Jack o Estripador espalhava o terror pelas ruas de Londres, cortando a garganta e esventrando prostitutas da zona de Whitechaple, e Leonarda Cianciulli matou três mulheres, transformando os corpos em bolos e barras de sabão. Elizabeth Bathory esfaqueava as vítimas ou obrigava-as a caminhar nuas na neve até morrerem, para depois tomar banho no sangue das mesmas.
Já Ed Gein colecionava corpos de mulheres que assassinava ou roubava em túmulos e usava partes deles para decorar a casa ou transformar em peças de roupa. E acabou por servir de fonte de inspiração para três dos mais famosos psicopatas ficcionais de todos os tempos: Norman Bates (Psycho), Leatherface, (Massacre no Texas) e Buffalo Bill (Silêncio dos Inocentes).
Mas o que une um violador do século XIX, uma mulher italiana dos anos 1940, uma condessa do século XVI e um “faz-tudo” americano dos anos 1950?
Não, não é apenas o facto de matarem sem dó nem piedade, mas uma série de traços de personalidade típicos dos chamados psicopatas: charme, narcisismo, falta de empatia, impulsividade, manipulação ou mentira
Apesar de os exemplos mais conhecidos, que chegam ao grande ecrã, aos documentários televisivos ou às manchetes dos jornais, serem aqueles de assassinos em série, o psiquiatra Henrique Prata Ribeiro sublinha que “a maior parte dos psicopatas não são assassinos”.
“Por isso é que até se diz que, muitas vezes, os “psicopatas” chegam a CEOs de grandes empresas”, continua o psiquiatra. Altamente focadas em objetivos, normalmente muito sedutoras, capazes de manipular os outros e envolvê-los nas suas causas, se tiverem de descartá-los, estas pessoas, “como não sentem empatia nem remorsos, conseguem fazê-lo facilmente”.
12% dos senior leaders de corporações norte-americanas apresentam traços psicopáticos
Por definição, a psicopatia é uma forma “negra” da chamada perturbação de personalidade anti-social. “As pessoas com esta perturbação não têm empatia com os outros, não sentem remorsos e, por isso, tomam sempre a decisão que acham que mais facilmente serve os seus objetivos”, explica Henrique Prata Ribeiro .
De acordo com um estudo de 2016 do psicólogo Nathan Brooks, publicado no site da Sociedade Australiana de Psicologia, 3% a 21% dos CEOs são provavelmente psicopatas. Em 2021, a revista Fortune descobriu ainda que 12% dos senior leaders de corporações norte-americanas apresentavam traços psicopáticos.
Para ilustrar o quão bem estes homens e mulheres conseguem mover-se dentro da sociedade, o médico dá o exemplo de todos aqueles que, gerindo uma empresa, projeto ou país, são altamente sedutores, manipuladores, com um “enorme culto da pessoa, do ego e da própria imagem”, ultra-agressivos quando são atacados e dispostos a deitar por terra a própria empresa, projeto ou Estado que lideram se tal for necessário para servir os interesses pessoais.
Porém, o “psicopata clássico”, chamemos-lhe assim, cuja história chega a livros, filmes e documentários televisivos, é uma versão grave deste tipo de problema. Ou seja, estamos perante aquilo que a psiquiatria chama uma Tríade Negra.
Sinais de alerta
Na tríade negra, a perturbação de personalidade anti-social surge associada a uma perturbação de personalidade narcisista e à malevolência. “Aqui já falamos de pessoas que, além da falta de empatia, de remorsos e do à vontade para descartar os outros, têm traços narcísicos marcados, como a tendência para o seu próprio endeusamenteo e um culto da imagem exagerado, são muito agressivas quando são atacadas e querem fazer mal só porque sim”, afirma Prata Ribeiro, habituado a lidar com tal cenário na prisão de alta segurança de Monsanto, onde também trabalha.
“Já avaliei uma pessoa que me descreveu passo por passo como é que matou uma pessoa e o prazer que lhe deu sentir a vida do outro esvair-se do corpo, através do uso das próprias mãos. Esta pessoa é um exemplo clássico de alguém que tem a tríade negra e que me explicou que teve sempre prazer em fazer mal e magoar os outros. E é alguém sedutor, altamente manipulador”, conta.
Como perceber se estamos na presença de um psicopata? Pode ser complicado. E ainda mais complicado perceber se chegaria ao ponto de matar alguém. O traço de personalidade mais evidente parece mesmo ser a falta de empatia.
“Para um psicopata, a vida humana tem um determinado valor e se tiver de sacrificar uma vida humana, para salvar algo que acha que é maior ou que vale mais, não tem problema com isso. São pessoas que não têm uma avaliação empática do que é a interação com os outros”.
Além da falta de empatia, Henrique Prata Ribeiro explica que alguns dos sinais de alerta são “pessoas que sejam altamente manipuladoras, sedutoras, que não tenham qualquer problema em descartar outras e em tomar decisões que apenas favoreçam o seu próprio caminho, que já tenham tendência para serem agressivas ou altamente prejudiciais aos outros, mesmo que seja através de violência psicológica”.
O teste do psicopata
Ainda que ninguém possa auto-diagnosticar-se oficialmente, ou a alguém que conheça, como psicopata, existe um teste de 20 perguntas (ver caixa), criado pelo psicólogo canadiano Robert D. Hare, na década de 1970, usado pelos profissionais para avaliar casos de psicopatia.
De acordo com a Business Insider, “em cada pergunta, o sujeito é classificado numa escala de 3 pontos: (0 = não se aplica, 1 = aplica-se de certa forma, 2 = aplica-se definitivamente). As pontuações são somadas para criar uma classificação de zero a 40. Qualquer um que pontuar 30 ou mais, provavelmente é um psicopata”.
O teste do psicopata
- Exibe loquacidade e charme superficial?
- Tem uma opinião grandiosa (exageradamente alta) de si mesmo?
- Sente uma necessidade constante de estimulação?
- É um mentiroso patológico?
- É astuto e manipulador?
- Sente falta de remorsos ou culpa?
- Tem afetos superficiais (resposta emocional superficial)?
- É insensível e carece de empatia?
- Tem um estilo de vida parasita?
- Tem problemas em controlar o temperamento?
- É sexualmente promíscuo?
- Apresentou problemas de comportamento logo em idade precoce?
- Não tem metas realistas de longo prazo?
- É muito impulsivo?
- É irresponsável?
- Tem dificuldade em assumir a responsabilidade pelas suas próprias ações?
- Teve muitas relações conjugais de curto prazo?
- Tem histórico de delinquência juvenil?
- Já registou alguma revogação de liberdade condicional?
- Exibe traços de versatilidade criminal (variedade na tipologia de crimes praticados)?
O mal está nos genes?
Mas o que leva alguém a matar pelo simples prazer de matar, sem a motivação da vingança, do ódio, da revolta? “É muito difícil antecipar isso, mas, normalmente,uma tendência para um comportamento violento de base é o melhor indicador”. Henrique Prata Ribeiro defende que existe uma base dependente das vivências da pessoa e conta, por exemplo, que, de acordo com o que vê na prática clínica na prisão de Monsanto, “a maioria das pessoas que infligiu atos violentos, também foi vítima de violência na ou teve uma infância com traumas fortes”.
Depois, há também uma percentagem dependente de fatores genéticos. Dez por cento, para sermos mais precisos, segundo um estudo da Universidade de Cambridge, publicado em 2018 na revista Translational Psychiatry. “Só podemos classificar alguém após os 18 anos, mas existem traços de personalidade que já podem alertar. Um dos principais sinais apontados como reveladores de falta de empatia, quando se fala da infância, é a inflição de maus tratos em animais sem qualquer remorso”.
A psicopatia pode anular uma condenação?
Não. A condição não cai dentro das doenças que conferem inimputibilidade, ao contrário, por exemplo de certos tipos de esquizofrenia. E porquê? Porque, apesar de estar listada como uma perturbação de personalidade, “não impede a pessoa que comete um crime de ter perfeita noção do que está a fazer, das consequências dos seus atos e da relevância legal do crime que está a cometer”, assegura Henrique Prata Ribeiro.