Esta é a primeira vez que a Polícia Judiciária (PJ) admite a presença em Portugal do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior e mais perigosa organização criminosa da América Latina; apenas internamente, para já. Segundo a VISÃO apurou, nos corredores da Gomes Freire já ninguém tem dúvidas em dar como verdadeiros os alertas que, nos últimos meses, têm chegado com insistência das autoridades brasileiras.
A VISÃO sabe que esta nova abordagem surge depois de a PJ ter sinalizado quatro indivíduos – todos de nacionalidade brasileira –, com residência fixa em Portugal, que seriam confirmados como membros “batizados” do PCC (a designação que se dá aos integrantes de corpo inteiro do grupo), na sequência de investigações que contaram sempre com a colaboração da Polícia Federal brasileira.
Destes quatro elementos, três já se encontram detidos na prisão de Monsanto: Dilermando Lisboa Mello, conhecido como D. Lisboa, que liderava uma rede que importava polpa de fruta congelada do Brasil para a Europa, foi detido em abril de 2020; Flávio Oliveira, que terá tentado montar em Portugal a maior célula do PCC na Europa, foi preso em novembro de 2022. Já esta semana, a PJ terá detido um terceiro homem, suspeito de pertencer ao grupo, mas a sua identidade mantém-se em segredo.
A VISÃO divulgou, em outubro passado, que o MP de São Paulo tinha, pela primeira vez, confirmado oficialmente a presença do PCC em Portugal
O 4.º nome desta lista, apurou a VISÃO, será o de Leonardo Serro dos Santos, suspeito de liderar o PCC em Portugal, que chegou a ser detido pela Interpol no Médio Oriente, em novembro passado, mas que seria libertado apenas 45 dias depois, uma vez que as autoridades brasileiras não fizeram chegar, dentro do prazo legal, nenhum pedido de extradição formal em nome deste suspeito. A VISÃO sabe que, assim que regressou à liberdade, Leonardo Serro dos Santos terá passado um período na sua casa em Parede, Cascais, mas, no início desta semana, terá regressado ao Dubai, emirado onde vive com a família desde janeiro de 2022.
Embora muitos outros nomes tenham surgido, nos últimos meses, como tendo ligações ao PCC – entre os quais o português Rúben Oliveira, que usa a alcunha de “Xuxas”, apontado como o principal operacional na Europa daquele que é considerado o maior narcotraficante brasileiro, Sérgio Roberto de Carvalho, conhecido como Major Carvalho e “Escobar brasileiro”, atualmente detido na Hungria –, a PJ acredita, neste momento, que apenas estes quatro elementos fazem, de facto, parte da organização. De resto, a PJ não descarta que muitos outros têm vindo a fazer “tentativas de aproveitamento, com recurso ao nome do PCC, apenas para ganhar alguma vantagem” no universo do tráfico internacional de droga – nomeadamente, nos negócios da cocaína originária da Colômbia, Bolívia e Perú.
Apesar desta novas conclusões, não está, para já, prevista qualquer comunicação oficial, por parte da PJ, sobre este tema.
Alertas (antigos) do Brasil
Recorde-se que, após vários anos de suspeitas e especulações, as autoridades brasileiras confirmaram, no final do ano passado, a presença em Portugal do PCC. Como a VISÃO adiantou, na sua edição de 6 de outubro, uma investigação do Ministério Público (MP) de São Paulo, liderada pelo procurador Lincoln Gakiya, concluiu que, pelo menos, 42 membros desta organização criminosa tinham residência fixa no País no final de 2021 – o que seria a primeira confirmação formal da presença deste grupo em Portugal.
Mais recentemente, em dezembro do ano passado, a Polícia Federal brasileira alertou formalmente a PJ e o MP português para a presença do PCC em Portugal, num encontro, realizado à distância – por via telemática –, que reuniu numa sala da sede da PJ, em Lisboa, os principais nomes ligados ao combate a este tipo de criminalidade em Portugal.
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PCC: “o grande problema”
Fundado no dia 31 de agosto de 1993, o PCC começou por ser uma resposta ao episódio que ficaria conhecido como Massacre do Carandiru. Dez meses antes, no dia 2 de outubro de 1992, uma rebelião no interior da Casa de Detenção de São Paulo (chamada de Carandiru), sobrelotada com mais de sete mil pessoas, seria brutalmente reprimida pela Polícia Militar, que executou 111 detidos.
O PCC surgiu como “sindicato” dos presos, cansados das más condições de vida nas prisões brasileiras, através do qual pretendiam reivindicar mais e melhores direitos. Gradualmente, porém, o grupo foi invertendo a relação de forças.
A partir das prisões, saiu para as ruas, começando por se dedicar a assaltos e sequestros apenas no estado de São Paulo, até que o negócio do tráfico internacional de drogas permitiu à organização dar um “salto”. Em 2021, o Presidente norte-americano, Joe Biden, decidiu incluir o PCC numa lista negra de organizações criminosas que representam riscos para os Estados Unidos da América – e que também inclui grupos terroristas como a Al-Qaeda e o Hezbollah, entre outros.
Atuando com grande violência contra os opositores – está ligado ao assassinato de políticos, polícias, magistrados, entre outros –, o grupo ultrapassou as fronteiras do estado e depois do país.
Com (apenas) 40 mil membros “batizados”, o PCC conta ainda com uma networking que envolve pessoas em países da América do Sul, dos Estados Unidos, de África e da Europa. As autoridades brasileiras acreditam existem 1.600 membros do grupo a viver fora do Brasil – que descrevem como sendo, atualmente, “o grande problema” daquele País.