No que foi o último episódio da série “The Queen’s Gambit”, Gaprindashvili surgiu retratada a de uma forma que não lhe agradou: “a única coisa incomum sobre ela, realmente, é seu sexo, e mesmo isso não é único na Rússia”, ouve-se pela voz de um locutor num torneio de xadrez, enquanto a câmara se movia para Gaprindashvili, que assistia, referindo-se à lenda como uma “a campeã mundial feminina [que] nunca enfrentou homens”.
O momento, que remonta a 1968, ano em que o episódio realmente aconteceu, Gaprindashvili, que foi a primeira mulher a ser nomeada Grande Mestre – título vitalício concedido pela Federação Internacional de Xadrez aos jogadores profissionais – “competiu contra pelo menos 59 jogadores de xadrez masculinos (28 deles simultaneamente em um jogo), incluindo pelo menos dez Grandes Mestres da ex-república soviética”, de acordo com um processo apresentado em setembro no Tribunal Federal dos EUA, em Los Angeles, citado pelo New York Post.
No processo apresentado em nome de Gaprindashvili, é destacado que a frase usada foi “falsa, pejorativa e degradante para uma audiência de muitos milhões”, além de reforçar que a Netflix mentiu “descarada e deliberadamente sobre as conquistas de Gaprindashvili com o propósito barato e cínico de ‘intensificar o drama’, fazendo parecer que o herói fictício da série conseguiu fazer o que nenhuma outra, incluindo Gaprindashvili, fez”.
“Assim, uma história que deveria inspirar as mulheres ao mostrar uma jovem competindo com homens nos níveis mais altos do xadrez mundial, foi alterada pela Netflix que humilhou a única mulher real que realmente enfrentou e derrotou homens no cenário mundial na mesma era”, lê-se no documento.
No processo, a penta-campeã mundial pede 5 milhões de dólares à empresa, alegando que a série lhe causou “danos profissionais irreparáveis”, uma vez que Gaprindashvili ainda compete em torneios de xadrez sénior, 75 mil dólares extra por oportunidades de negócios perdidas, e que a frase “grosseiramente sexista e depreciativa” seja removida.
Quando a série foi lançada, em outubro de 2020, a jogadora confrontou a empresa, exigindo-lhe que fizesse uma “declaração pública reconhecendo a falsidade da declaração, um pedido de desculpas e uma retratação”, à qual a Netflix respondeu, de acordo com o documento, “com uma arrogância extraordinária, rejeitando a afirmação de difamação e alegando que a falsa declaração era ‘inócua’”.
Segundo a Reuters, a empresa, embora não tenha respondido imediatamente a um pedido de comentários face ao processo apresentado, foi citada nos meios de comunicação social norte-americanos, afirmando que iria “defender vigorosamente o caso”, argumentando que “esta alegação não tem valor.
“The Queen’s Gambit” ou “Gambito de Dama”, em português, vencedora de dois Globos de Ouro e com planos para ser apresentada em teatro musical, retrata um romance de 1983 de Walter Tevis, mas o livro, de acordo com o processo, apenas dizia que Gaprindashvili “conheceu todos esses grandes mestres russos anteriormente muitas vezes”.