A combinação pode parecer estranha, mas a água com gás também não tinha sabores e o certo é que a moda pegou. Agora, adicionaram-lhe álcool. Fica mais ou menos assim: água gaseificada com um toque de fruta e um teor alcoólico na ordem dos quatro a cinco por cento. Não confundir com as cervejas light. As hard seltzers, o nome de batismo desta nova categoria de bebidas, são mais leves e menos calóricas, apostadas em conquistar um consumidor jovem e preocupado com a linha mas também com o ambiente – as embalagens e as latas são quase sempre recicláveis. Nos Estados Unidos da América, estão em forte crescimento desde 2018 e, durante o ano passado, expandiram-se para outras latitudes. Por cá, acabam de ser lançadas as duas versões pioneiras made in Portugal, às quais se junta a primeira importada, da holandesa Heineken.
Duarte Froes, 27 anos, fundador da Phunk, a autoproclamada primeira hard seltzer nacional, acompanhou de perto o boom do outro lado do Atlântico. Entre agosto de 2017 e outubro de 2018, viveu nos EUA para tirar o mestrado em Direito na Cornell Law School, no estado de Nova Iorque, e ficou intrigado com “aquela bebida transparente” que via as “pessoas a beberem por todo o lado”. Ao prová-la, atribuiu-lhe o estatuto de “bebida de eleição”.
Os números comprovam as impressões do então aspirante a advogado quanto à crescente popularidade do novo líquido efervescente. No início de 2018, existiam apenas dez marcas de hard seltzers nos EUA, segundo um relatório da consultora Nielsen. Em meados de 2020, eram já 65. De 2018 para 2019, de acordo com a empresa de estudos de mercado, as vendas em estabelecimentos como restaurantes e bares dispararam 500 por cento. “Uma força imparável”, lia-se num relatório de junho de 2020. A Goldman Sachs estima que as vendas nos EUA atinjam os 30 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros) em 2025.
“Depois do mestrado, tive de voltar várias vezes aos Estados Unidos da América e via cada vez mais pessoas a consumir esta bebida. Em restaurantes, bares, festas, até em escaladas”, recorda Duarte Froes, recuando à génese da sua decisão de apostar no conceito em Portugal. “Lá, as hard seltzers são demasiado doces para o gosto do consumidor português e europeu, por isso ‘aportuguesámos’ a receita e acho que chegámos à solução ideal.”
Lima e gengibre, manga, mirtilo e cereja são as quatro alternativas disponibilizadas pela Phunk, mas as marcas têm diversificado a oferta com outros frutos, como ananás, morango, toranja, maracujá, arando, melancia ou açaí. Já o conhecido chefe de cozinha Gordon Ramsay, que lançou, no início deste ano, a própria linha – a Hell’s Seltzer, em alusão ao seu programa de televisão mais famoso, Hell’s Kitchen –, preferiu misturar sabores de três ou quatro ingredientes em cada receita. Há, por exemplo, a combinação lima-baunilha-graham ou a kiwi-lima-menta-ananás.
“Um sabor a fruta muito leve”
O chefe britânico é só mais um a não querer perder um comboio já em ritmo de TGV nos EUA. Com o mercado de cerveja estagnado nos últimos anos, os gigantes do setor posicionam-se para competir com os grupos mais pequenos que investiram precocemente nesta gama de bebidas e dominam o mercado. Ao longo de 2020, tubarões como a Budweiser e a Corona lançaram as suas hard seltzers na EUA, enquanto a Carlsberg decidiu testar na Noruega e em Singapura. Fora do campeonato de bebidas alcoólicas desde 1983, até a Coca-Cola, numa parceria com a cervejeira Molson Coors, reclama agora um lugar nesta categoria específica: através da Topo-Chico, uma marca mexicana de água gaseificada que adquiriu em 2017, está presente no México e no Brasil desde o final do ano passado e começou agora a vender em Espanha. Áustria, Reino Unido, Grécia e Ucrânia são outros países europeus onde já chegou ou vai chegar até ao fim deste primeiro semestre de 2021.
Em Portugal, a Heineken é o primeiro grande grupo a explorar o conceito, através da marca Pure Piraña, distribuída pela Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, nas versões frutos vermelhos e limão. “Mais tarde ou mais cedo ia acontecer”, nota Maia Pedro, 32 anos, ciente de que a concorrência vai aumentar ainda mais nos próximos tempos. Com o amigo Rui Santos, 29, lançaram a Selza, outra marca 100% portuguesa já à venda, depois de dois anos a aperfeiçoarem a receita, “só com ingredientes naturais”. Os dois antigos colegas de universidade, na área da Biotecnologia, perderam a conta às misturas que criaram, em casa e no laboratório, até obterem o produto final, aprovado em primeira instância pelas namoradas, um de lima e hortelã e outro de manga. “Não queríamos que fosse muito doce, como um sumo ou uma sidra, mas que tivesse um sabor a fruta muito leve”, sublinha Rui. A ideia surgiu-lhes após uma viagem turística aos EUA, no final de 2018. “Se não há esta bebida na Europa, isto tem um caminho brutal para nós”, pensaram, quando a concorrência interna era ainda uma visão distante. Agora que começa a ser uma realidade, os criadores da Selza acreditam que terá um efeito inicial positivo, ao amplificar o fenómeno, e depois será uma questão de se imporem pela qualidade do produto.
Diversão com peso e medida
Os analistas associam o sucesso das hard seltzers a uma maior preocupação dos consumidores com a saúde, no entanto é importante sublinhar que se trata de uma bebida alcoólica. Uma das mais-valias destacadas em relação a outras opções alcoólicas é o baixo nível de calorias, por norma menos de 30 por cada 100 mililitros, sensivelmente um terço das que encontramos no vinho e dois terços das que consumimos numa cerveja.
“Esta geração dos 18 aos 35 anos é social e fisicamente consciente. São pessoas que vão ao ginásio, cuidam do corpo e se preocupam com as calorias que ingerem, mas ao mesmo tempo não querem deixar de se divertir, porque o mundo não tem de ser só uma coisa séria; também há lugar para o lazer e para tirar prazer dos produtos que se consome”, enfatiza Duarte Froes, referindo-se ao público-alvo da nova bebida, sem glúten, alinhada com o movimento vegan e amiga do ambiente, com latas recicláveis.
Mercado nacional
As três marcas de hard seltzers já à venda em Portugal

Pure Piraña
Da holandesa Heineken, tem 92 calorias por lata (330 ml) e pode ser adquirida em cadeias de grande distribuição

Phunk
À venda no site da marca e através da plataforma Glovo, neste caso só em Lisboa. Cada lata (250 ml) tem 65 calorias

Selza
Disponível no site da marca e no Dott. Em Lisboa, acrescem a Uber Eats e a Bolt Food. Tem 75 calorias por lata (250 ml)