Se eu já não tinha grandes dúvidas de que nem todos tinham apreciado aquelas pressupostas antecipadas férias e, muito menos, a possibilidade que se avizinhava de não ter de cumprir horários, estas foram totalmente dissipadas ao ler os textos escritos pelos alunos. Pura ilusão de férias ou de um período inusitado de descanso. Os dias em que estivemos literalmente presos aos computadores deixaram marcas difíceis de apagar.
A Mariana teve uma excelente ideia no início da quarentena: Passar os dias a dormir, comer e voltar a dormir. Basicamente, quando não tinha aulas online, era isto o que eu fazia. Para a Ana, o confinamento foi o período mais extenso da minha vida: foram semanas que aparentavam demorar meses, dias que pareciam semanas, horas que passavam muito devagar…
Se os primeiros dias foram de enorme surpresa e expectativa, os seguintes anunciavam-se cheios de projetos, ideias, planos, atividades há muito em lista de espera: costurar, descobrir novas receitas, aprender a dançar, praticar exercício físico, ver o tal filme, ler o tal livro… Porém, depressa o exercício físico inicial foi trocado pelo conforto do sofá; as novas receitas substituídas pelas encomendas online; o tal curso de costura trocado por horas esquecidas nas redes sociais e os novos passos de dança rapidamente deram lugar às séries da Netflix: Os meus (muitos) planos iniciais terminaram inevitavelmente em cansaço e desmotivação. E depois veio a depressão e o desespero…, desabafa a Clara.
Infelizmente, o mesmo parece ter acontecido com muitos outros alunos. A Ana afirma: Não vou mentir. No início do confinamento, achei que ia seguir com todos os meus planos de fazer uma dieta, praticar exercício físico, brilhar nas aulas online, arranjar um novo hobby. Mas não foi bem isto que aconteceu. Comecei a isolar-me e a stressar-me com tudo à minha forma. A minha mãe tentava puxar por mim mas eu isolava-me cada vez mais. As aulas online, que às vezes duravam apenas algumas horas por dia, deixavam-me mais desgastada do que um dia inteiro de aulas presenciais.
Como forma de lidar com este desgaste inesperado que o ensino a distância parece ter provocado, muitos jovens procuram diferentes foras de evasão: uns acorreram aos jogos de apostas online e outros, muitos, procuraram refúgio nos videojogos. Uma grande percentagem de alunos assume este facto nos seus textos. O Pedro admite: Não fiz rigorosamente nada; basicamente limitei-me às redes sociais e às séries e aos jogos. Esta opinião é corroborada por outros colegas como o Diogo, para quem o lado mais positivo do confinamento foi o facto de poder jogar online com os meus amigos os dias inteiros; o João, que chegava a jogar catorze horas seguidas com os amigos; a Clara, que jogava de manhã à noite; ou o Tiago que apostou cinquenta euros no Casino online, ganhou mais de trezentos e afirma, arrependido: Perdi tudo no final, stora…
Na verdade, nenhum aluno alguma vez imaginara passar por uma experiência destas. A Bruna não hesita em afirmar: Foi no dia dezanove de março que o meu pior pesadelo começou. Apesar dos horários mais flexíveis e da maior atenção individual por parte dos professores, o ensino a distância foi horrível… Eu senti-me sobrecarregada. O Daniel, sempre brincalhão e bem disposto afirma: No início, até parecia que ia ser divertido, stora. Que engano… Espero que isto nunca mais volte a acontecer. A Cristiana deixou muito claro o impacto que esta experiência provocou em si: Em 16 anos de vida, esta foi a primavera mais longa que já vivi. Foi triste e escura…
Sobre a experiência das aulas a distância, a Bárbara e a Beatriz simplesmente detestaram: Não consegui aprender praticamente nada das matérias que demos online, diz a primeira. A segunda expressa um desejo: Espero nunca mais ter de voltar a ter aulas online. Foram aulas em pijama; sentada no sofá, com a taça dos cereais no colo. Dito assim parece magnífico, não é? Mas não, foram os piores dias, meses… desde que me lembro de existir. A Diana reforça a ideia da Beatriz: Eu quase não aprendi nada com as aulas online… Por sua vez, a Bruna afirma que as aulas online foram uma experiência horrível.
Em síntese, as aulas online deixaram um rasto de cansaço e de desolação: Não foram agradáveis para mim nem facilitaram em nada a minha aprendizagem, escreveu a Lannay. Para a Rafaela, foi mesmo das coisas mais bizarras que eu já vivi… Houve porém, alunos como o Vasco, para os quais tudo isto não passou de apenas mais uma experiência a ser vivida: Sobre as aulas online, muita gente odiou e outros adoraram. Pessoalmente, foi-me totalmente indiferente.
Alguns alunos deram largas à sua sensibilidade, confessando a falta que sentiram uns dos outros, dos amigos, dos familiares e até dos professores. O que mais me custou foi a ausência de convivência direta com os que me eram mais próximos. Claro que a tecnologia nos ajudou e tivemos aulas online. E foi aí que começaram os dois meses mais cansativos da minha vida…, palavras da doce e meiga Catarina. Outros admitiram que o lado mais negativo destes meses foi não podermos ver os nossos colegas nem os nossos professores. Isso foi muito triste. Contudo, a Joana confessa que nem tudo foi negativo. Durante o confinamento aprendi a conviver mais comigo. Na verdade, como diz o Guilherme, nem tudo foi tristeza e trabalhos de casa…
Ainda não sabemos qual a dimensão do impacto emocional da quarentena nos nossos jovens, se foi mais ou menos profundo, que consequências poderá trazer. A opinião da Joana reflete a de muitos colegas seus: Ah, stora, foi tudo um grande choque pois comecei a pensar o dobro em coisas mais profundas e esse facto mexeu muito com a minha saúde mental. Outros alunos confessaram ter vivido crises frequentes de choro e de ansiedade; se destaco o testemunho da aluna Ana R. é apenas porque, alguns meses depois desta experiência, ela continua a sofrer os efeitos do isolamento obrigatório que todos vivemos: Ainda tenho muitas dificuldades em controlar a minha ansiedade. Tive dias em que passei muitas horas a chorar…
Opinião generalizada parece ser a falta que a escola nos fez a todos. Como diz a Bárbara, senti tanta falta da minha rotina. De um simples acordar, seguido de uma corrida para apanhar o autocarro para ir para as aulas. Ou a Maria Rita, quando escreve em letras maiúsculas, no final da folha: NUNCA ANTES TINHA TIDO TANTA VONTADE DE IR À ESCOLA E DE TER AULAS. Parece certo, como escreve – e bem – o responsável Guilherme, que a tempestade ainda não passou e temos de mostrar resiliência e coragem, muita coragem, para que este inimigo invisível não mude a nossa forma de viver para sempre.
E para o caso de as escolas voltarem a encerrar, urge rever os moldes em que voltaremos a utilizar o ensino a distância de forma a evitarmos os erros do passado.