O historiador e deputado Rui Tavares apresentou-se, esta sexta-feira, no julgamento de Mamadou Ba, como testemunha abonatória do ativista antirracista no processo em que este é acusado de difamar, numa publicação do Facebook, o neonazi Mário Machado.
Perante a juíza Joana Ferreira Antunes, o parlamentar do Livre voltou a referir que Mário Machado “esteve envolvido” nos acontecimentos do dia 10 de junho de 1995 que resultaram no assassínio de Alcindo Monteiro. “O próprio Supremo Tribunal diz [na sentença daquele processo] que, pelos acontecimentos daquela noite, eram responsáveis por todas as agressões – que resultaram na morte de Alcindo e noutras agressões graves – todos os agressores” que participaram naqueles acontecimentos.
“Existe, por isso, uma responsabilidade moral coletiva”, afirmou Rui Tavares, defendendo, por isso, que a opinião de Mamadou Ba sobre Mário Machado – que colocou o ativista antirracista no banco dos réus – “é válida”.
O próprio Rui Tavares já tinha, aliás, partilhado a mesma posição, em artigo, publicado em 2018, no jornal Público. Na sessão anterior deste julgamento, Mário Machado garantira que, na altura, pensou “em processar Rui Tavares” pelo seu texto, mas que acabou por não fazê-lo por considerar que, uma semana depois, o historiador ter-se-ia “retratado” num segundo artigo de opinião. Rui Tavares recusa, porém, esta leitura, garantindo que “não se retratou” e que mantém que os crimes em causa resultaram de “uma intenção colectiva de perseguir uma raça”.
A terceira sessão deste julgamento foi ocupada pelas declarações de cinco testemunhas arroladas pela defesa, que, durante quase três horas, procuraram destacar os papéis, diametralmente opostos, que, nos últimos anos, Mamadou Ba e Mário Machado têm protagonizado na sociedade portuguesa.
Entre os testemunhos, destacou-se o de Alexandra C., que estava presente no Bairro Alto, no dia 10 de junho de 1995, quando um grupo de militantes de extrema-direita decidiram agredir todos os indivíduos negros com quem se cruzavam. Por videoconferência, Alexandra C, que, a partir dessa data, passou a participar em ações antirracistas, recordou os acontecimentos daquela noite.
O antirracismo no banco dos réus
Recorde-se que na origem deste processo está um texto publicado, no Facebook, por Mamadou Ba, no dia 14 de junho de 2020, em que este voltou a considerar Mário Machado “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro”.
O texto de Mamadou Ba surgiu na sequência de críticas a acontecimentos ocorridos quatro dias antes (no feriado de dia 10), depois de um grupo de neonazis ter decidido organizar uma ação nacionalista, no largo do Chiado, precisamente ao mesmo tempo em que decorria uma homenagem a Alcindo Monteiro, por ocasião do aniversário da sua morte, a somente 200 metros de distância – precisamente onde foi assassinado, 25 anos antes, na Rua Garret.
A ação nacionalista contou com a presença, entre outros, de João Martins, condenado a 17 anos pelo homicídio de Alcindo. Naquela rede social, Mamadou Ba denunciou a provocação e lamentou o facto de João Martins ter passado, todos estes anos, “pelos pingos da chuva do escrutínio público”, longe dos olhares mediáticos, ao contrário de outro parceiro ideológico, Mário Machado, que o autor do texto descreveu como “uma das figuras principais do assassinato de Alcindo”.
Mário Machado fazia, de facto, parte do grupo de extrema-direita que, na noite do dia 10 de junho de 1995, decidiu espalhar o terror pelas ruas de Lisboa, agredindo e matando indivíduos de raça negra. O conhecido neonazi acabaria condenado, sim, mas “apenas” pelos crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, pelos foi condenado a quatro anos e três meses de prisão, pena depois reduzida para dois anos e meio.