Queixa-se de ser vítima de russofobia e de “linchamento por ser desalinhado de uma narrativa ‘oficial’”, está a ser investigado pelo SIED e trabalha para a Presidência do Conselho de Ministros. Alexandre Guerreiro, doutorado pela Faculdade de Direito de Lisboa (FDL) e comentador televisivo, ficou por deliberação, por unanimidade, fora da lista das admissões que foram aprovadas na sexta-feira para o Centro de Investigação de Direito Público da FDL na reunião do Conselho Científico. Na intrincada linguagem jurídica, foi decidida uma “suspensão da votação sobre a adesão sine die”, devido às suas intervenções públicas na SIC Notícias e nas redes sociais em defesa da posição russa na Guerra da Ucrânia, que têm gerado enorme polémica, e suscitaram oposição e discussão acesa naquele órgão.
O que pensa o jurista sobre a Guerra na Ucrânia, as agressões russas e os alegados crimes humanitários e em que normas de direito se apoia? Alexandre Guerreiro aceitou responder, por escrito, a uma entrevista esclarecedora.
Tendo em conta o elevado número de vítimas e os enormes danos causados pela guerra, dorme bem com o facto de defender as posições do agressor, leia-se, a Rússia, e orgulha-se de ter dado cobertura legal ao início desta guerra?
Durmo bem por saber que em cada intervenção pública que tenho esforço-me para ser neutro e imparcial, ainda que por vezes não o pareça porque preocupo-me em dar a conhecer a forma de pensar e o que se passa do “outro lado” e se não alinho numa narrativa sou visto como “pró” qualquer coisa. Mas estou totalmente solidário com o sofrimento do povo ucraniano, que tem um país magnífico e não merece pagar por decisões políticas que não controla. Também penso no que fizeram à Líbia, ao Iraque, ao Iémen e ainda hoje fazem à Palestina, por exemplo. E não consigo compreender como é que há, em Portugal, quem consiga dormir bem com a forma como estes países foram simplesmente atropelados e destruídos e ainda hoje crimes internacionais são cometidos sem que nada seja feito.
Há neste momento uma guerra que foi iniciada pela Rússia?
Não. Não existem declarações de guerra por parte de qualquer uma das partes envolvidas nas hostilidades e só uma delas (Rússia) faz reivindicações concretas à parte contrária, que se limita a defender. Há variada doutrina que acompanha este raciocínio. Além disso, o Tribunal Internacional de Justiça nunca qualifica a intervenção militar russa como “guerra” ou “agressão”.
Quando a Rússia reconheceu a independência das duas províncias separatistas de Donbass, escreveu: “Trata-se de um passo percecionado como necessário e cuja legalidade tive a oportunidade de debater na passada semana, em Moscovo (…) Agora, seguem-se os próximos passos. Porque isto ainda é só o início”. A invasão militar do Donbass foi legal? E a invasão do resto da Ucrânia?
Quando me referi ao “isto ainda é só o início” referia-me ao plano previsto por Moscovo de realização de um referendo à autodeterminação em Donetsk e Lugansk para decidirem estes povos se queriam ser independentes ou regressar à Ucrânia com estatuto especial. Tenho defendido que intervenções desta natureza são unilaterais e, como tal, ilícitas. Todavia, se se reconhece a legalidade da intervenção no Kosovo e o seu estatuto, então este e outros precedentes que se lhe seguiram podem abrir caminho para que intervenções militares como a de Donbass sejam legais no futuro com base em razões humanitárias e, eventualmente, no contexto da legítima defesa de terceiros. A intervenção no resto da Ucrânia pode encontrar base legal na legítima defesa preventiva, embora algumas acções (Lviv por exemplo) me pareçam excesso de legítima defesa.
Que normas do direito internacional violou a Rússia ao invadir a Ucrânia e iniciar o conflito?
Todas as intervenções militares constituem “invasões” em sentido genérico. Umas são ilícitas, outras lícitas (contexto de legítima defesa). Se as intervenções no Kosovo, no Iraque, na Líbia, na Síria (EUA e países UE) e no Iémen forem consideradas agressões, então a intervenção militar russa também o será. Não houve maior atropelo ao direito internacional nos últimos 30 anos do que o caso do Kosovo. A considerar-se que há agressão, há a violação de vários princípios de direito internacional, alguns dos quais normas jus cogens: proibição de uso da força, proibição de ingerência, princípio da unidade e integridade territorial, princípio da igualdade de soberanias, primazia pela resolução de litígios por meios pacíficos.
Moscovo apontou a necessidade de assegurar que a Ucrânia pretendia aderir à NATO, acolher armas nucleares e reforçar o seu armamento e, com isso, invocou razões que podem ser suficientes para exercer a legítima defesa preventiva
O argumento da intervenção para desnazificação apontado pela Rússia tem valor jurídico no direito internacional?
Não. O “combate” ou a “guerra” a realidades abstractas como “pobreza”, “droga”, “fome”, “terrorismo” ou “nazismo” não constituem causas válidas para o uso da força. Mas não foi só esse o motivo invocado por Moscovo.
E Moscovo apresentou algum motivo com valor jurídico atendível à luz do Direito Internacional Público?
Sim. Moscovo apontou a necessidade de assegurar que a Ucrânia pretendia aderir à NATO, acolher armas nucleares e reforçar o seu armamento e, com isso, invocou razões que podem ser suficientes para exercer a legítima defesa preventiva.
Defende que os ucranianos não têm “soberania plena uma vez que são instrumentalizados e instruídos pelo Ocidente”. Em que artigos do Direito Internacional se baseia para fazer esta afirmação?
Nenhum Estado é dotado de soberania plena. Todos os Estados são juridicamente iguais e têm o direito de prosseguir livremente o exercício da sua soberania sem ingerência externa. Contudo, quando desse exercício resultar uma potencial ameaça à existência de um terceiro Estado, acaba aí o livre exercício de soberania. Desde 2013 que a Ucrânia não é um Estado politicamente livre, como tal, devemos manter reservas quanto a algumas tomadas pelos órgãos de jure soberanos da Ucrânia.
Mas em que normas concretas se baseia para afirmar que “a Ucrânia não é um Estado politicamente livre”?
O princípio de não ingerência determina que os Estados sejam plenamente livres na tomada de decisões soberanas, sem estarem sujeitos a coação ou pressões de terceiros. Os EUA e a União Europeia e várias instituições privadas financiaram o golpe de Estado Euromaidan entre 2013 e 2014 e praticamente todos os envolvidos no terreno tiveram lugares de destaque na estrutura de poder ucraniano e todos os envolvidos na orquestração e monitorização do golpe também (Biden tinha interesse especial e Victoria Nuland confirmou-o, Victoria Nuland e Wendy Sherman também, o filho de Biden integrou a administração da petrolífera ucraniana menos de 1 mês após a autodeterminação da Crimeia). Há documentos e relatórios que atestam a preparação, o treino, o financiamento e formas de mobilizar a população para o confronto. A Ucrânia tornou-se refém de Obama e, depois, de Biden. Logo, não é possível afirmar que os poderes soberanos ucranianos são livres na tomada de decisões.
[Em Moscovo] indiquei que é necessário que um território ou comunidade sejam reconhecidos internacionalmente como soberanos e formalizem um convite a um terceiro Estado para intervir. Se a ajuda for contra rebeldes no seu território, estamos perante ingerência por convite. Se a ajuda for contra um outro Estado, perante legítima defesa de terceiros
Quando se deslocou a Moscovo para participar num grupo de trabalho no MGIMO – Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo, deu a sua opinião enquanto jurista de que havia cobertura legal para a Rússia invadir o Donbass, depois de reconhecer as províncias separatistas como Estados soberanos. Em que artigo do Direito Internacional se baseia para fazer essa afirmação?
Não. Nunca dei a minha opinião no sentido de haver cobertura legal para intervir militarmente em Donbass. Eram quatro os oradores principais desse evento, cada um com um tema específico de Direito Internacional Público e envolvendo a Ucrânia. Uma das inúmeras perguntas que me fizeram foi “qual é o limite do direito internacional para justificar uma intervenção militar num outro Estado?” e eu indiquei que é necessário que um território ou comunidade sejam reconhecidos internacionalmente como soberanos e formalizem um convite a um terceiro Estado para intervir. Se a ajuda for contra rebeldes no seu território, estamos perante ingerência por convite. Se a ajuda for contra um outro Estado, perante legítima defesa de terceiros. Base legal: artigo 51.º da Carta e costume internacional.
Disse no dia 22 de fevereiro à Record TV Europa: “Se analisarmos a legalidade e evolução de todo o processo, posso concluir que tem todos os condimentos para ser um processo legal”. E explicou: “Estamos a falar de uma minoria, culturalmente ligada à Rússia, que só após o golpe de Estado de 2014 é que reivindicou a proteção pelo receio de perseguição, e perante a ameaça de genocídio desta população, não resta outra hipótese a não ser reconhecer-lhes soberania, e depois as autoridades de cada uma destas repúblicas formalizarem o convite para serem protegidas por um terceiro estado que é a Rússia.” Foi isso que aconteceu. Isto não é dar cobertura legal para intervir militarmente no Donbass?
Não. É dizer que a autodeterminação não é uma figura jurídica que se invoque em função de conveniências, mas a autodeterminação com objetivos separatistas só pode ser o último rácio quando inexiste ou foram frustradas todas as tentativas de um processo de negociações sobre um estatuto autonómico em conformidade com a dignidade da comunidade. Desde 2015 que a Ucrânia sempre fez de tudo para empatar essa autonomia e reduzi-la ao máximo e os relatórios da OSCE e do Conselho de Direitos Humanos da ONU são reveladores de ações hostis e persecutórias contra quem fale russo ou seja russófono. Se uma comunidade está em risco e não há hipóteses de manter as negociações sob pena de continuarmos a assistir a atos graves contra estes civis, então não será de excluir a hipótese de separatismo por já ser impossível recuperar qualquer estado intermédio. Foi o que sucedeu no Kosovo, com a agravante de, no Kosovo, já existir um acordo para a autonomia desta província, o que acelerou a independência para depois se dizer que esta não ia acontecer. Se para a situação mais grave isto é possível segundo os países ocidentais, as Repúblicas do Donbass não podem ser diferentes por pura conveniência.
O Tribunal Internacional de Justiça considera que as justificações adiantadas pela Rússia para a invasão (que incluem genocídio em Donbass) não são válidas. Dada esta deliberação, de 16 de março, como pode haver base legal para invocar “legítima defesa preventiva”?
O TIJ não considera que as razões não são válidas. O TIJ considera, sim, que a Rússia não apresentou provas de que tinha fundamentos para conduzir a intervenção militar que iniciou com base em aspetos humanitários. Recordo que a Rússia ainda só deduziu oposição ao processo na vertente formal, ou seja, questionou apenas que o TIJ seja competente para decidir sobre a causa. A Rússia não deduziu oposição quanto aos aspetos materiais e é aí que pode apresentar documentos e provas.
Acredita que a suas teses foram lidas por Putin e Lavrov e que ajudou de facto a encontrar uma cobertura legal para invadir o Donbass?
Não tenho qualquer base para afirmar em sentido positivo ou negativo. O que assevero é que todos os Estados, sobretudo os que têm projeção internacional, estão atentos ao que se investiga e estuda sobre eles e a ensaios que possam de certa forma indicar caminhos para o cumprimento das suas estratégias. Neste evento da MGIMO fez-se o que se faz em qualquer outro evento desta natureza ao nível internacional: é feita uma ata com os vários contributos e, neste caso, enviado ao Presidente Putin e ao Ministro Lavrov por incidir sobre uma questão sensível para o Estado russo. Se em Portugal isto não se faz…
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No seu entender, a Rússia tem respeitado neste conflito as regras do Direito Humanitário Internacional?
Não posso tomar posição sobre esse aspeto porque somos inundados com informação de todo o tipo constantemente, várias informações falsas, outras descontextualizadas e, no final, as notícias veiculadas pela imprensa podem ajudar a contextualizar alguns eventos mas não servem per se de prova em direito internacional. Se os ucranianos usam infra-estruturas civis para fins militares, a atuação russa é legal. Se não o fazem, estamos, no mínimo, perante crimes de guerra se houver dolo.
O exército russo tem atingido sistematicamente zonas residenciais, alvos civis, maternidades, hospitais, escolas, centrais nucleares. Como é que isto é justificável nos termos das leis da guerra? Porque é que não considerou, no caso do ataque à central de Zaporizhia, a figura jurídica do dolo eventual [conformação com os resultados] para censurar o ataque como a esmagadora maioria da doutrina?
Há informação muito contraditória sobre os ataques a maternidades, hospitais, escolas e até a centrais nucleares. Se houve intenção de as atingir, configura crime de guerra. Mas é preciso perceber que quem está em desvantagem numa intervenção militar procura soluções win-win: não há nada que mexa mais com o ser humano do que locais com crianças ou doentes e se quem defende utilizar maternidades, escolas e hospitais para se proteger, se não for atacado, sobrevive, se for atacado, usa como propaganda contra o atacante. O princípio da legalidade em Direito Internacional Penal diz que não há negligência salvo quando expressamente previsto. Já sobre o dolo eventual e o caso de Zaporidjya, não basta a suspeição de que um resultado paralelo ao pretendido possa verificar-se e conformar-se com isso (dolo eventual), é preciso, no mínimo, que o resultado paralelo seja “virtualmente certo” ou “praticamente certo” o resultado paralelo. É demagogia defender o dolo eventual num caso destes.
Putin e Lavrov praticaram crimes de guerra desde 24 de fevereiro? Devem ser julgados por eles?
Só posso responder se tiver em posse de toda a factualidade e prova relacionada. Se cometeram crimes de guerra devem ser julgados por isso (mas nunca no Tribunal Penal Internacional), na mesma medida em que Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama, Nicolas Sarkozy, Tony Blair, Petro Poroshenko e outros tantos também responderem pelos crimes que, por acaso, já estão devidamente identificados e pelos que ainda não o foram por falta de vontade internacional nesse sentido.
A Rússia é um Estado de Direito, há até inúmeros estudos internacionais comparativos que caracterizam a democracia russa, Putin cumpre a Constituição russa
Acredita que a Rússia é uma democracia?
Acredito. Tanto assim é que só agora abandonou o Conselho da Europa, que é uma organização que tem como um dos objetivos a proteção das democracias. Não podemos confundir especificidades culturais com ausência de democracia.
Na sua opinião, perante os desenvolvimentos recentes, Putin pode ser considerado um ditador?
Não. A Rússia é um Estado de Direito, há até inúmeros estudos internacionais comparativos que caracterizam a democracia russa, Putin cumpre a Constituição russa que teve alterações recentemente referendadas e até concentraram mais poderes no Parlamento. O sistema eleitoral é exatamente igual a qualquer outro ocidental. Putin não governa por decreto presidencial, mas sim na sequência do que o Parlamento, o Tribunal Constitucional e o Governo legislam/decidem.
As restrições à liberdade de expressão, a censura, as detenções de milhares de manifestantes pacíficos, a perseguição de opositores levadas a cabo pelo Kremlin obedecem aos princípios de um Estado de Direito?
Os manifestantes são detidos e a esmagadora maioria destes são restituídos à liberdade ou condenados ao pagamento de uma multa de valor baixo. Tenho esses dados de quem dá apoio no terreno aos visados. São detidos, regra geral, por organizarem protestos espontâneos, o que é proibido pela lei russa que exige a notificação (e não autorização) de realização de manifestações com 10 dias de antecedência. Manifestações espontâneas na Rússia não são manifestações espontâneas no Mónaco: há potencial perigo de violência e actos de subversão. Existem inúmeras imagens disso mesmo. Em França, o que se faz com os Coletes Amarelos, por exemplo?
Considera Sérvulo Correia uma referência na doutrina portuguesa em direito público? Como comenta então as seguintes declarações do Professor sobre si: “Se sustentou a legitimidade da invasão do Donbass pela Rússia, é um erro de direito flagrante. E não podemos ter no centro pessoas que dão erros de direito graves”?
A vida e obra do Professor Sérvulo Correia falam por si, e eu chegar à idade do Professor e tiver feito e conquistado apenas um terço do que ele fez e conquistou já terei tido uma vida muito rica e feito muito pela sociedade e pela ciência jurídica. Para mim, é um dos poucos grandes do direito português que ainda temos o privilégio de ter entre nós. É uma autoridade no Direito Público, mas o seu pendor é claramente o Direito Administrativo e todos os seus ramos, apesar de incursões pelo direito do mar e pela arbitragem. Sobre o Direito Internacional Público não conheço qualquer contributo. No mais, concordo que as divergências doutrinárias tenham limites e o único Centro com classificação de excelente na área do Direito não pode ter entre os seus quem dá “erros de direito graves”. Seguramente, não sou um desses casos.
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Já foi entretanto notificado formalmente do conteúdo da deliberação do Centro de Investigação de Direito Público?
Foi-me comunicado informalmente que foi aprovado, por unanimidade, a suspensão da votação sobre a minha adesão ao CIDP sine die.
Como vê que o fator considerado para a sua não admissão tenha sido “a alegação de falta de suporte jurídico das suas posições públicas”?
Só seria possível falar-se em “não admissão” se eu tivesse sido vetado ou rejeitado. O que sucedeu foi um adiamento da tomada de posição. Desconheço que alguém tenha falado em “falta de suporte jurídico”. Pelo contrário. Ter-se-á devido ao momento sensível que vivemos sobre a situação na Ucrânia. Além de que se fosse essa a razão seria pura ignorância ou inexperiência de como funcionam análises e debates televisivos: não são monólogos de tempo ilimitado em que podemos fundamentar e enquadrar qualquer alegação. Eu sou comentador na SIC Notícias, não tenho um programa em nome próprio e em horário nobre no qual dou aulas teóricas de direito.
Como vê que tenham sido os dois elementos que propuseram o seu nome a pedir que fosse excluído da lista de admissões tendo em conta factos supervenientes?
Isso que refere é rigorosamente mentira e já tive a confirmação exacta disso. Além de que não fui excluído.
Só mesmo neste país de pequenas invejas e capelinhas é que alguém com elevadas qualificações não é devidamente aproveitado e acaba por ser encostado por quem tem medo que ele lhe tire o lugar
A que título se apresenta como investigador da FDL? Como vê que tenha sido deliberado que estava doravante proibido de se apresentar como investigador do CIDP?
Nunca me apresentei na televisão como investigador do CIDP. Ser “investigador DA FDL” é diferente de ser “investigador NA FDL”. Sou investigador independentemente da afiliação oficial que tiver e foi na FDL que obtive o grau que me permite tomar posição com algum grau de autoridade sobre o direito internacional público. Sou um produto da casa, goste-se ou não. Só mesmo neste país de pequenas invejas e capelinhas é que alguém com elevadas qualificações não é devidamente aproveitado e acaba por ser encostado por quem tem medo que ele lhe tire o lugar. Depois admiram-se que os mais qualificados emigram.
Ser-se licenciado ou doutorado pela FDL não é equivalente a ser-se investigador da FDL. Sendo que se diz “investigador”, para que organismo faz trabalho de investigação?
Além da investigação desenvolvida no mestrado e no doutoramento, tudo o que fiz foi em nome próprio e estou a concluir um projecto de investigação que ia apresentar ao CIDP para começar a trabalhá-lo. Surge no seguimento de uma colaboração pontual que tive com o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Pertence aos quadros da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) desde 2015. Quais são exatamente as suas funções? Têm alguma relação com direito internacional?
Faço a análise jurídica a diplomas oficialmente em vigor para ajudar a determinar se estão em condições de serem expressamente revogados por caducidade, desactualização, etc. Feliz e infelizmente, não me cruzo com o direito internacional.
Participa em conferências cujo conteúdo é partilhado com o Kremlin, governo que o estado português sanciona. Isso não representa um conflito de interesses com o facto de trabalhar na PCM?
Eu não trabalho em gabinetes políticos, não estou sujeito a lealdade ao Governo (excepto nos assuntos em que trabalhar com o Governo), sou funcionário que naquilo para que foi contratado deve manter a neutralidade e imparcialidade. Nas minhas funções nada se cruza com a minha investigação e participações de foro estritamente privado. Além de que ainda em Junho passado o Ministro Augusto Santos Silva esteve em Moscovo reunido com Lavrov. Quid juris?
A sua participação foi paga pela universidade em causa ou por qualquer organismo estatal russo? A viagem ou a estadia foram pagas por quem?
Estive duas vezes em Moscovo nos últimos seis meses. A primeira ida foi integralmente paga por mim, já que fui convidado como orador, mas não key speaker. A segunda foi paga parcialmente pela MGIMO (voos e hotel). Eu fiquei mais um dia e paguei esse dia de estadia e a mudança do dia da minha passagem.
Alguma vez recebeu dinheiro, bens ou serviços (incluindo viagens) por parte de entidades na dependência do Estado russo ou de alguma forma próximas do estado russo?
Nunca. “Além do pagamento do voo e do hotel para a conferência em apreço, rigorosamente nada desde que nasci até ao presente momento.
Como justifica que o SIED esteja a investigá-lo?
Russofobia, ressabiamento com a forma como soube sair do SIED para crescer, frustração por eu não me ter perdido no caminho como muitos desejavam e inveja por ter sabido evoluir uma carreira. Podem investigar-me à vontade. Mas talvez devessem olhar para a própria casa e investigar os conflitos de interesses ou até mesmo crimes de quem é próximo de partidos políticos e daqueles que são influenciados nos relatórios que produzem e partilham informações privilegiadas sobre a Rússia e a Ucrânia com pessoas que depois as usam em intervenções públicas. O SIED só não perde grande parte dos seus quadros porque paga um suplemento remuneratório que as pessoas perdem quando saem.
Preconceito, ignorância, rivalidades internas e cobardia. Se não fosse por Putin ia ser porque não gostam dos meus caracóis
Foi candidato pela CDU, militante do CDS, alinhou com o PAN e esteve para ser candidato autárquico da IL? Qual é o seu posicionamento político? Já foi convidado por outros partidos políticos?
Eu fui desafiado por uma colega de faculdade, em 2005, a preencher uma vaga d’Os Verdes nas listas da CDU na Caparica porque residia nesta freguesia e eles não tinham ninguém e, disse-me a colega, se não fosse preenchida, no futuro, podiam perdê-la para o PCP. Estava em 10.º lugar, julgo eu. Fui eleito e a primeira coisa que fiz foi renunciar ao mandato porque não me revia na CDU mas não era justo prejudicar pessoas e partidos que agiram de boa fé. Só aceitei ser candidato autárquico pela IL porque os princípios, medidas e valores para as autarquias locais são diferentes dos vincadamente ideológicos que são necessários para a Assembleia da República. Politicamente, posiciono-me entre a direita conservadora (não religiosa) e a social-democracia, com profunda preocupação pelas causas ambientais e animais. Só fui convidado em 2021 para ser candidato à junta de Marvila por PSD e CDS. Recusei.
Como viu que a IL tenha recusado o seu nome como candidato a Almada para evitar danos reputacionais por causa das suas posições públicas sobre Putin?
Preconceito, ignorância, rivalidades internas e cobardia. Se não fosse por Putin ia ser porque não gostam dos meus caracóis. A IL Almada tinha um projecto muito interessante para ampliar a presença no distrito de Setúbal e, eventualmente, ganhar força para os órgãos nacionais. Em Lisboa, não queriam isso. Então, decapitaram aquele que ia ser o rosto dessa estratégia no plano autárquico: eu! Dias antes de Lisboa ter rejeitado patrocinar a minha candidatura, alguns dos seus representantes conversaram comigo e sugeriram que eu os orientasse em matéria de política externa dada a minha formação e porque não tinham uma verdadeira linha orientadora neste tema. De repente, decidem assim e quase deixavam o núcleo de Almada pendurado. Só tinha aceitado o convite à segunda abordagem. Tinha reservas e mantenho-as. Ainda hoje não sei bem o que é a IL e se é de direita ou de esquerda.