Por ironias que a atualidade tece, a conversa aprazada com o presidente da CP calhou no dia em que o ministro das Infraestruturas parecia destinado a abandonar o Governo pela porta pequena e a alta velocidade. Em causa, o polémico despacho sobre o novo aeroporto que apanhou o primeiro-ministro longe de casa e às cegas. Na tarde de 30 de junho, Pedro Moreira chegou impávido às oficinas de manutenção dos comboios pendulares em Contumil (Porto): sem angústias existenciais, semblante perturbado ou melancolia de apeadeiro. Socialista distante, desses sem cartão de “boy” para certos “jobs”, nada do seu percurso profissional se deve, garante, a essas afinidades. Daí também dispensar calculismos. “Não tenho ídolos nem uma ligação especial com o PS. Valorizo ações e acredito que as decisões políticas dependem mais das pessoas do que dos partidos”, esclarece, sem engasganços. “O ministro Pedro Nuno Santos aproximou-se de quem defendia o setor, ouviu-nos e sentimos o compromisso do Estado com a ferrovia. Noutros tempos, desiludi-me e até fiquei de pé atrás; mas, desta vez, sinto que a prática acompanha o discurso.”
Nascido na dura geografia duriense de Mesão Frio, Pedro Moreira é filho de pai maquinista e mãe doméstica, família sem grandes posses. “A pobreza nunca foi a das grandes cidades e tira-se sempre alguma coisa da terra para comer. Era o nosso caso.” Amamentado aos laços da ferrovia desde o berço, por muito que demorasse a fazer escolhas, o engenheiro eletromecânico decidiu cedo, ainda assim, que não ficaria a ver os comboios passar. Caso contrário, já teria desengatilhado afetos e mudado a agulha em direção a outras paragens, talvez mais apelativas pelo lado financeiro. A cultura ferroviária, e a memória dela, prenderam-no de amores à empresa com a qual os portugueses mantêm uma relação esquizofrénica: “Segundo o nosso estudo de satisfação, a imagem da CP é melhor junto dos clientes habituais do que das pessoas que nunca utilizam o comboio. Essas têm uma péssima imagem da empresa”, desvenda, aos 47 anos, de sorriso algo irónico, perante este traço tão português.
“Só com muita carolice, dedicação e capacidade técnica acima do normal” se pode ter a CP sem material circulante novo há 20 anos, assinala gestor