Depois de cinco anos a semear ventos na presidência do Sporting, até acabar por ser destituído de sócio, em junho de 2018, pelos seus próprios pares, Bruno de Carvalho volta a estar no centro do furacão, desta vez denunciado por atos que podem configurar o crime de violência doméstica, no contexto da relação que desenvolveu com Liliana Almeida no programa Big Brother Famosos, da TVI.
Nos últimos dias, várias figuras públicas – de Carolina Deslandes a Catarina Furtado, passando pela comentadora do programa Ana Garcia Martins, entre outras – manifestaram repúdio pelo comportamento do ex-presidente leonino para com a cantora que pertenceu à banda Non Stop, mas o caso ganhou outra dimensão mediática quando a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) anunciou, este domingo, 13, que havia participado a situação ao Ministério Público. Em causa, segundo a CIG, está o “comportamento ameaçador do concorrente Bruno de Carvalho para com a sua namorada, a concorrente Liliana, chegando inclusive a agarrar o seu pescoço de forma indelicada e evidentemente desconfortável (…), suscetível de configurar a prática de crime público de violência doméstica, na forma psicológica e física”.
Integrada na Presidência do Conselho de Ministros e tutelada pela secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, a CIG é o organismo nacional responsável pela promoção e defesa destes princípios, num serviço da administração direta do Estado. Aludindo a essas competências, notificou a TVI para tomar “de imediato as necessárias diligências no sentido de pôr termo a esta situação”, o que acabou por acontecer por determinação dos telespectadores, no domingo à noite (votaram para ele sair do programa). No Twitter, a deputada bloquista Joana Mortágua tinha feito eco da tomada de posição da CIG para revelar que ela própria e o seu partido já tinham pressionado a estação de Queluz no mesmo sentido. “Violência doméstica não é entretenimento”, escreveu a deputada numa primeira publicação sobre o tema.
Tânia Graça, psicóloga clínica e sexóloga que trabalha em áreas como o empoderamento feminino, a igualdade de género e as relações abusivas, considera que, ao não ter expulsado Bruno de Carvalho por iniciativa própria, a TVI contribuiu para que “comportamentos condenáveis” possam “legitimar e desculpabilizar o agressor” entre a vasta audiência do Big Brother Famosos.
“Isto não é uma novela nem um filme, é um programa que pretende de alguma forma espelhar a vida real dentro de um contexto controlado e, sendo assim, devia ter sido o canal a resolver e não o público”, sustenta, enumerando uma mão cheia de abusos que detetou em Bruno de Carvalho: “Invasão de privacidade e ciúmes obsessivos, quando interrompe uma conversa dela com outro concorrente e diz ‘calma’ num registo ameaçador, dificuldade em gerir as emoções, culpabilizando a vítima e desresponsabiliza-se a si de comportamentos agressivos (‘tu é que me fizeste fazer isto, o problema és tu’), coação para o envolvimento físico, quando a agarra pelo pescoço para a beijar (ela justificou com a tesão e a intensidade da relação deles, mas não me pareceu haver essa vontade da parte dela naquele momento), a tentativa de a isolar, no sentido de a afastar de terceiros (‘é comigo que tens de falar, os outros não são de confiança’), e ainda uma intimidação psicológica e física, naquele agarrar de pescoço, quando estão deitados a conversar e ela própria lhe diz que a está a agarrar.”
Sem querer ditar sentenças, até porque diz ser necessário as entidades competentes apurarem “em profundidade tudo o que aconteceu”, Tânia Graça não hesita em afirmar que “foram vistos sinais muito flagrantes de uma relação abusiva que podem indicar violência doméstica”, sendo essa uma hipótese “muito provável”. E acrescenta, agora generalizando: “A visão de que só a violência física constitui violência doméstica é muito redutora do inferno em que vive alguém dentro de uma relação abusiva. A agressão psicológica pode ser tão destrutiva quanto uma agressão física.”
Confrontada, na gala de domingo à noite, com os comportamentos do namorado, Liliana Almeida descartou por completo estar a ser vítima de violência doméstica. “Este aperto de pescoço é carinho, amor, tensão, tesão…”, justificou, garantindo não se sentir subjugada ou dominada por Bruno de Carvalho.
Segundo a psicóloga Tânia Graça, porém, é muito comum a vítima defender o agressor. “Em toda a experiência que tenho de casos de violência doméstica, a vítima vive numa redoma, dentro de um jogo de manipulação, e não tem consciência do que lhe está a acontecer. O valor que mais defendo é a liberdade das mulheres, mas há uma perceção diferente quando estamos de fora”, argumenta, sobre um crime que é público e que, por isso, pode ser denunciado por qualquer pessoa que não as intervenientes.
Bruno de Carvalho também negou abusos, durante a última gala do Big Brother Famosos em que participou: “Ia exercer violência doméstica e psicológica à frente de milhões de pessoas? Os meus crimes são sempre de imbecilidade, sou atrasado mental.”
No passado sábado, 12, a Associação Mulheres de Braga já tinha anunciado a intenção de mover uma queixa crime contra Bruno de Carvalho por violência doméstica, acusando-o de “abusos, agressões verbais e físicas”, ao mesmo tempo que exigia à TVI a sua expulsão do programa – a “sentença” ditada pelos telespetadores.