Há montes e vales difíceis de escalar. E o Kpone é um desses, sem qualquer beleza natural ou atrativo turístico. A esse aterro sanitário, localizado a cerca de 40 quilómetros de Acra, capital do Gana, país da África Ocidental onde um quarto da população vive na pobreza, vão parar todo o tipo de detritos, desde lixo doméstico a sacos de plástico, de restos de comida a roupas velhas, das impetuosas compras de fast fashion.
É escusado tentar contabilizar quantos pares de sapatos ou de ténis, quantas t-shirt’s, calças de ganga, vestidos ou acessórios de tantas marcas internacionais ali descansam, qual cemitério de fósseis. É uma morte tão indigna quanto as condições de trabalho deploráveis das pessoas (incluindo milhares de crianças) que as manufaturaram.
Afinal, sabemos o que acontece às roupas descartadas por todos nós no lixo? Mesmo que esse abandono seja feito em depósitos solidários, entregar roupa que já não se quer nas instituições religiosas ou de solidariedade social não é sinónimo de uma segunda vida ou de mais anos de reutilização.
As intenções são boas, o pensamento é sempre ajudar quem mais precisa, apesar de para nós essas roupas serem descartáveis. Mas, a verdade é que não há procura suficiente para dar vazão às enormes quantidades de peças em segunda mão e de baixa qualidade doadas.
Em Acra fica também o Kantamanto, um dos maiores mercados de roupa em segunda mão de toda a África Ocidental, que só existe devido à superprodução bruta e à subvalorização das roupas. Esse é um problema global, com os Estados Unidos da América a liderar a exportação anual, com mais de mil milhões de dólares de roupas usadas.
Para quem tem de as vender, não significa mais dinheiro ao fim do mês. Quanto mais peças de fast fashion são doadas, mais pressão existe para que os vendedores façam circular menos roupas por mais. O vestuário não só não é de boa qualidade (capaz de durar uma segunda ou terceira vida), como também não tem o estilo ou é feito dos tecidos que os ganenses mais apreciam. Isso obriga-os a fazer o que todos os que deitam fora roupa acreditam que não acontecerá: percorrem milhares de quilómetros apenas para serem colocadas no lixo, sem a tão solidária segunda vida, provocando mais poluição e impacto ambiental do que se tivesse sido descartado em países desenvolvidos, para não falar do impacto ambiental do custo de transporte de todos esses resíduos.
Por cada três peças vendidas no mercado de Kantamanto, duas vão para o lixo. Mais de metade das roupas que chegam a Acra vão para o aterro Kpone. Uma rotatividade que tornou Kantamanto o ponto de recolha de lixo mais consolidado em toda a cidade e, possivelmente, em todo o país.
Ainda assim, apenas cerca de 25% do total de resíduos de Kantamanto é enviado para o aterro sanitário. Outros 15% são recolhidos por quem anda à cata do lixo que podem despejar ilegalmente em cursos de água, enterrar nas praias, queimar em terrenos baldios ou simplesmente deixá-los à beira da estrada. Esses despojos sem qualquer tipo de vigilância esteve na origem de um surto de cólera em 2014, que matou 243 pessoas.
Para cada campanha sobre doação ou devolução de roupas, deveriam ser feitas outras cinco a demonstrar o trabalho necessário para dar uma nova vida a essas roupas e quanto disso realmente é despediçado.
Mas porque haveria de o fim das roupas ser de outra forma? O início do processo já enviou a mão-de-obra e a produção para o exterior, para países onde a falta de regulamentações torna tudo mais barato. Agora, acontece precisamente a mesma coisa com as roupas que chegam ao fim, levando a que que países sem uma infraestrutura de confiança sejam inundados de lixo.
Faz sentido investir tantos recursos na produção de uma peça de roupa, enviá-la para o outro lado do mundo para ser vendida, usá-la apenas algumas vezes e depois voltar a enviá-la para o outro lado do mundo para que acabe? Esses têxteis nos aterros são uma fonte de emissões de gases com efeito de estufa. A solução passaria por reutilizar, mais do que reciclar: usar uma peça de roupa o dobro do tempo reduziria as emissões de gases com efeito de estufa em 44 por cento. Não existe “moda sustentável”, a coisa mais sustentável é não comprar. Perguntas, respostas e considerações sobre “a vida e a morte de uma peça de roupa” de Maxine Bedat, autora do livro Unraveled: The Life and Death of a Garment (edição Portfolio/Penguin Random House).