Sendo Lobo Xavier próximo do Opus Dei e seu amigo, como ele disse na televisão, o facto de ter acusado a maçonaria de ter uma rede de extorsão não pode dar a ideia de que uma acusação tão grave serviu para focar o tema na maçonaria e afastá-lo do Opus?
Naturalmente não sei que intenção presidiu a essa intervenção. Liga-nos uma amizade de mais de 40 anos. Lobo Xavier, que, como referiu há anos numa entrevista, não é cooperador do Opus Dei, conhece de perto a realidade. Mas o ponto importante dessa intervenção é o mesmo que foi dito pelo porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e que volto a repetir: o Opus Dei, como qualquer instituição eclesiástica, não tem qualquer atividade “discreta”. Daí ser totalmente abusivo fazer essa referência ao Opus Dei, quando juntam associações e organizações “discretas”.
Porque é que acha que não faz sentido incluir o Opus Dei no conjunto de associações a declarar a pertença?
Podemos ler nos estatutos da Prelatura que “o espírito do Opus Dei evita completamente o segredo ou a clandestinidade”, o que tem também a ver com o facto de os cristãos deverem sempre e em todo o lugar testemunhar a sua fé sem dissimulação nem reservas. As objeções, porém, são as referidas pela Comissão da Liberdade Religiosa (CLR), e também citadas literalmente pelo porta-voz da Conferência Episcopal. Num parecer assinado pelo dr. Vera Jardim, a CLR lembra que a Constituição estabelece que “ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa (….) nem ser prejudicado por se recusar a responder”. Insinuar que o Opus Dei pudesse ser incluído, além de pôr em causa a liberdade religiosa, levantaria uma suspeição de falta de isenção claramente contrária à verdade e até caluniosa. Essa suspeição afetaria não só as pessoas do Opus Dei, mas todos os crentes na sua atuação cívica.
O Opus Dei contesta o secretismo. Mas a organização não é muito fechada, discreta e pouco transparente? Até mesmo por não ter quase nada em seu nome?
Não concordo. É clara e aberta a apresentação que fazemos da missão e dos meios. Para servir a finalidade de reforçar a fé cristã de católicos que têm a sua vida própria, o Opus Dei disponibiliza um conjunto de recursos formativos. Há a formação individual, através do acompanhamento espiritual pessoal, e há a formação em sessões para várias pessoas (desde reuniões semanais de uma hora sobre a vida cristã até retiros de oração de cinco dias). Os interessados podem aceder a esta formação, que não está reservada só a pessoas do Opus Dei, nem necessita de convite. Para esta finalidade são precisos somente alguns espaços. Esse suporte logístico e económico é reunido por cidadãos, membros do Opus Dei ou amigos, dando origem a instituições jurídicas que, sendo autónomas, fazem acordos de colaboração com a Prelatura para a realização dessas atividades formativas. Esta colaboração é conhecida, nunca se esconde, apesar de ainda podermos melhorar o modo de comunicar.
No parecer do Opus Dei sobre o projeto-lei, alega-se que a Prelatura “não exige promessas de fidelidade que afetem a atuação profissional e política”. Mas as normas internas não definem relações de fidelidade dos seus membros com a Prelatura?
O cristão que se compromete com o Opus Dei, tal como acontece em muitas realidades na Igreja, renova as promessas de fidelidade a Deus que fez no batismo e configura-as com o dever/direito de assumir uma espiritualidade de procura de Deus na vida corrente de cada dia, sustentada por uma formação religiosa própria, complementar à ação das dioceses e paróquias. Esses deveres não interferem na liberdade de intervenção pública de cada um. São claros os estatutos com que a Igreja Católica criou o Opus Dei. Vale a pena citar o n. 88, § 3: “No que diz respeito às atividades profissionais, bem como às doutrinas sociais e políticas, cada um dos fiéis da Prelatura, dentro dos limites da doutrina católica na fé e na moral, goza da mesma plena liberdade que os outros cidadãos católicos. Por seu lado, as autoridades da Prelatura devem abster-se até mesmo de dar conselhos nestas matérias. Portanto, esta plena liberdade só pode ser diminuída pelas normas que, para os católicos, nalguma diocese ou circunscrição, sejam dadas pelo respetivo bispo ou pela Conferência Episcopal; consequentemente, a Prelatura não faz sua a atividade profissional, social, política, económica, etc., de nenhum dos seus fiéis.”
O que faz com que em Portugal se considere o Opus Dei e a maçonaria como as duas associações mais influentes e envoltas em algum secretismo?
Não consigo encontrar uma explicação. Essa narrativa aparece pela primeira vez em Espanha, nos anos 40 do século passado, e há vários estudos de caráter histórico que descrevem como se deu o seu aparecimento. O que não tem explicação é que perdure aqui em Portugal, quase como caso único no mundo, apesar desses estudos e dos abundantes esclarecimentos dados. É uma falsidade que vejo dita despreocupadamente. Compreendo que possa haver dúvidas e interrogações, já não é fácil compreender que não se esclareçam com quem pode esclarecer: o Opus Dei, as dioceses, a CEP, a Santa Sé. Em qualquer caso, significa que temos de fazer mais para comunicar melhor.
Qual o papel do Opus Dei hoje em dia?
O Opus Dei completa este ano 75 anos de presença em Portugal. Começou com um jovem farmacêutico de 24anos de idade, Francisco Martinez, que veio trabalhar para Coimbra, enviado pelo fundador do Opus Dei, S. Josemaria. Trazia a incumbência de começar por contactar o bispo da diocese. Esse gesto simboliza o que o Opus Dei quer ser: um carisma da Igreja ao serviço da missão da Igreja em cada diocese. Agora, empenhados no grande desafio da adaptação da vivência da fé nestes tempos de pandemia, e da pós-pandemia que se avizinha, com exigências de uma solidariedade que terá de ser criativa e mais efetiva. Apostados em viver o recém-começado Ano da Família “Amoris Laetitia”, e em mobilização para a grande Jornada Mundial da Juventude, para receber o Papa Francisco em Lisboa e também em Fátima.
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