É impossível, em 2021, não ouvir o termo “moda sustentável”. Muitas são as mudanças ecológicas que têm feito as grandes marcas para melhor corresponder aos ideais defendidos pelos consumidores cada vez mais informados. Mas, será que o mesmo acontece do ponto de vista ético? Que marcas pagam um salário justo aos seus trabalhadores?
“A maior parte das marcas mais conhecidas ainda não percebeu que não podemos ter sustentabilidade sem ética”, acredita Venetia La Manna, co-fundadora da Remember Who Made Them, uma plataforma digital que pretende ajudar a criar uma economia solidária na moda. “Não podemos estar a fazer uma escolha consciente para o planeta se não sabemos se a t-shirt feita de material reciclado foi feita por uma mulher que não ganha o ordenado mínimo”, exemplifica, em declarações ao The Independent.
O tema não é novo e ganhou novo fôlego em público em 2015, com documentário The True Cost, que teve a sua projeção ampliada quando chegou à Netflix, um ano depois, e que revelou os horrores dos bastidores do mundo da moda, mostrando as difíceis condições de trabalho nas fábricas têxteis das grandes marcas de roupa, em países subdesenvolvidos, como o Bangladesh. “Cresci num mundo de fast fashion, em que as grandes marcas faziam parte da forma como comprava roupa desde pequeno. Quando comecei [o documentário] só pensei: isto é absurdo, é uma parte louca do nosso mundo e é horrível que nunca tenha ouvido falar. Como é que vivi tanto tempo sem sequer considerar algo tão básico como de onde vieram as minhas roupas? O filme mostra-nos que há algo que muitos de nós nunca consideraram, mas do qual fazemos parte de forma intrínseca, só por comprar”, explicou Andrew Morgan na divulgação do documentário.
A Clean Clothes Campaign, uma rede global, que tem o financiamento da União Europeia, cujo principal objetivo é melhorar as condições de trabalho e empoderar os trabalhadores da indústria têxtil e de roupa desportiva, tem vindo a alertar para esta realidade, agravada pela pandemia – quando chegou à Europa e aos Estados Unidos, e as lojas fecharam, as marcas responderam encerrando as cadeias de fornecimento e cancelando encomendas que tinham feito antes da pandemia. Isto fez com que as fábricas não conseguissem pagar aos seus trabalhadores. “É incompreensível que as pessoas que já vivem com um salário de pobreza e que nunca tiveram a possibilidade de economizar dinheiro, não tenham nada para se apoiar”, disse à Vogue Christie Miedema, coordenadora de campanha e divulgação da Clean Clothes Campaign. Um relatório publicado pelo Worker Rights Consortium, em dezembro 2020, revelou mesmo que 80% dos trabalhadores do setor têxtil passavam fome.
Como, então, tomar decisões mais conscientes nas nossas compras? A solução criada pela Clean Clothes Campaign foi uma ferramenta de pesquisa online, o Fashion Checker, que nos permite saber onde as grandes marcas, como Zara (do grupo Inditex), H&M, Primark ou Nike, fabricam as suas roupas e se pagam (ou não) um salário com que os trabalhadores consigam viver. “A maioria dos trabalhadores têxteis não consegue pagar as suas necessidades básicas. Uma remuneração justa é um direito humano, mas nenhuma das grandes marcas de moda paga aos seus trabalhadores têxteis um salário com o qual possam viver”, pode ler-se no Fashion Checker. Segundo o site, este é o caso de 93% das marcas inquiridas.
Basta escrever na busca o nome da marca que queremos ver, e, de seguida, o site dá-nos uma série de informações sobre a mesma, tais como onde tem a sede, que outras marcas possui, quanto lucra, que fábricas tem e se paga um salário com que os trabalhadores consigam viver ou não. Contém mais de 90 marcas às quais o Fashion Checker envia um questionário, dando-lhes a oportunidade de mostrar os seus esforços para pagar um salário justo e revelar a localização das suas fábricas de produção, sendo que maior parte das marcas presentes não dá este tipo de informação. Contém também investigação própria conduzida através de entrevistas aos trabalhadores e acesso aos recibos de vencimento, nos países em que isso é possível como a Indonésia, China, Croácia, Índia e Ucrânia, comparando os dados que recolhe e os fornecidos pelas marcas. Dados da WikiRate, Open Apparel Registry e da OpenCorporates são também tido em conta, mas a falta de informação por parte das empresas e o medo de represálias por parte dos trabalhadores leva a que haja várias lacunas.
O Fashion Checker dá, também, informação da desigualdade de género dentro da indústria, sendo que 80% das trabalhadoras não recebem um salário igual ao dos seus colegas homens. “A desigualdade de género está profundamente enraizada no desequilíbrio de poder do setor, e a remuneração por género tem uma ligação direta com a agressão verbal, física e sexual”, pode ler-se.