As vacinas contra a infeção pelo vírus SARS-CoV-2 não são 100% eficazes, mas algumas têm uma eficiência superior a 90%. Contudo, este elevado grau de imunidade só surge duas a três semanas depois de concluída a vacinação.
“Nos primeiros quinze dias após a primeira dose de uma vacina, a pessoa está praticamente tão vulnerável à doença como qualquer outra”, alerta o investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Miguel Prudêncio. Por isso, é expetável que ocorram contágios durante esse período.
Só com a vacinação completa se atinge o nível mais alto de proteção contra a Covid-19 que, não sendo um escudo infalível, é altamente eficaz a evitar a infeção, assim como casos graves da doença, diminuindo as hospitalizações e o número de mortes.
“Quando dizemos que uma determinada vacina tem uma eficácia de 95%, significa que os restantes 5% podem desenvolver doença grave”, contabiliza Miguel Prudêncio, antes de sublinhar que, no entanto, “são altamente predominantes” os vacinados contagiados assintomáticos ou com sintomas ligeiros.
Os números mostram isso mesmo. Segundo os dados divulgados pela Direção-Geral da Saúde (DGS), dos cerca de dois milhões de pessoas com a vacinação completa há mais de 14 dias, 1 231 foram infetadas pelo SARS-CoV-2 e, destas, cinco morreram (quatro delas tinham 80 anos ou mais).
No que diz respeito aos internamentos, foram admitidas 26 pessoas totalmente inoculadas “com diagnóstico principal por covid-19” (77% tinham mais de 80 anos) e 17 com “diagnóstico secundário”.
“Provavelmente, se essas pessoas não estivessem vacinadas, a doença teria sido ainda mais grave”, nota Miguel Prudêncio.
Ao todo, 37% dos doentes com covid-19 já imunizados estavam na faixa etária dos 80 anos ou mais e 8% na dos 70 aos 79.
O imunologista Luís Graça aproveita para relembrar que a pequena percentagem de pessoas vacinadas que acaba por se contagiar, “na maior parte dos casos, é assintomática, mas pode transmitir a doença, daí a importância de manter todos os cuidados [de prevenção sanitária]”, como respeitar o distanciamento físico, usar máscara e lavar as mãos.
“Casos de infeção mais de duas semanas após a segunda dose são raríssimos”, corrobora a infeciologista Margarida Tavares. Desde o início da campanha de vacinação, a coordenadora do internamento da unidade de doenças infeciosas emergentes do São João, no Porto, só tem registo de quatro internamentos de pessoas com a vacinação completa. E há mais de um mês e meio que não se regista qualquer óbito por Covid-19 no hospital.
Os doentes imunizados hospitalizados são, sobretudo, “pessoas mais velhas, e com algum grau de imunodeficiência, que não têm uma resposta vacinal tão robusta”.
As preocupações com a variante Delta
Os cientistas investigam, agora, se a variante Delta, inicialmente identificada na Índia, pode pôr em causa a proteção da vacina contra doença grave. Esta semana, foi publicado um estudo pelo Public Health England, o equivalente à direção-geral da saúde britânica, ainda sem revisão dos pares, que traz algumas novidades.
A vacina da Pfizer/BioNTech, quatro semanas após a primeira toma, oferece uma proteção de 50% contra a variante Alpha (inicialmente identificada no Reino Unido), já perante a Delta a eficácia baixa para 36%. Contudo, após a segunda toma, a proteção contra a doença sintomática aumenta para os 94% no caso da Alpha e para os 88% no da Delta.
A proteção da AstraZeneca ao fim da primeira toma é ainda mais baixa contra a Delta, apenas 30%, mas sobe para os 67% com vacinação completa. Aliás, a DGS anunciou hoje a diminuição do intervalo entre a primeira e a segunda dose desta vacina das 12 para as oito semanas “de forma a garantir a mais rápida proteção” diante da “transmissão de novas variantes de preocupação”.
A análise do instituto de saúde pública britânico também avaliou a eficiência das duas vacinas a evitar internamentos. A da Pfizer/BioNtech é 94% eficaz depois da primeira dose e 96% após a segunda, nas infeções provocadas pela variante Delta. E 83% e 95%, respetivamente, quando confrontada com a Alpha.
Já a AstraZeneca consegue proteger da hospitalização 71% das pessoas contagiadas com a Delta após a primeira dose e 92% com a inoculação concluída (e 76% e 86% contra a Alpha).
“Os dados atualmente disponíveis não mostram que existam mais internamentos por número de infeções, entre a população mais jovem, provocados pela variante Delta, mas ainda não temos um tempo de seguimento suficiente desta variante”, defende Luís Graça. “Até pode ser um pouco mais grave, mas não será substancial”, remata o investigador do iMM.
“O perfil da doença continua idêntico. A infeção não se tornou mais grave nos mais novos, não tenho visto isso acontecer”, descreve Margarida Tavares, que acompanha doentes com covid-19 desde o início da pandemia. “Nos últimos três meses e meio, houve uma diminuição dos internamentos dos mais velhos e uma manutenção do número de casos graves nos mais novos”, tranquiliza.
Contudo, já é evidente que “a Delta é 60% mais transmissível do que a Alpha”, afirma o médico de saúde pública Bernardo Gomes, que não tem dúvidas de que a variante inicialmente identificada na Índia será, em breve, dominante em Portugal.
No mês passado, o Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge estimava que a Delta representasse 4% do número total de casos, mas este valor já deverá ser bastante superior.
Bernardo Gomes explica que a imunidade de grupo será tão mais difícil de atingir quanto mais transmissíveis forem as variantes em circulação. “No limite, se forem muito contagiosas, pode não ser possível atingir a imunidade de grupo”, conclui.
O especialista em saúde pública diz que se segue “um mês de porcelana”, em que será necessário acelerar a vacinação da faixa etária dos 40 anos, ao mesmo tempo que se enfrenta uma variante muito mais transmissível.