As festas do final de 2022 já se arrumaram num cantinho da memória. Está frio, a chuva é uma ameaça constante, os dias são curtos e as dívidas inversamente proporcionais às horas de luz. Já para não se falar de cenários mais globais, como a guerra na Ucrânia e a inflação que daí advém. Sentir-se triste, especialmente hoje, não será caso para preocupação. Dizem que a terceira segunda-feira do ano é o dia mais deprimente – sem qualquer evidência científica.
Esta construção nasceu em janeiro de 2005, num press realease da agência de viagens Sky Travel e foi usada depois para estimular a marcação de férias de forma a apaziguar os efeitos nefastos da blue monday. O cálculo incluía uma série de variáveis, como a meteorologia, as dívidas acumuladas nas festas, o tempo decorrido desde o Natal, os dias que ainda faltam para se receber o ordenado, a assunção das falhas nas resoluções de ano novo ou níveis de motivação em baixo. Mas muito pouco disto pode ser quantificável e tratam-se de realidades muito diferentes para serem metidas todas numa mesma equação.
“Isto é mais ou menos como a Black Friday e tem pouco a ver connosco”, nota José Luís Pais-Ribeiro, professor do ISPA – Instituto Universitário e da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
A autoria do cálculo é atribuído ao psicólogo Cliff Arnall, antigo professor na Universidade de Cardiff, no País de Gales. E até este psicólogo se sente defraudado com o resultado da equação, pois era suposto ela servir inspirar as pessoas e não deprimi-las ainda mais. Até porque a depressão é um assunto complexo – números da Organização Mundial de Saúde estipulam que cerca de 280 milhões de pessoas sofram atualmente dessa doença em todo o globo.
Independentemente de se ter ou não uma condição relacionada com a saúde mental, “há períodos do ano em que as pessoas pioram a sua disposição e humor, porque está frio e os dias são mais tristes”, esclarece Pais-Ribeiro. “A luminosidade, ou falta dela, por exemplo, marca muito as pessoas.”
Nessas alturas, em que nos vamos abaixo, “há que mudar os pensamentos, procurar estar com amigos ou familiares, fazer coisas de que se goste.” O especialista aconselha ainda a que não nos deixemos afundar, nem fiquemos quietos. “Devemos reagir, organizar a vida para combater esse abatimento, especialmente se não houver razão para nos sentirmos assim.”
No entanto, salienta o psicólogo, algumas pessoas gostam de estar tristes, ensimesmadas, sem que isso represente um problema. “Podemos sempre tirar boas ideias de dentro de nós. É positivo olhar para dentro, mas sem exageros.”
Note-se que a depressão sazonal, normalmente relacionada com as condições meteorológicas típicas do inverno (também existe no verão mas é menos comum), é uma realidade comprovada e que afeta 1 a 10% das pessoas, de acordo com uma revisão de estudos publicada no jornal The Physician and Sportsmedicine.
Esta perturbação afetiva sazonal carece de tratamento tal como uma depressão major. A psicóloga Joana de Almeida explica que ela ocorre especialmente pela diminuição da luz que vai provocar a imediata quebra da serotonina, a chamada hormona da felicidade. Ao mesmo tempo, com as noites mais longas, há um aumento da melatonina, aquela que nos faz sentir sono mais cedo e algum cansaço inesperado.
A especialista traça algumas estratégias para prevenir o aparecimento desta condição que, apesar de ser sazonal, pode não passar sem ajuda terapêutica. “Devemos abrir as janelas para deixar entrar a luz solar, combatermos a procrastinação na hora de levantar, para aproveitar bem o dia, praticar exercício físico, manter um estilo de vida e uma alimentação saudáveis. Mas cada um tem de encontrar o seu kit de autocuidado.”
Caso a perturbação se instale, há que recorrer então à psicoterapia (ou a fármacos) com o fim de se ganhar ferramentas para lidar com os obstáculos e gerir o stress.