Cada vez mais os especialistas são confrontados com o aumento de casos que de pessoas que apresentam sintomas de vício tecnológico. Anna Lembke, psiquiatra e especialista em vícios, define o telemóvel como a “agulha hipodérmica” dos tempos modernos, porque através dele conseguimos aceder mais rapidamente a conteúdos, procurar validação e distrair-nos cada vez que deslizamos o dedo, colocamos um gosto ou partilhamos uma publicação. Cada segundo que temos livre é uma oportunidade para sermos estimulados através de qualquer tipo de rede social ou site. “Estamos a assistir a uma grande explosão no número de pessoas que lutam contra vícios menos agressivos”, afirmou a especialista ao The Guardian.
A tecnologia permite-nos aceder a uma fonte infinita de diversão, disponível a um clique de distância, contudo “os dados mostram que estamos cada vez menos felizes”, acrescentou Lembke. As pessoas deixam de saber ficar a sós com os seus pensamentos e procuram na tecnologia um escape, o que significa que raramente perdem tempo com tarefas que despendam muita energia ou estimulem a criatividade. Para muitos, a pandemia exacerbou a dependência das redes sociais e outros vícios digitais, mas também do álcool e das drogas.
Um vício pode ser difícil de ultrapassar sem ajuda profissional e considera-se completamente enraizado na vida dos indivíduos quando “interfere significativamente” no seu dia a dia e nas suas ações. Os vícios digitais podem, contudo, ser complexos de identificar.
Para entender um vício, é necessário, primeiro, compreender como funciona a dopamina, conhecida como a hormona da felicidade. Erradamente pensa-se que a dopamina nos dá prazer, já que ela ela motiva-nos é a fazer coisas que achamos que vão ser prazerosas. É, por exemplo, o que nos leva a ir comprar uma pizza quando estamos com fome. Por isso, quanto maior for a libertação de dopamina, mais viciante algo se tornará.
Quando os níveis voltam a regularizar, sentimo-nos em baixo e é quando ocorrem pensamentos como “ir buscar o segundo pedaço de chocolate ou assistir a outro episódio”, afirma a psiquiatra, mas se não estivermos muito viciados, o desejo passa quase imediatamente.
Cada vez que algo se torna aborrecido, leva-nos a procurar uma solução que nos deixa reféns de estímulos para continuarmos ativos e entretidos. A busca pela felicidade torna-se um círculo vicioso e o mundo digital abre as portas para uma escala nunca antes vista, porque não há limitações práticas que nos obriguem a fazer uma pausa, ao contrário de muitos outros vícios.
O facto de estarmos obcecados com a necessidade de satisfação constante e imediata faz com que estejamos sempre a estimular o sistema límbico, que processa as emoções, em vez de estimularmos o córtex pré-frontal, responsável pelo controlo, atenção, resolução de problemas e desenvolvimento da personalidade. “Estamos a perder a nossa capacidade de resolver problemas e lidar com a frustração e a dor nas suas mais variadas formas” referiu, ainda, a psiquiatra.
Como combater o vicio?
Combater os vícios é um processo duro, que deve ser iniciado por um período de jejum, esclarece Lembke, e que pode ir de 24 horas até um mês (quanto mais, melhor), sendo que nas primeiras 12 horas não se pode ter qualquer acesso àquilo de que se tenta abstrair, por ser a altura em que os desejos são mais fortes.
O objetivo de estar longe do vício, diz Lembke, é redefinir os processos do nosso cérebro e questionar de que forma é que a dependência em questão nos afeta.
Por exemplo, remover todos os ecrãs do quarto, colocar o telemóvel em modo avião ou comprometer-se a usar os aparelhos apenas em determinados horários, como nos fins-de-semana, pode ser uma ajuda. Segundo a psiquiatra, é “mais fácil passar da abstinência à moderação, do que do consumo excessivo à moderação. Fazer coisas com alguma dificuldade é uma das melhores formas de encontrar um propósito na vida, porque o prazer que obtemos depois é mais duradouro”.