“Concordo contigo a 100%.” No fundo, até é capaz de discordar, ainda que apenas em parte, mas nunca o dirá, de facto. É possível que também adira aquela atividade que até nem gosta, “porque todos vão” ou porque a pessoa “alfa” – aquela que tem mais influência no grupo pode levar a mal e vai ser uma chatice. Se tal lhe sucede com frequência, saiba que isso tem um nome: viés da desejabilidade social. Na prática, é ter o comportamento “certo” e fazer aquilo que julga que os outros gostam para ficar bem visto na fotografia, mesmo que à custa do sacrifício das convicções e valores pessoais.
Os investigadores em ciências sociais descobriram ser frequente os entrevistados não dizerem a verdade sobre si em inquéritos e sondagens, dando respostas que achavam ser as socialmente apropriadas, comprometendo a fiabilidade dos resultados (o psicólogo e estatístico norte-americano Allen L. Edwards até criou uma escala para detetar a tendência para representar-se de forma favorável, no século passado).
Uma coisa é responder a inquéritos; outra, bastante diferente, é levar a agradabilidade ao limite no quotidiano e, um dia, constatar que os ganhos vêm com uma fatura elevada. Este é um dos cinco fatores básicos da personalidade (Modelo “Big Five”) e que se manifesta na tendência a cooperar, a ser amável, generoso e disposto a fazer compromissos com os outros, colocando o bem-estar comum e a harmonia acima dos próprios interesses.
Uma vez que as relações humanas são complexas e não se circunscrevem só à personalidade, procurar agradar de forma indiscriminada e além do razoável sugere dificuldades, nem sempre conscientes, como compensar algo que está em falta: a necessidade de ser visto, neste caso “bem visto”, porque senão é o fim. O “ninguém me liga” ou, pior, “eu não presto” (por mais prestável que seja ou faça por ser) e, no limite, “se calhar não mereço melhor”.
Mais cedo ou mais tarde, o excesso de zelo ganha contornos indesejáveis e mina a forma de relacionar-se com os outros. No pior cenário, obtém-se aquilo que se pretendia evitar: a desvalorização e o descrédito. O original leva sempre a melhor face à cópia, ou face à autenticidade, que nem sempre é tão polida e elegante.
O agrado e o “agradanço”
Ser um “people pleaser”, ou seja, demasiadamente simpático, disponível e prestável, “vemos na clínica, é comum em pessoas deprimidas, que lamentam não ser como as outras e estão sempre a comparar-se”, afirma o psicólogo Daniel Cotrim. Porquê esta obsessão, a de corresponder sempre às expetativas alheias? “Agradamos para que nos digam que somos bons e simpáticos.”
Na base do “agradanço” parece estar uma grande necessidade de aprovação e o receio de ficar só: faz-se o que for preciso para ser igual. Estamos nos antípodas da canção de Gal Costa – “Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim” – genérico da novela “Gabriela, Cravo e Canela” (baseada no romance do escritor brasileiro Jorge Amado, com Sónia Braga no principal papel) e que fez tanto sucesso no nosso País, há mais de quatro décadas.
“People pleasers somos todos um pouco, observa-se isso nas relações amorosas, nas amizades, nos vários setores profissionais”, observa. E acrescenta: “Portugal é um povo deprimido, talvez pela forte influência da cultura juiaico-cristã, onde a culpa tem um papel importante.”
O saudável seria considerar que “somos livres para ser quem queremos ser e se os outros não gostam, paciência”. O normal – por ser a norma, ou quase – é “engolir sapos, porque se assim não for fico só, invisível, e a culpa é minha”.
Embora também seja uma evidência que “há pessoas que gostam de estar sozinhas e não têm essa questão” – a de querer agradar a gregos e troianos – “elas são uma minoria e fizeram um longo caminho até aí chegar”.
Do auto-engano
Os “agradadores” – aqueles que não o são naturalmente, em doses q.b. e que, como se diz na gíria, até enjoam – têm quase sempre em comum experiências precoces que modelaram a sua forma de relacionar-se. Por exemplo, “a pessoa que pergunta continuamente à outra ‘gostas de mim?’ para ser validada”. Ou aquela que “descasca a maçã porque ele gosta, mas na verdade é para ser validada ou compensada por isso”.
Os protagonistas destas histórias terão algo em comum: “Em pequenas, terem sentido que só as viam ou lhes davam afeto se fossem funcionais, quer dizer, se fizessem algo para merecê-lo.” Na vida adulta, esse registo compensatório tende a ser transposto para as relações significativas: “É a pessoa que só encontra parceiros doentes ou problemáticos ou ajuda todos mas ninguém se preocupa com ela e sente a angústia de não lhe ser devolvido esse cuidado.”
Não admira que seja grande a tentação de lançar mensagens na garrafa ao mar, à esfera pública, que no século XXI são as redes sociais, à conquista de “likes”, que tem o seu quê de narcisismo. O psicólogo clínico lembra o caso do jovem Gonçalo Carter [Costa], que há cinco anos ficou conhecido por fazer vídeos chocantes, como aquele em que simulava atirar o seu cão pela janela. Cinquenta mil likes depois, no Facebook, as criticas foram tantas que o retirou e, mais tarde, retratou-se num livro (Uma história Maior Que Um Erro), justificando a necessidade de encontrar refúgio no sítio errado com episódios tristes da infância.
Um novo rumo
A psicóloga Augusta Gaspar, da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, sublinha o facto de serem os jovens os mais vulneráveis a agradar para terem aprovação e serem aceites pelos pares, tanto mais que estão numa fase de desenvolvimento em que as emoções ainda não estão reguladas e são vividas intensamente (Ver Entrevista).
Na vida adulta já se pode ter uma abordagem diferente: “Pertencemos a grupos e organizações com os quais temos afinidades mas não nos definimos ou identificamos com apenas um: o que está a ser aceite é a pessoa tal como é e não alguém idealizado.”
A chave para mudar e ter uma vida mais satisfatória passa pela aprendizagem do autocuidado e de outras competências pessoais e sociais. “A psicoterapia é um caminho, mas há outros”, nota Daniel Cotrim: “Já tenho sugerido a alguns pacientes que façam um curso de comunicação assertiva para serem capazes de dizer ‘sim’ e ‘não’, ou formações para falar em público, para que aprendam a expor-se e desenvolverem a autoestima.”
ENTREVISTA: 3 PERGUNTAS A AUGUSTA GASPAR
Psicóloga, Coordenadora da Área Científica de Psicologia na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa
O que leva as pessoas, sobretudo as mais jovens, a agradar aos outros em demasia?
Uma das necessidades psicológicas mais básicas do ser humano é a de relacionamento. Mais do que estabelecer relações com os outros, querem sentir aprovação e ser aceites, por necessidade de pertença, nos grupos de amigos, nas organizações, na comunidade. A maior parte das pessoas esforça-se muito para ter essa aceitação e perceção de pertença. Nos mais novos, especialmente nos adolescentes, há uma necessidade mais intensa de relação e de aprovação pelos pares. Nesta fase da vida, o cérebro está a desenvolver circuitos relacionados com a regulação emocional e do comportamento social, e estão a consolidar-se processos de identificação com grupos, valores, etc. Entre os 12 e os 16, a empatia é bastante forte mas ainda não está tão regulada como nos mais velhos, o que facilita o stresse emocional, o condoer-se com aquilo em que antes não se reparava, o ajudar, o impulso de dizer sim.
Quais as consequências que isso tem na saúde e nas relações com os outros?
Nos mais velhos, naturalmente, a impulsividade é reduzida e a empatia mais construtiva, orientada para a ajuda, mas não é lesiva para a auto-estima. O sentimento de valor próprio, não depende da aceitação de um grupo em particular e a identidade está consolidada. É preciso perceber que a ação da pessoa não é conduzida exclusivamente pelo desejo de agradar a todos. A necessidade de relacionamento só é verdadeiramente satisfeita quando o “eu autêntico” é aceite. Se mudar em aspetos fundamentais, consoante a pessoa ou grupo, para agradar, nunca consegue estar verdadeiramente bem, numa relação próxima, verdadeira, de confiança e apoio.
Como relacionar-se de forma satisfatória, sem a sensação de “dar tanto e receber tão pouco”?
Se a pessoa acha que tem um problema – o desejo de agradar e dizer sim – que conflitua com outras necessidades suas, pode ser um bom começo investir no autoconhecimento e recorrer à ajuda de um psicólogo ou a serviços online, como portal público e gratuito que a Ordem dos Psicólogos Portugueses disponibiliza, com informações e recursos sobre Saúde Psicológica e Bem-Estar, cientificamente validados.
Sinais de agradar demais…
- Ser neutro Ir ao encontro das necessidades alheias é uma competência valorizada socialmente mas também um problema se nunca se pronuncia por medo da rejeição
- Assumir culpas Tomar a seu cargo situações que não correm bem e das quais não é responsável para acalmar uma situação tensa ou por achar que o problema é seu
- Nunca dizer não Por tentador que seja agradar aos outros, pode sair-lhe caro não ter coragem de enfrentar uma questão difícil e ser visto depois como falso
- Ser quem não é Adotar a postura de camaleão e dar uma falsa imagem de si para ter aprovação ou evitar conflitos tem uma validade limitada
… E o mal que isso lhe faz
- Desgaste Vestir a pele do cuidador prestável ou ser “pau para toda a obra” é masoquismo e gasta muita energia, com a fatura de mal-estar físico e mental, por vezes crónicos
- Frustração Fazer-se gostar reprimindo as suas necessidades e preferências traz zanga e ressentimento. Mais vale sair de cena do que sacrificar-se em vão
- Invisibilidade Moldar-se às vontades alheias por sistema é passar ao lado das suas e privar-se de fazer o que realmente gosta, pelo menos de vez em quando
- Desvalorização Quando reage por automatismo sem avaliar se quer realmente ser prestável ou nem por isso, é provável que se sinta vítima e seja o seu próprio carrasco
- Fontes: WebMD, APA