De que se fala quando se fala de sucesso? Há uma receita para lá chegar? Desde a Segunda Guerra Mundial que a indústria dos testes de personalidade floresceu e se converteu numa ferramenta indispensável nas políticas de recursos humanos das empresas, sobretudo em team building e coaching de liderança, com vista a alcançar resultados eficazes e a otimizar processos de inovação.
Hoje, como ontem, aquilo que os gestores procuram, tem muito a ver com a conjuntura socioeconómica e as tendências de mercado, pelo que não surpreende a emergência de velhos temas, do carisma às qualidades empreendedoras, passando pelos atributos de liderança e as competências sociais, cada vez mais requisitadas no mundo corporativo. Desta vez, o interesse pelas competências técnicas caminha a par de outras, que estão a dar que falar: assertividade, espírito positivo, autodomínio e resistência ao stresse são algumas delas. Onde está quem as têm? Quanto mais escassas, mais valiosas e, como tal, potencialmente mais bem pagas. Aspirar a um bom salário pode dizer respeito a todos, mas alguns terão mais condições para lá chegar do que outros. Neste cenário, é possível falar numa personalidade talhada para vencer?
Os mais extrovertidos têm mais 25% de chances de estar em cargos bem pagos
Perfis vencedores
Os resultados de um inquérito online divulgado há cinco anos, pelos investigadores Robert de Vries, da Universidade de Kent, e Jason Rentfrow, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, numa amostra superior a 150 mil adultos, sugerem que ter níveis elevados de extroversão (ser assertivo, autoconfiante e sociável) e de conscienciosidade (ter organização, prudência e eficiência) são “assets” que contam na estrada que conduz à ascensão na carreira e que se relacionou com salários interessantes. Estes são dois traços avaliados pelo Big Five, um instrumento validado cientificamente e que mede cinco escalas / dimensões básicas da personalidade (neuroticismo, extroversão, agradabilidade, conscienciosidade e abertura à experiência), apresentando perfis sob a forma de percentagens (por exemplo, é 30% extrovertido).
Na análise dos dados do BBC Lab UK apurou-se também que níveis moderados de abertura à experiência e de agradabilidade contribuiam para o sucesso (com tradução nos rendimentos) mas menos, sobretudo em ambientes competitivos ou menos recetivos a valores menos convencionais. Já as pontuações elevadas na escala de neuroticismo (maior sensibilidade ao stresse e a estados emocionais negativos) apresentaram uma relação significativa com baixos níveis salariais.
Pessoas que cresceram em ambientes familiares com pais mais diferenciados e elevadas aspirações económicas tendiam desenvolver autoconfiança e outras competências sociais muito requisitadas pelos empregadores
A dupla de cientistas sociais não só avaliou as aspirações e a personalidade, como as ligou com o ambiente familiar e a evolução profissional, baseando-se ainda na revisão de 90 estudos académicos. Assim chegou à conclusão que os mais extrovertidos tinham mais 25% de chances de estar em cargos bem pagos (baixando para 20% no caso dos que tinham tido pontuações elevadas na dimensão da conscienciosidade, ou seja, mais orientados para a meticulosidade, a organização e o planeamento).
Outra conclusão interessante e, de certo modo, esperada, por de Vries e Rentfrow: a origem social fazia toda a diferença na equação. Pessoas que cresceram em ambientes familiares com pais mais diferenciados e elevadas aspirações económicas tinham acesso a boas condições de estudo, mobilidade social e tendiam desenvolver autoconfiança e outras competências sociais muito requisitadas pelos empregadores. Sem novidade, os homens levavam vantagem nos salários, face às mulheres. Digamos que o mundo não é justo e que as aspirações ao sucesso ficam condicionadas, dependendo das circunstâncias de cada um.
Aspirações e as suas circunstâncias
Num artigo publicado no The Economist, referem-se os trabalhos do coach canadiano Karl Moore, também docente na universidade McGill, onde se estima que a população se divide em 40% de introvertidos, idêntica percentagem de extrovertidos e 20% de “ambivertidos” (possuem as duas características). Cada um destes perfis de personalidade tem pontos fortes: se os mais favorecidos tendem a ser extrovertidos e autoconfiantes, sendo-lhes mais fácil chegarem-se à frente sem se deixar abater por contrariedades, os introvertidos podem exceder as expetativas das administrações quando nomeados para posições de chefia executivas. Aqueles que reúnem características destes dois grupos são capazes de ouvir e de ir ao encontro das necessidades dos clientes tendo, ao mesmo tempo, a energia necessária para vender os bens e serviços das empresas. Em síntese, todos têm vantagem em aprender com as valências dos outros e desenvolvê-las sempre que necessário. Cientes disto, os empregadores ganharão mais em alinhar-se com os seus colaboradores observando os seus modos de funcionamento e comunicando com eles, contribuindo, dessa forma, para que as equipas deem o melhor de si à empresa.

O que pode pesar mais, afinal, para ter sucesso na carreira e na carteira: a personalidade é tudo? Isabel Freire de Andrade, CEO da Bright Concept, entende que “a educação, as expectativas que os pais têm, o reforço dos comportamentos que levam ao sucesso e o exemplo dos pais são muito importantes mas não são decisivos”. Quanto aos aspetos da personalidade que fazem a diferença para ser bem sucedido na carreira e ter bons níveis salariais, “a assertividade e as emoções positivas são decisivas, mas as outras competências associadas ao traço da extroversão (entusiasmo, sociabilidade) podem ser substituídas por ajudar os outros a desenvolver-se e ter empatia”. No traço da conscienciosidade, a organização e rigor não serão tão importantes como “a orientação para o êxito e o autocontrolo” pois é muito difícil ter sucesso sem essas duascompetências”. E por fim, na dimensão do neuroticismo, “a estabilidade emocional é decisiva”. Isto não significa ficar refém da personalidade. Isabel Freire de Andrade observa:
“Uma pessoa naturalmente introvertida pode seguir essa preferência, tendo o cuidado de trabalhar a assertividade, as emoções positivas, a empatia e ajudar as pessoas a desenvolverem-se.” Tratando-se de alguém espontâneo e descontraído mas com um nível baixo de conscienciosidade, terá vantagem em “melhorar a orientação para o êxito e o autocontrole”. Já no caso de ter um alto nível de neuroticismo “é importante trabalhar as emoções para aumentar a estabilidade emocional, para ter ganhos na carreira”.
Agilidade e outros promotores de sucesso
A natureza do trabalho é cada vez mais colaborativa. Ter em linha de conta diferentes competências pode enriquecer os projetos e o produto final das equipas, ainda que possa envolver um maior grau de complexidade. Ricardo J. Vargas, CEO da Consulting House, advisor global de executivos e autor do livro “Chief Executive Team”, admite que traços como a extroversão e a conscienciosidade têm benefícios no mercado de trabalho. Porém, os fatores socioeconómicos desempenham um papel crucial na equação: “Se alguém nasce, é educado e estabelece a sua rede de relações sociais num meio favorecido, em que os pais já tinham um nível elevado de educação, parte com vantagem para o mercado de trabalho, comparado com alguém que tenha os mesmos ou melhores traços de personalidade, inteligência ou motivação.”

Há exceções à regra. Pensando em Barack Obama, por exemplo, é de admitir que não somos determinados exclusivamente pelas nossas condições de vida. Ainda assim, o ex-Presidente dos Estados Unidos é “filho de pais licenciados, graduado em Direito em Harvard e dificilmente representa o modelo típico do afro-americano que tem de lutar profissionalmente sem uma rede social no nível a que quer chegar”.
O psicólogo organizacional e coach de executivos usa instrumentos de personalidade como auxiliares do processo de desenvolvimento dos clientes e tem observado realidades diversas. “No nível de topo das empresas, encontro pessoas com perfis muito distintos: introvertidos e extrovertidos, muito e pouco organizados, orientados para a equipa ou individualistas, curiosos e pragmáticos, idealistas e realistas. Todos os perfis podem ser bem sucedidos.” Pode não ser-se um líder nato mas saber como liderar, desde que a possibilidade de gerar conhecimento esteja lá e que se faça uso dos recursos cognitivos e os da equipa: “O que parece ligar as pessoas com quem trabalho no nível executivo é a agilidade mental, a rapidez de raciocínio ligada à capacidade de análise dos temas.”
Lembrando que o objetivo do coach não é avaliar, Ricardo J. Vargas adianta que “um executivo pode melhorar muito o seu desempenho como líder sem precisar mudar o que é” e que todos os traços de personalidade têm vantagens e desvantagens. Basta olhar para o que sucedeu neste confinamento: “Os introvertidos sofreram menos emocionalmente, organizaram melhor o seu trabalho e conseguiram partilhar dicas sobre como trabalhar sozinho com as suas equipas.” Esta vantagem traduziu-se em “produtividade, conversas e relações mais profundas e melhores resultados em alguns testes de inteligência”.
O Modelo dos Cinco Fatores ou Big Five
Amplamente usado no meio empresarial como ferramenta de desenvolvimento pessoal e de carreira, team building e coaching de liderança, mede cinco dimensões da personalidade e respetivas competências:
- Neuroticismo – Estabilidade emocional, emoções negativas e vulnerabilidade ao stresse
- Extroversão – Assertividade, entusiasmo, sociabilidade, positividade, orientação para a ação
- Agradabilidade – Cooperação, confiabilidade, disponibilidade e valoração da harmonia
- Conscienciosidade – Orientação para metas, autocontrolo, organização, rigor e planificação
- Abertura à Experiência – Imaginação, curiosidade, criatividade e inconvencionalidade