O artista russo, Kuril Chto, que vive em Lisboa desde 2017, vai deixar marcada a sua assinatura na parede de uma das ruas do bairro da Graça, em Lisboa. O objetivo é mais do que assinalar um ano da invasão das tropas russas à Ucrânia, um conflito, contudo, que já começou há mais tempo: continuar a relembrar todos de que a guerra ainda não acabou.
Este vai ser, precisamente, o título da obra que vai ficar exposta no número 2 da Rua Damasceno Monteiro, “no meio do triângulo magnético dos miradouros”, lê-se no comunicado: o da Graça abaixo, o da Senhora do Monte acima e o dos Barros em frente. “A obra nasce onde confluem o Ser Poeta de Florbela Espanca e os azulejos com estrofes de Sophia de Mello Breyner e Natália Correia”.
Ligada a este projeto está a ativista russa Ksenia Ashrafullina, que ajudou o artista “a encontrar palavras certas em português”, auxiliando com a criação do texto sobre a obra, como explicou à VISÃO. “Pessoalmente, adorei a ideia”, conta. “Enquanto ativista, os meus comentários nos diretos duram tanto quanto uma transmissão, os meus comentários nos jornais, fora do presente próximo, nunca mais vão ser re-lidos, mas uma obra pintada na parede ficará durante décadas a relembrar constantemente a quem passar que a guerra aconteceu e que nunca podemos deixá-la fazer parte do quotidiano”, afirma.
Em Objetos, criada em tempos de paz, o artista desenhou estendais sem fim, colocados em contextos mais insólitos, sempre com a roupa para secar ausente. Nesta nova realidade “desastrosa”, aparece um estendal de casa com um “detalhe inquietante”, a farda militar.
“A roupa a secar e os estendais são os primeiros objetos que chocam a quem vem a Portugal”, explica Ashrafullina, acrescentando um estendal é “um objeto mais quotidiano e presente no teatro privado de cada português”. “É algo mundano que de repente leva algo tão inquietante como uma farda militar, em si um objeto produzido em série para uma morte em série”, remata.
Chto é natural de São Petersburgo, na Rússia, e em 2012 fundou , geriu e fez curadoria do Museu da Arte de Rua, um dos locais mais icónicos da cidade. Cinco anos depois, o artista foi obrigado a abandonar o projeto e, inevitavelmente o país, não só devido à cooperação com artistas ucranianos que levou a exibir no museu, mas também à sua oposição ao regime e postura crítica que assumiu relativamente à anexação russa da Crimeia.
É na capital portuguesa que tem, ao longo dos últimos anos, criado “livremente sobre os temas que o perturbam, a política e a violência” procurando objetos do dia-a-dia, reproduzidos em massa, “que revelam os mecanismos de funcionamento da civilização capitalista”.
“A guerra ainda não acabou” nasceu com o apoio da Galeria de Arte Urbana do Departamento de Património Cultural da Câmara Municipal de Lisboa (GAU), que promove, juntamente com a comunidade artística, o graffiti e a street art nas ruas da capital.