A 11 de abril, um académico mexicano, Carlos Pérez Ricart, recorreu a uma canção infantil para escrever sobre algo muito sério: “Ninguém o sintetiza, ninguém o transporta, ninguém o consome. É obra do Espírito Santo. Cúcuta Mácara Títere Fue.” A última frase funciona também como um trava-língua para crianças, que o professor de Ciências Económicas usou para caricaturar o fentanil. Esta substância anestésica criada há seis décadas, que se converteu num opiáceo sintético, é agora responsável por uma brutal crise de saúde pública no continente americano, em especial nos EUA. Entre agosto de 2021 e o mesmo mês do ano passado, perto de 100 mil pessoas perderam a vida devido a sobredoses fatais provocadas por esta droga terrivelmente barata (50 cêntimos por comprimido) e letal (50 vezes mais potente do que a heroína e 100 vezes a morfina). Só na cidade de São Francisco, no primeiro trimestre deste ano, registou-se um óbito a cada dez horas, e as autoridades da metrópole californiana receiam que a situação se agrave.

A administração Biden reconhece que o número de vítimas mortais deve já rondar as duas centenas por dia. As principais redes do crime organizado há uma década que investem nos opiáceos sintéticos, usados para misturar com outras drogas (casos da cocaína e das metanfetaminas), maximizando os lucros. “Não estamos a fazer progressos”, garante o congressista David John Trone, citado pela revista The Economist. De acordo com um estudo liderado por Keith Humphreys – que inclui vários especialistas da Universidade de Stanford e outras instituições americanas –, haverá 1,2 milhões de overdoses até ao final da década. Ou seja, o fentanil – a par do OxyContin e quejandos – poderá matar, se nada for feito, muito mais do que a Covid-19.