À medida que as horas foram passando, subiu também de tom o burburinho nos corredores, num crescendo que acompanhava o ritmo de quem anda para trás e para a frente. Assim que entram os primeiros clientes é como se o relógio reajustasse a contagem e recomeça do zero. Dias antes, muitos foram os preparativos para que tudo voltasse a estar impecável, com o brilho e o glamour que o consumo reclama para si.

Na loja da Rolex limpam-se as montras de vidro com precisão suíça resvés à abertura de portas às dez da manhã. Estamos no mesmo piso do El Corte Inglés, em Lisboa, onde fica a perfumaria, cosmética, malas e outros acessórios. Há quatro dias que Joana Cardoso, responsável pela Sephora, mais a sua equipa trataram da limpeza de balcões e prateleiras, assim como de expor os novos produtos da estação. “Estamos com mais expectativa do que no primeiro desconfinamento, em maio do ano passado. As pessoas agora têm mais vontade de comprar, sentem-se mais seguras por já existir uma vacina”, explica a vendedora. E, se antigamente eram os produtos de maquilhagem os mais vendidos, agora são os dedicados aos tratamentos de pele, especialmente do rosto. Uma preocupação surgida nos dias passados em casa e que se mantem nas compras presenciais.”

Desengane-se quem acha que o batom, por causa da utilização da máscara, perdeu importância. Ficou apenas impossível de experimentar, tal como as bases ou os corretores, mas as vendas não baixaram drasticamente. Na vizinha Estée Lauder, Tiago Figueiredo, gestor da marca, aos primeiros minutos do dia já vendeu um tónico de rosto de 69 euros a um cliente asiático. A gerir uma equipa de cerca de 20 pessoas, pertencentes às 11 marcas da companhia, Tiago foi o único que não esteve neste último trimestre em layoff. Ficou a trabalhar, mantendo o contacto telefónico com os clientes que têm fidelização.

Às 10 da manhã em ponto, quando abrem as sete portas com entrada pela rua, são várias as pessoas que entram, sem filas, nem confusões. Apressada, uma cliente de meia-idade quer ir rapidamente ao piso da roupa de bebé. Nestes meses, a roupa do neto deixou de servir e precisa de lhe comprar peças novas. Também Sónia e Pedro Alves, pais de uma bebé de dois meses e meio – concebida em tempo de pandemia e nascida em fevereiro, em pleno confinamento – tentaram comprar roupa online para a recém-nascida, mas é difícil acertar nos tamanhos. Há também quem ali vá fazer tempo, à espera do marido que foi ao médico, e aproveite para ir comprar uns sapatos.

Lingerie e gadgets
Em todo o grande armazém, as regras de segurança são cumpridas à risca e um sistema de contagem instalado em cada entrada permite, em tempo real, saber quantas pessoas estão nos vários andares. Mandam as diretrizes das autoridades de saúde que se cumpra o rácio de cinco pessoas por cada 100 metros quadrados. Em pisos de sete mil metros quadrados, por exemplo, como o da Moda de Senhora chega-se às 300 pessoas em simultâneo.

É precisamente ao piso 1 que subimos e entre manequins com roupa mais primaveril que falamos com Pilar. Na casa dos 60 anos, veio de Almada para comprar roupa preta para uma tia mais velha poder ir a um funeral. Conceição, 75 anos, também reformada, veio de Linda-a-Velha à procura de uma peça de roupa específica da Devernois. Primeiro viu no site francês da marca e queria encontrar um tamanho grande, os primeiros a esgotarem. Ao fundo do piso, Fernando Dray, 69 anos, está sozinho na zona de lingerie à espera da mulher Isabel Dray, 60 anos. Vieram da Ericeira para ir ao dentista e passaram a seguir no centro comercial. Ele foi comprar o seu perfume de eleição, ela precisa de cuecas e soutien. Ainda passarão no supermercado, apenas “pelo gozo” de comprar coisas específicas que só ali existem.

Esta terceira fase do desconfinamento também já permite sentar na zona do café e pedir uma bica para a mesa. É preciso calcorrear os seis pisos de escadas rolantes, com os corrimãos limpos amiúde pelas funcionárias da limpeza, para chegar ao andar da Tecnologia. Com ar intrigado e apressado um homem procura um sensor de movimento. Está arreliado porque mudaram as prateleiras de lugar. Veio de propósito, mas a compra não é urgente. O contrário se passa ao balcão. Nuno, 31 anos, foi trocar o carregador do computador portátil comprado há cerca de três semanas e que deixou de funcionar. Sem ele, o advogado não consegue teletrabalhar. A seguir à troca é precisamente para casa que irá regressar. Rita, 20 anos, anda à procura dos AirPods, pois tem um cartão-presente com a validade a terminar e não quer perder a oportunidade.
Um café e um filme
Dos cerca de três mil funcionários do El Corte Inglés, menos de 1 500 estiveram em layoff desde meados de janeiro. Pedro Nascimento, 41 anos, vendedor da Eletrónica também está de regresso ao local de trabalho, depois de um layoff parcial. Com a equipa dividida e a trabalhar em espelho, um mês cada grupo, foi preciso recriar no piso subterrâneo a área de tecnologia, levando mobiliário e produtos. “A corrida aos computadores portáteis já não vai voltar a acontecer como foi no regresso da telescola. Agora, os clientes têm zonas novas para descobrir, como a dedicada aos videojogos”, explica. Por ali anda também a família Folgado. Espreitam alguns gadgets enquanto fazem tempo para o mais pequeno de 13 anos regressar à escola. Foram comprar uns ténis novos, pois o calçado deixou de lhe servir do Natal até às últimas semanas de confinamento.

Chegados ao último andar, onde estão instalados os restaurantes do Gourmet Experience, o céu de Lisboa é todo nosso. Na cozinha à vista de todos d’O Poke, restaurante do chefe Kiko Martins, ultimam-se os detalhes da mise en place da carta, incluindo dos cinco novos pratos. Dos antigos 44 lugares há agora 22 e Telmo Pires, chefe de sala, espera rodá-los quatro vez ao longo de todo o dia. Perto do meio-dia e já falta pouco tempo para ser permitido entrar na zona de restauração. Haste por haste, uma a uma, com a delicadeza de quem sabe cuidar, Dina, funcionária d’O Poke, limpa as plantas com uma solução de água, umas gotas de lixívia e de um detergente específico, para dar nova vida aos verdes.

A deambularem por ali, os adolescentes, Inês, 17 anos e Duarte, 18, foram à procura de roupa quente para um lugar frio. Duarte está prestes a viajar e a mudar-se para a Holanda, para onde vai estudar. “Não é uma urgência, mas quis vir agora de manhã, antes que viessem mais pessoas.”
Sete pisos abaixo, à mesma hora, as grades de acesso à zona dos cinemas continuam descidas, mas já há quem passe e fixe as imagens dos filmes em cartaz. Nomadland – Sobreviver na América, um dos favoritos aos Oscars deste ano, é a grande estreia da semana de desconfinamento, com oito sessões diárias. As salas têm agora, e novamente, os lugares limitados, com uma cadeira vazia entre espectadores, e o ideal é comprar online os bilhetes. A brasileira Gabriela e o francês Jérôme foram comprar artigos de desporto, uma luvas de boxe mais precisamente, mas, em princípio, vão ficar para almoçar e ir a uma sessão de cinema à tarde. “Há um ano sem ir ao cinema, estamos com vontade”, desabafam.

Entretanto, os balcões da restauração em regime de takeaway já estão a todo o gás. Faltam dez minutos para o meio-dia e Fernanda Carvalho, 68 anos, já vai servida com um hambúrguer e batatas fritas. Foi comprar livros de poesia e cremes para ofertar e a tarde será passada no cinema. “Provavelmente vou ver dois filmes de seguida. Estou cansada de ver cinema em casa. Quero estar numa sala escura.”

A primeira cliente do restaurante espanhol Mesón de Tapas é uma médica que vai almoçar sozinha. Há três meses que não comprava roupa e aproveitou o facto de estar pouca gente nesta manhã de reabertura. Seguem-se Alice Pereira e Sónia Gomes, mãe e filha, que foram comprar meias para as crianças da família. Vão tapear, ainda com pouca gente e mais segurança, antes de regressarem a casa na Amadora. Porque o dever geral de recolher domiciliário mantém-se.