“Estamos na época das formaturas, o que significa que muitos pais vão cumprir um ritual sagrado de passagem: dar conselhos de vida terríveis aos seus filhos. A mãe e o pai têm boas intenções. Mas a turma de 2023 vai entrar num mercado de trabalho durante um dos piores períodos de incerteza desde a crise financeira de 2008.”
É assim, sem paninhos quentes, que Matt Higgins começa o seu último artigo de opinião no site do canal de televisão CNBC. Não podia começar doutra forma. Afinal, ele próprio passou por crises semelhantes e aprendeu a dar-lhes a volta.
“Desde que cresci na pobreza, abandonei o liceu para cuidar da minha mãe deficiente, até ter dois empregos enquanto me licenciava em Direito”, resume. Ao longo das suas “provações” e da sua “jornada” para se tornar um multimilionário, autor de bestsellers, diretor executivo e investidor, “a única chave para prosperar”, escreve, “foi não jogar pelo seguro”.
Matt Higgins não hesita, por isso, em alertar para “os piores e mais antiquados conselhos” dos pais que os jovens “devem ignorar”. E o que devem fazer em vez disso:
1. “Precisas de um plano B”
O co-fundador e diretor executivo da RSE Ventures, sócio fundador da VaynerMedia, membro executivo da Harvard Business School e convidado do programa Shark Tank, do canal de televisão ABC, incentiva quem agora termina a licenciatura a esquecer o plano B.
“A razão é a perda de energia”, disse numa entrevista recente ao site de informação Quartz, em que analisou as “lições de liderança” do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.
“Um estudo da Wharton [a Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA] descobriu que só o facto de pensar num plano B pode reduzir significativamente a probabilidade de o Plano A acontecer, bem como a motivação para tentar”, lembra agora.
“Há apenas um mão-cheia de coisas que se podem partir aos 20 anos e que não se podem arranjar aos 30. A única forma de ter uma hipótese de ser a próxima Taylor Swift é acreditar que o será e não se preocupar com o que acontece se não conseguir. Confia na tua capacidade de resolver as coisas se o plano A não funcionar”, exorta.
“Quando digo a frase ‘queimar os barcos’ [título do seu livro, Burn the Boats, publicado em fevereiro deste ano], muitas pessoas recuam reflexivamente perante a ideia, confundindo o compromisso total com a mitigação de riscos. Estes conceitos não são mutuamente exclusivos. De facto, estão indissociavelmente ligados”, defendeu na referida entrevista.
“Não se pode comprometer quando não se processou o pior cenário possível e não se tomou medidas para o enfrentar. Quando queimamos os barcos, separamos as desculpas que damos a nós próprios e que impedem o compromisso total e iluminamos as forças internas e externas que impedem a assunção de riscos.”
2. “Reduz o teu tempo de ecrãs”
Contra tudo e todos que andam há anos a “bater” no tempo passado pelas novas gerações à frente de ecrãs, Matt Higgins defende que eles são “o futuro do trabalho”. E explica como dar a volta aos pais em relação ao uso e abuso de ecrãs:
“Jogar jogos de vídeo durante 10 horas seguidas pode não ajudar, mas [lembra-lhes que] podes aprender todo o tipo de novas competências lucrativas online. Se quiseres começar uma atividade por conta própria, escrever um plano de negócios, lançar um site ou comercializar um produto ou um serviço, os recursos certos estão lá e, muitas vezes, a baixo custo ou mesmo sem qualquer custo.”
3. “Não te preocupes com as coisas pequenas”
Na sua opinião, este é um conselho parcialmente falso. “Embora a ansiedade incapacitante deva ser tratada, nem toda a ansiedade é problemática”, defende, lembrando que existem estudos que demonstram como os empresários mais bem sucedidos aproveitam a ansiedade e fazem com que ela funcione para si.
“Eles mantêm o que se chama um estado de ‘ansiedade ótima’: o equilíbrio entre ter ansiedade suficiente para catalisar a concentração e melhorar o desempenho, mas não tanto que iniba a excelência”, como pode ler-se neste artigo sobre liderar através da ansiedade, publicado na Harvard Business Review.
4. “Vai trabalhar numa empresa grande e estável”
“Costumava ser um conselho sábio começar a sua carreira em gigantes como o Facebook, Google, Lyft, Netflix e Disney”, começa por recordar o empresário. “Mas mesmo as empresas que prometiam carreiras de 30 anos estão agora a enfrentar despedimentos em massa.”
Em vez de se optar por um grande nome, Matt Higgins aconselha, por isso, que se procure a função certa.
“Certifica-te de que os teus interesses e competências estão alinhados com o cargo que pretendes, mesmo que seja numa pequena startup ou numa empresa de média dimensão. Melhor ainda”, propõe, “utiliza as tuas competências e paixão para criar uma empresa. Pode parecer uma loucura mas, com uma semana de concentração intensa, podes utilizar a inteligência artificial para lançar uma empresa que ganhe 10 000 dólares por mês. E depois não terás de te preocupar com despedimentos.”
5. “Compra uma casa e assenta”
Por fim, qual é o conselho que Matt Higgins avança como “o mais importante”, que todos os jovens devem saber? “O dinheiro é rei.” E, sim, está mesmo a falar de cash.
“Poupa dinheiro e preserva o máximo de liquidez possível. Se isso significar optar por arrendar ou mesmo por viver em casa dos teus pais, tudo bem. O mercado imobiliário está prestes a sofrer uma grande correção que pode levar anos a desaparecer. E, num ambiente de inflação elevada, poupar dinheiro é mais importante do que acumular dívidas”, ensina.
“A dívida do cartão de crédito entre as pessoas com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos é também a mais elevada em comparação com qualquer outra faixa etária, pelo que deves ser mais cauteloso com os gastos excessivos.”
UM TUBARÃO NADA FOFO
Matt Higgins é um tubarão e não consta que seja fofo como “Bruce”, o gigante Carcharodon carcharias que no filme À Procura de Nemo tem de repetir constantemente o mantra “Os peixes são amigos, não comida!” para não engolir, sem querer, “Marlin”, o pai do pequeno peixe-palhaço, e a sua amiga “Dorie”.
Não consta sequer que Matt seja vegetariano, embora numa das suas passagens pelo programa Shark Tank, no canal ABC, em outubro de 2018, o conhecido empresário americano tenha investido no Beyond Sushi, um conceito de restaurantes vegan.
“Não invisto em ideias. As ideias são baratas. Invisto em pessoas, pessoas especiais, que têm o que é preciso para pegar nessa ideia e ir mais longe”, disse, nessa emissão, o então vice-presidente do Miami Dolphins (clube de futebol americano, nada a ver diretamente com os mamíferos fofinhos).
Mais do que na cadeia de restaurantes Beyond Sushi, Matt quis investir no seu dono, o chef Guy Vaknin. Interessou-se por ele ao saber que tinha crescido num kibutz, em Israel, imerso na agricultura desde miúdo. Que aprendera a cultivar alimentos para o benefício de uma comunidade no seu todo. E que, como se costuma dizer, pensava fora da caixa.
No programa, o próprio Matt contou como cresceu “muito pobre”, no bairro nova-iorquino Queens. E de como tomou uma decisão muito cedo de não deixar que a pobreza ditasse o resto do seu futuro, como bem explica nesta entrevista.
Matt começou a sua carreira como o mais jovem assessor de imprensa da história da cidade de Nova Iorque, onde ajudou a gerir a resposta global dos media durante os atentados de 11 de setembro de 2001. Mas para o percebermos, temos de recuar aos seus 16 anos.
Foi com essa idade que decidiu abandonar o liceu e fazer o GED (Teste de Desenvolvimento Educacional Geral, na sigla em inglês), na verdade quatro testes, de artes da linguagem, matemática, estudos sociais e ciências.
Pôde, assim, inscrever-se na universidade mais cedo, acabando por obter o seu doutoramento em Direito sempre a estudar à noite, enquanto trabalhava a tempo inteiro. Foi a única maneira que encontrou para conseguir continuar os estudos, enquanto ajudava a mãe, solteira e doente, a cuidar dele e dos seus três irmãos.
Hoje com 48 anos e um património líquido estimado em 140 milhões de euros, Matt Higgins não quer que os jovens caiam no erro de seguir conselhos que, em vez de lhes facilitarem a vida, podem dificultá-la.