarda e entrar no registo vagaroso e de descanso, a fazer qualquer coisa sem nenhuma meta, que é um requisito para ativar a rede neural automática (default mode network) e dar lugar ao processo criativo. No final do dia, é daí que surgem as soluções inovadoras e uma melhor produtividade.
A ciência da desaceleração
Se lhe parece que já ouviu falar disto antes, confirma-se: o tão badalado ‘slow living’ foi assumindo diversas formas. Antes da pandemia, falava-se do Hygge, o método dinamarquês assente no desfrute de prazeres minimalistas em boa companhia, sem pressa nem tecnologia à mistura, para não estragar o estado de graça do momento.
Depois, veio o Lagom – conceito sueco de exercitar o corpo ao ar livre, fazer pausas, despojar-se do acessório e praticar a moderação em tudo – e, agora, na versão holandesa, o Niksen. Envolver-se numa atividade semi-automática – tricotar, caminhar ou deambular sem uma meta específica – e “apenas ser”, durante um periodo de tempo que se reserva para esse fim, é um conceito que começou a ganhar massa crítica, sobretudo entre executivos mas não só, e a ser encarado como uma ajuda preciosa para combater a ansiedade e o stresse.
Tudo isto faz sentido mas parece mais fácil de dizer do que ser posto em prática. A prová-lo, a sensação de desconforto, após mais um fim de semana, folga, ou férias, que estão à porta: o tempo livre, marcado pela azáfama, parece ser sempre insuficiente para tudo aquilo que se desejava fazer.
A inação intencional – fazer o menos possível contemplar o que está à volta, entregar-se a divagações e sonhar acordado – é uma arte. Desligar regularmente e entrar numa dimensão em que, aparentemente, nada acontece é, desde tempos remotos, um descanso para o corpo e a alma, como defendiam os filósofos e os místicos.
Os neurocientistas confirmaram isto mesmo: o dolce fare niente é condição essencial para o cérebro ativar o sistema nervoso parassimpático e ocorrer a resposta de relaxamento, um estado essencial para que a criatividade possa entrar. Porém, nos tempos que correm, interromper o frenesim ocupacional (‘busy-ness’) – conotado com o mundo dos negócios (‘business’), a negação dos ócios – parece praticamente impossível.
A semana dos 4 dias
A nossa atenção é constantemente disputada por um fluxo incessante de estímulos e se não forem os olhos e os dedos postos num ou mais ecrãs, são as mil e uma atividades e formas de entretenimento que estão mais à mão. As circunstâncias económicas, sociais e políticas também contribuem para este cenário, mas algo está a mudar aqui: a máxima ‘tempo é dinheiro’ está a dar lugar ao lema ‘a vida não se resume ao trabalho’, como atesta o movimento pós-pandémico conhecido por Grande Demissão.
Segundo os dados dos estudos realizados pela organização não governamental 4 Day Week Global, a redução de 40 para 32 horas de trabalho com o mesmo salário pode ser a solução: segundo a revista Forbes, a maioria dos inquiridos preferiu manter a opção dos quatro dias de trabalho após o período experimental, tal como as empresas que responderam (sobretudo americanas e irlandesas), por se ter verificado um aumento na produtividade e nas receitas.
A adoção da medida conduziu a menores níveis de stresse e de absentismo e melhor saúde mental, com o dia livre adicional a ser usado em tarefas domésticas e os outros dois para atividades de lazer. Os resultados do teste de seis meses realizado no Reino Unido, numa amostra maior de empresas e trabalhadores, evidenciaram outras vantagens: além da redução do risco de burnout, o clima organizacional melhorou, houve ganhos na saúde, nas finanças e nos relacionamentos, registaram-se com agrado poupanças nas deslocações e na alimentação fora de casa e, ainda, tempo extra para socializar e dedicar-se a projetos extra laborais.
Em Portugal, o Estudo do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, coordenado pela psicóloga Tânia Gaspar, chegou a conclusões idênticas: a adoção da semana dos quatro dias pode trazer benefícios na fixação de talentos e na promoção do bem-estar e da saúde mental dos trabalhadores, aspeto valorizado pelas novas gerações.
Este dado é mais relevante tendo em conta que o nosso País ocupa o terceiro lugar no ranking das maiores jornadas de trabalho, entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e em que mais de metade da população ativa tem uma carga horária semanal superior a quarenta horas. Agora, que 39 empresas portuguesas iniciaram a terceira fase do projeto-piloto, que dura até novembro e, se o modelo funcionar, pode vir a ser alargado ao setor público.

Pedro Gomes, professor de economia em Birkbeck, na Universidade de Londres, é autor do livro Sexta-feira é o Novo Sábado. “A pressão mental que existe no trabalho do século XXI é muito maior do que há 30 anos, pelo uso da tecnologia e o aumento da velocidade de comunicação”, observa.
Lembrando que “o stresse e o esgotamento profissional custam 5.3 mil milhões de euros às empresas portuguesas, segundo as conclusões do relatório da Ordem dos Psicólogos”, o coordenador do projeto piloto da semana de quatro dias, organizado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, adianta: “O burnout não é um problema pontual, é sistémico e precisa de uma solução sistémica.”
Dito de outro modo, o caminho passa por “mudar a nossa forma de trabalhar e torná-la mais eficiente e sustentável, com benefícios para os trabalhadores e as empresas.”
A ‘patologia’ do tédio
Se desacelerar nos ajuda a encontrar soluções inovadoras e criativas para problemas, grandes e pequenos, é crucial para a saúde e promove o tão desejado equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, porque é tão difícil fazê-lo?
A verdade, nua e crua, resume-se desta forma: “É muito difícil conseguir estar consigo mesmo e lidar com o tédio, o que leva à procura da hiperestimulação”, assegura a psicóloga clínica Alexandra Barros. Este mecanismo de defesa já tinha sido identificado na literatura científica: deixar a mente disponível para devaneios vários por muito tempo é propício a estados de ruminação e preocupação, conduzindo a um desconforto com tradução no plano fisiológico.
Num estudo publicado na Frontiers in Psychology, referido numa edição da revista TIME, sobre os prós e contras da mente errante, a equipa de investigadores italianos descobriu que nas 24 horas que se seguiram a um exercício de divagação mental, os participantes reportaram dificuldades em adormecer e registou-se um aumento da frequência cardíaca.

“As filosofias do ‘slow living’ em abono do desfrute da vida contrastam com o estado de correria e a necessidade de preencher o vazio e o tédio”, prossegue Alexandra Barros, vendo neste mecanismo o reflexo de uma Era e que foi ampliado pela pandemia.
“Não saber viver com o nada, ou consigo mesmo, por ser confrontado com a falha, a restrição, leva à compulsão de ir a todas, aproveitar tudo, viver ao máximo e partilhá-lo”, esclarece a psicóloga, “mesmo se for desprovido de afeto e desfrute quando no momento presente, pois muitos já estão a pensar naquilo que não podem perder a seguir.”
O mesmo se aplica à obsessão pelo querer estar bem, “fugindo de emoções mais desconfortáveis, que se anestesiam à força do consumo de tudo e mais alguma coisa”.
Em síntese, e à semelhança da atenção plena (mindfulness), estas filosofias até podem ser bastante eficazes e cativar adeptos, mas “não funcionam como pensos rápidos para o stresse e os estados ansiosos” que marcam o nosso tempo.
Voltando à arte de não fazer nada, ou à possibilidade de incorporar a prática de relaxar no quotidiano – por se verificar uma correlação entre relaxamento, felicidade e produtividade, nos estudos sobre o tema – talvez tenha chegado a hora, ou o tempo, de perceber como resgatar momentos de ócio.
E como é que isso se faz? Exercitando, de forma gradual, essa coisa a que chamamos satisfação com a vida (mesmo que no início possa ser frustrante, como bem sabe quem se aventura ou retoma a prática do exercício físico).