A declaração de Berit Reiss Anderson, a jurista norueguesa que preside ao comité Nobel em Oslo, resumiu de forma antológica o trabalho de Maria Ressa e de Dmitry Muratov: “São os representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal num mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa se debatem com condições cada vez mais adversas”. Um e outro têm longas e premiadas carreiras, com muitos sobressaltos por defenderem de forma intransigente o direito à informação e o chamado quarto poder.
Dmitry Muratov, de 59 anos, foi um dos fundadores do jornal Novaya Gazeta, em 1993, uma das poucas publicações que conseguiu manter a independência no período pós-soviético. A um preço deveras elevado. Vários repórteres que conviveram com Muratov pagaram com a própria vida terem escrito notícias a denunciar casos de corrupção e de atropelos aos direitos humanos – Natalya Estemirova, Anna Politovskaya e Anastasia Baburova são apenas três casos paradigmáticos.
Por isso, não é de estranhar a reação de Muratov quando lhe comunicaram que tinha sido galardoado com o Nobel: “O jornalismo na Rússia está neste momento a ser abafado. Vamos tentar ajudar todos os que estão a ser classificados como ‘agentes estrangeiros’ e se encontram sob ataque, e na iminência de serem expulsos do país”. Um comentário claramente destinado ao Kremlin e aos sucessivos pacotes legislativos a restringir a liberdade de expressão mas que também não impediu o porta-voz da presidência, Dmitry Peskov, de enaltecer a “coragem” do diretor do Novaya Gazeta.
A história pessoal e profissional de Maria Ressa, nascida há 58 anos em Manila, demonstra que ela é igualmente uma repórter sem medo. Orfã de pai ainda bebé, emigrou com a mãe e a irmã para os EUA, onde acabaria por estudar biologia molecular, teatro, dança e inglês na Universidade de Princeton. Uma bolsa Fullbright levou-a de regresso ao seu país natal e despertou-lhe o faro jornalístico. Em 1986 inicia uma profícua colaboração com a CNN que duraria duas décadas e a converteu numa especialista em questões do sudeste asiático e em redes terroristas. Pelo meio, cobriu todo o processo de independência de Timor Leste, na qualidade de chefe do escritório da CNN em Jacarta, ao mesmo tempo que escreve para o Wall Street Journal, dá aulas e entrevista os principais chefes de Estado e de Governo da região.
A partir de 2012, a página de Facebook que criara com uma dúzia de camaradas de profissão transforma-se numa plataforma multimédia. É assim que nasce Rappler, aquele que é hoje o maior portal noticioso filipino e um quebra-cabeças constante para as autoridades do arquipélago. O Presidente Rodrigo Duterte, que já concedeu várias entrevistas a Maria Ressa, tem feito de tudo para silenciar a jornalista e o site de que ela é a responsável máxima.
Nos últimos seis anos, às sucessivas denúncias sobre a sua responsabilidade nos crimes cometidos na guerra ao narcotráfico, Duterte responde com ameaças e processos que vão do alegado abuso de liberdade de imprensa a fuga e evasão fiscal, passando por financiamento estrangeiro e consequente motivo para anular a licença de funcionamento do canal. Até ao momento, Ressa e o Rappler conseguiram escapar quase incólumes a todos estes expedientes judiciais.
A atribuição do Nobel da Paz vem dar um forte contributo para que ela continue a “combater pela verdade e pelos factos”. Algo que o alemão Carl von Ossietzky não conseguiu fazer depois de receber o mesmo prémio, em outubro de 1935. Detido num campo de concentração por ter denunciado o antisemitismo e o rearmamento do regime nazi, o jornalista e diretor da revista Die Weltbüne foi proibido de ir receber o galardão a Oslo e torturado até morrer de tuberculose, três anos depois.