Quando se fala em dentes-de-sabre, muito boa gente lembra-se logo de Diego, o “tigre” dentes-de-sabre dos filmes de animação Idade do Gelo. Com os seus caninos extremamente longos, Diego é um belo exemplar de Smilodon fatalis, um predador carnívoro que habitou as Américas, Eurásia e África desde o início do Plioceno até o final do Pleistoceno (há entre 4 milhões e 12 mil anos).
Da mesma maneira, quando se fala em mamutes, são com frequência as imagens de Manny, Ellie e Peaches que surgem imediatamente – pai, mãe e filha, três gigantes lanzudos, todos eles grandes amigos de Diego e dos restantes protagonistas daquela saga.
A ideia de que Diego e os dentes-de-sabre do seu grupo poderiam perseguir, matar e comer a bebé mamute não faz sentido para os fãs de Idade do Gelo. Mas, se sairmos no mundo encantado dos filmes de animação, aquilo que aconteceu na vida real, e ao longo de milhares de anos, foi algo aproximado.
De acordo com um estudo publicado em abril na revista Current Biology, o seu “primo” Homotherium latidens (conhecido como tigre-de-dente-de-cimitarra ou gato-de-cimitarra, por causa dos dentes que lembram uma espada de lâmina larga e curva) alimentava-se de mamutes muito jovens, que perseguia em pradarias abertas e levava para o seu covil, onde os consumia.
“Esclarecer as relações predador-presa no passado pode dar uma visão a respeito da conservação e da gestão de predadores que vivem hoje”, nota a paleontóloga Larisa DeSantis, professora de Ciências Biológicas na Universidade Vanderbilt, no estado norte-americano de Tennessee, que liderou a equipa de investigadores.

DeSantis e os seus colegas estudaram fósseis encontrados na Caverna Friesenhahn, situada nos arredores de San Antonio, no Texas, e considerada um dos mais notáveis sítios fósseis da Idade do Gelo no mundo. A caverna foi descoberta no início do século XX, estudada, entretanto perdida e mais tarde redescoberta. Quando os donos mais recentes da propriedade souberam da sua existência, na década de 1990, doaram-na à Universidade Concordia do Texas. Na Caverna Friesenhahn foram encontrados vestígios de mais de trinta Homotherium (19 adultos e 13 bebés) e ainda de grandes herbívoros, como mamutes, mastodontes, bisontes, cavalos, camelos e veados – animais entre os 300 quilos e os mil quilos, que seriam o seu alimento. O mais notável, assinalam os cientistas, são os ossos e os dentes de várias centenas de mamutes colombianos juvenis (Mammuthus columbi) e de alguns mastodontes americanos (Mammut americanum), que teriam entre 2 e 4 anos de idade à data da sua morte.
Embora tivesse dentes mais achatados e menos alongados do que os do Smilondon fatalis, o gato-de-cimitarra conseguia caçar e matar estes enormes animais. E deveria fazê-lo em grupo, levando-os depois para a sua caverna, para consumi-las, conclui este novo estudo.
A equipa liderada por DeSantis analisou a textura do microdesgaste dental e a morfologia dos Homotherium para reconstruir a sua ecologia e biologia. “A morfologia pode dar-nos uma primeira aproximação da dieta e do comportamento e, no caso do Homotherium, indica que foi um predador único. Era realmente um ‘gato’ como nenhum outro, embora partilhasse semelhanças com chitas e hienas”, explicou a paleontóloga, na apresentação do estudo.
“Características como as suas garras parcialmente retráteis e os membros anteriores finos indicam que era um corredor moderado”, afirmou, na mesma ocasião, o ilustrador Mauricio Antón, co-autor deste estudo, e especialista em Homotherium, que trabalha no Museu de Ciências Naturais de Madrid (é dele a ilustração que está no topo deste artigo). “Mas, ao contrário das chitas, que têm explosões de grande velocidade, o Homotherium provavelmente era um corredor de longa distância e provavelmente não tão rápido como as atuais chitas.”

Com base nas presas encontradas da caverna e nos dados dos dentes do Homotherium, os investigadores conseguem afirmar que o gato-de-cimitarra também era diferente do Smilodon fatalis por preferir presas que habitavam em pradarias.
“Como diz o ditado, você é o que você come. No caso dos fósseis, podemos examinar a composição química dos seus dentes e inferir se consumiram presas que residiam em pradarias, florestas ou ambos”, assinala DeSantis. “No nosso estudo, os dados de isótopos de carbono estáveis do esmalte do dente de Homotherium eram indistinguíveis dos obtidos de mamutes bebés, embora também sejam consistentes com o consumo de outras presas de campos abertos, como bisontes e cavalos.”
Além de estudarem as “assinaturas químicas” nos seus dentes, os investigadores analisaram os padrões de desgaste microscópicos formados durante a mastigação. Este estudo revelou que o Homotherium evitava ossos e comia comida mais dura do que qualquer outro felino vivo estudado – o que é consistente com o consumo da carne dura de bebés mamutes. “O nosso estudo confirmou essencialmente que o Homotherium era um predador de habitat aberto que comia bebés mamutes”, concluiu DeSantis.