Em 1957, partes do rio Tamisa foram declaradas como “biologicamente mortas” por cientistas do Museu de História Natural de Londres, devido em grande parte à poluição. A zona mais crítica era a do estuário do rio, a parte onde o rio está mais sujeito à ação das marés. Mas agora, depois de anos de trabalho e esforços de conservação e limpeza do rio, volta a ser registada a presença de inúmeras espécies aquáticas: enguias, cavalos marinhos, focas e até tubarões.
Quem o diz é a Sociedade Zoológica de Londres (SZL), que publicou recentemente um relatório intitulado The State of the Thames 2021, em que são analisadas tendências e evolução ambiental registada no rio nos últimos anos, desde a qualidade da água à qualidade dos habitats que albergam várias espécies animais.
O resultado deixa a comunidade científica radiante: o estuário do rio Tamisa “fornece mais uma vez um habitat rico e variado a uma abundância da vida selvagem, e muitos benefícios para as pessoas”, como se pode ler no relatório da SZL. De acordo com Andrew Terry, Diretor das Políticas de Conservação da SZL, o Tamisa volta a ser “o lar de uma miríade de vida selvagem tão diversa como a própria Londres”, como pode ler-se na nota introdutória do relatório.
De acordo com o relatório, o estuário do rio Tamisa é habitat para 115 espécies de peixes e 92 espécies de aves aquáticas. Em particular, em relação às espécies de mamíferos aquáticos, o relatório traz notícias muito boas: as tendência tanto a longo como a curto prazo são positivas.
O estuário é habitat da foca-comum e da foca-cinzenta, animais que dependem do estuário para alimento e como um local seguro para as fêmeas darem à luz as suas crias. De acordo com o relatório, os animais “utilizam as margens do rio, as zonas costeiras enlameadas e os bancos de areia para se deitarem na costa para descansar”, alimentando-se da maioria das espécies de peixes e crustáceos encontrados no rio.
No entanto, apesar de a presença destes animais estar a aumentar desde 2003 – em 2019 a SZL estimou que houvesse cerca de 900 focas-comuns e 3200 focas-cinzentas no estuário do Tamisa – as focas continuam a enfrentar ameaças ao seu habitat, devido à poluição e à subida da temperatura das águas do rio, sendo que o relatório alerta que “será importante continuar a monitorizar as tendências a longo prazo do número de focas no Tamisa, particularmente no contexto nacional”.
Um vídeo publicado no Twitter pelo canal televisivo London Live revela que até tubarões têm sido vistos nas águas do rio. Em concreto, as espécies identificadas foram o cação-bico-de-cristal (Galeorhinus galeus), o cação-liso (Mustelus mustelus) e o squalus (Squalus acanthias). São espécies de relativamente pequena dimensão – podem atingir no máximo dois metros, um metro e meio e um metro de comprimento – e são geralmente inofensivas para os humanos, além do mais porque preferem viver nos fundos arenosos do rio.
O squalus, em particular, é uma espécie considerada vulnerável – estes pequenos tubarões deslocam-se habitualmente em grupos, o que os torna um alvo fácil para a pesca. Como têm um ciclo reprodutivo bastante longo – normalmente as fêmeas têm uma ninhada a cada dois anos – é difícil recuperarem da pesca excessiva.
Além disso, o rio contém ainda cerca de 600 hectares de zonas húmidas costeiras, também conhecidas como pântanos salgados, que têm inúmeros efeitos positivos no ambiente: ajudam a manter as linhas costeiras saudáveis, defendendo-as da erosão, providenciam alimentos e habitats para as espécies animais, e absorvem a água da chuva, o que diminui a gravidade das cheias.
Alterações climáticas e outros desafios que afetam o rio
Apesar das boas notícias, o rio Tamisa continua a ser ameaçado por fatores como a poluição e a crise climática. De acordo com o relatório da SZL, os níveis de nitrato na água têm vindo a aumentar. Além disso, a temperatura da água apresenta tendências de evolução negativas tanto a curto como a longo prazo: em média, a temperatura da água no estuário do Tamisa tem vindo a aumentar cerca de 0.19ºC por ano, durante o verão. Ambos os fatores não significam boas notícias para a qualidade da água e dos habitats de espécies animais que dela dependem.
Por fim, a poluição também é um problema: de acordo com um estudo conduzido no ano passado, o rio Tamisa é dos que tem uma maior concentração de microplásticos a nível mundial. Estas partículas microscópicas de plástico podem causar um sério risco quando são ingeridas pelos animais, afetando ainda mais a vida selvagem quando são levados para o mar através da corrente.
O relatório revela que a densidade média de microplásticos no estuário do Tamisa é de 19,5 plásticos por metro cúbico, e em qualquer momento, até 94.000 microplásticos por segundo estão a fluir pelo rio.
A maioria dos microplásticos encontrados eram do tipo secundário, ou seja, pequenos fragmentos de peças de plástico maiores, como garrafas de água, sacos de plástico ou embalagens de comida (ao invés do primário, que são plásticos manufaturados especificamente para serem microscópicos).
Com estes desafios em mente, a SZL está empenhada em continuar a monitorizar a qualidade das águas do rio e a fazer os esforços necessários para salvaguardar uma peça importante para a biodiversidade no Reino Unido.
“Um Tamisa saudável é também vital para atenuar alguns dos impactos das alterações climáticas”, afirma Andrew Terry no relatório. “À medida que reconhecemos cada vez mais o valor intrínseco e económico dos serviços da natureza para os seres humanos, esperamos ver um investimento na restauração contínua do rio”.